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2005-10-26
Por Dener Giovanini * Quando publicou A Peste, em 1947, o escritor franco-argelino Albert Camus provavelmente desconhecia o potencial apocalíptico de suas palavras ao afirmar que todos sabem que as pestes tendem a se repetir no mundo; mas de certa forma é difícil acreditar naquelas que nos caem sobre a cabeça vindas não se sabe de onde, numa alusão ao movimento nazista que aprisionou a França. Passados quase 60 anos, suas palavras fazem ainda mais sentido quando o mundo precisa acreditar na existência de uma preocupante realidade: as pestes estão voltando.

O que podemos acrescentar ao pensamento de Camus é que hoje sabemos exatamente de onde vêm as pragas da modernidade – elas nascem nas chagas abertas em nossos ecossistemas e multiplicam-se nos rasgos que fazemos em nossas florestas. As feridas do planeta Terra estão infeccionando e criando ambiente propício para que a raça humana evolua para um fatal diagnóstico de septicemia. A cada passo que damos em direção à escuridão das florestas, abrimos as portas que libertam microorganismos ainda desconhecidos da medicina. A cada animal selvagem que trazemos para o convívio humano, armamos uma nova bomba biológica.

O país abençoado por Deus e bonito por natureza também está começando a desmoronar feito madeira podre. Carcomido por seres microscópicos que estão matando misteriosamente recém-nascidos no estado do Pará ou ainda abatendo seres humanos em Minas Gerais e no Distrito Federal. Os casos de hantavirose e febre amarela se alastram a cada foiçada na mata. As febres hemorrágicas se expandem no mesmo ritmo das queimadas. O efeito estufa que alimentamos todos os dias dá razão ao princípio básico da ciência médica, que nos ensina que nada melhor do que o calor para acelerar o crescimento dos agentes patogênicos.

A trombeta que tocou no Mato Grosso do Sul, anunciando a chegada de mais um foco de febre aftosa emite um som surdo. Diferentemente do Reino Unido, nação rica e poderosa, que pode se dar ao luxo de se livrar de epidemias simplesmente eliminando seus transmissores, como fez no caso da doença da vaca louca, o Brasil está começando a sucumbir diante do seu despreparo para lidar com o extremo limite. O que será da economia deste gigante tropical se por aqui pousar a Febre do Nilo, ou a Gripe Asiática? Suportaremos o tranco da única arma disponível: a eliminação por completo dos nossos rebanhos? Qual o impacto de uma medida como essa no peito do Brasil rural?

O caso é de segurança nacional. A ecologia no Brasil precisa deixar de ser vista apenas como uma bandeira quase ideológica, para tornar-se instrumento estratégico nas mãos que nos governam. A micro e a macroecologia ditarão às nações preparadas as condições necessárias para sua sobrevivência. Assim estão fazendo os membros da Comunidade Econômica Européia, os EUA e o Canadá. Muitos desses países já não fazem questão de esconder que estão tomando medidas para se prevenir de um ataque biológico que poderia vir de algum país tropical. Será que nós, abaixo da linha do Equador, temos consciência do que isso representa?

Deus permita que o tom alarmista deste artigo seja apenas um exagero, mas o fato é que estamos diante da polêmica definitiva da nossa existência: ou aprendemos de vez a interpretar os sinais da natureza e mudamos imediatamente a nossa relação com ela, ou devemos nos acostumar desde já à cova rasa destinada aos ignorantes do destino.
* Dener Giovanini é ambientalista. Artigo publicado originalmente em Ambiente Brasil, 24/10/2005.

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