Depois das catástrofes, a possibilidade da paz
2005-10-25
Por Roberto Villar Belmonte*
Os desastres - como furacões, secas e estiagens -
estão deixando de ser fenômenos naturais. Uma
combinação de ações humanas está intensificando a
freqüência destes episódios, antes considerados
normais, e gerando conseqüências cada vez mais
devastadoras. O equilíbrio ecológico do planeta está
sendo significativamente alterado pela destruição dos
ecossistemas, mudanças climáticas, crescimento da
população e aumento da ocupação de áreas de risco
impróprias para a presença massiva de habitações.
— O número de desastres ambientais tem aumentado nos
últimos 25 anos - , informa
Michael Renner, diretor do Projeto de Segurança Global
do Worldwatch Institute de Washington. As mudanças
climáticas são um fator cada vez mais influente. O ano
de 2004 foi o quarto ano mais quente desde 1861,
depois de 1998, 2002 e 2003. Na última década estão os
nove anos mais quentes desde o início dos registros de
temperatura que começaram a ser feitos na segunda
metade do século 19, em plena revolução industrial.
Entre 1980 e 2004, o número de pessoas afetadas pelos
desastres naturais cresceu a passos largos, revelam as
estatísticas do Banco de Dados Internacional sobre
Desastres (www.em-dat.net). O aumento foi de 550
milhões entre 1980 a 1984 para 1,4 bilhão de pessoas
sem moradias e que precisaram de algum tipo de
assistência entre 2000 e 2004. O levantamento,
utilizado nas pesquisas do Worldwatch Institute,
inclui a ocorrência de terremotos, ondas gigantes,
enchentes, tempestades e secas.
Michael Renner constata que as ações de ajuda externa
e as decisões de reconstrução adotadas após os
desastres naturais têm uma forte influência, que pode
ser positiva ou negativa, na política dos países
afetados. O pesquisador do Worldwatch Institute foi um
dos participantes do III Fórum Internacional de Mídia
Meio ambiente, um caminho de paz, promovido pela
Sociedade Cultural Greenaccord de 12 a 15 de outubro
em Monte Porzio Catone, a 40 quilômetros de Roma, com
a presença de jornalistas de 32 países.
Os desastres naturais podem catalisar uma série de
conflitos sociais. No caso das secas, por exemplo,
aumenta a disputa por água e comida. — Mas eles também
são uma oportunidade de solucionar pacificamente
conflitos que já existiam antes do país ser afetado
gravemente por algum fenômeno devastador-, defende
Michael Renner. O sofrimento causado pelos desastres
gera interesses e necessidades comuns, e a destruição
pode ser tão grande que a reconstrução somente seja
possível depois de um acordo de paz.
Efeito tsunami
O Worlwatch Institute realizou um estudo sobre o
impacto político da onda gigante tsunami, que em
dezembro 2004 destruiu parte da costa do Oceano
Índico, na longa guerra civil em curso tanto em Aceh,
na Indonésia, quanto no Sri Lanka. Os pesquisadores
esperavam que o sofrimento causado pudesse desarmar os
espíritos. Os resultados, no entanto, foram distintos.
Em Aceh, um acordo de paz foi recentemente celebrado.
No Sri Lanka, logo depois que a euforia inicial
passou, recomeçaram as hostilidades.
A guerra civil entre os separatistas de Aceh e o
governo da Indonésia durou 30 anos. A última tentativa
de paz havia fracassado em maio de 2003, quando foi
imposta lei marcial. O conflito pode ser atribuído,
segundo Michael Renner, à excessiva centralização
política e à exploração injusta dos recursos naturais.
A repressão política, a corrupção e a violação dos
direitos humanos pioraram os ânimos na região. Depois
da tsunami, um acordo de paz foi assinado no dia 15 de
agosto, após sete meses de negociações.
Aceh tem cerca de 4 milhões de habitantes. A guerra
civil entre o Movimento Aceh Livre (Gerakan Aceh
Merdeka) e o governo de Jacarta matou 15 mil e
desalojou mais 1,5 milhão de pessoas. Já a onda
gigante matou 131 mil pessoas, deixou 37 mil
desaparecidos, mais de 500 mil pessoas sem casa (até
agosto de 2005), 800 mil pessoas dependendo de ajuda
para comer e 116.880 moradias destruídas. A região tem
muitos reservas de petróleo e foi a mais afetada pelo
maremoto.
Conflitos a resolver
Apesar do Sri Lanka também ter sido muito afetado pela
onda gigante, que varreu a região em dezembro de 2004,
os acontecimentos pós-desastre foram bem diferentes. A
guerra civil teve inicio em 1983 em função do
nacionalismo do grupo Sinhala e de políticas
educacionais impostas pela minoria Tamils. Desde
fevereiro de 2002 há um cessar-fogo na região, mas as
negociações de paz paralisaram e ainda não avançaram
mesmo após a destruição causada pelo desastre ocorrido
no final do ano passado.
O Sri Lanka tem 19,6 milhões de habitantes. A guerra
civil já matou 65 mil pessoas e deixou mais um milhão
de desabrigados. A tsunami levou embora a vida de
quase 34 mil vítimas e deixou mais 5 mil pessoas
desaparecidas. As estimativas apontam que mais de 450
mil pessoas permanecem sem casa e 915 mil ainda são
dependentes de algum tipo de auxílio para comer. A
onda gigante danificou e destruiu 90 mil moradias no
país que segue em conflito, apesar da dor causada
pelos danos.
Se a hipótese sobre o potencial pacificador dos
desastres ambientais de Michael Renner estiver
correta, o Brasil também tem uma boa oportunidade para
resolver os conflitos causados por produtores e
madeireiros inescrupulosos na região Amazônica. Um
novo fenômeno, o aquecimento das águas do Oceano
Atlântico, foi a causa da ressente seca que assola o
norte da floresta. Resta saber se a dor causada por
mais esta calamidade será suficiente para uma paz
sustentável na região ou novos desastres serão
necessários.
Os estudos do Worldwatch Institute mostram que a
diferença está no tipo de auxílio ou ajuda humanitária
que é dada após o desastre ambiental. Somente ações de
boa vontade não são suficientes para incentivar a
resolução de conflitos históricos. A ajuda humanitária
precisa ser transformada em mudança política para
solucionar as causas dos conflitos. Na Amazônia, o
conflito é resultado da ganância e da exploração sem
limites. Precisará uma intervenção da ONU para
estancar a destruição da floresta?
* Roberto Villar Belmonte participou do III Fórum
Internacional de Mídia Meio ambiente, caminho de paz
à convite da Associação Cultural Greenaccord.