Estudo mostra que hidrelétricas causam aquecimento climático
2005-10-24
Contrariando a crença popular, a energia hidroelétrica causa danos graves ao clima do
mundo. Mudanças propostas na maneira como são calculados as contribuições dos países
ao efeito estufa da emissão de gases estão calculando também as barragens
hidrelétricas, embora alguns especialistas se preocupem com as dificuldades desse
detalhamento.
A imagem verde da energia das hidrelétricas, usada por países como o Brasil, de que
elas representam uma alternativa benigna aos combustíveis fósseis como o petróleo, é
falsa. Quem afirma isso é Éric Duchemin, um consultor do Painel Intergovernamental
sobre Mudanças Climáticas (IPCC) que reúne os maiores estudiosos do tema. – Todos
acham que a hidroeletricidade é muito limpa, mas esse não é o caso-.
As barragens hidroelétricas nos rios produzem doses significativas de dióxido de
carbono e metano, e em alguns casos produzem mais gases que agravam o efeito estufa
do que as termoelétricas que usam combustíveis fósseis. As emissões de carbono
variam de barragem para barragem, diz Philip Fearside, pesquisador do Instituto
Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) em Manaus. – Mas nós sabemos que são em
quantidade suficiente para preocupar-.
Em um estudo que será publicado em Estratégias de Mitigação e Adaptação para a
Mudança Global , Fearside estima que em 1990 o efeito estufa de emissões na
barragem de Curuá-Uma, no Pará, era maior que três e meia vezes do que seria sendo
produzido em geração da mesma eletricidade por óleo diesel.
Esse fato acontece porque grandes quantidades de carbono são destruídas nas árvores
retiradas das áreas das represas, enquanto outras plantas são consumidas com o
alagamento das barragens. Depois da primeira fase de perda da absorção de gases pelas
árvores, uma boa quantidade de plantas passa a ser decomposta nos reservatórios sem
oxigênio, resultando na formação de metano dissolvido. Esse material segue para
a tmosfera quando a água passa através das turbinas.
Mudanças sazonais na profundidade da água significam que existe um suprimento
contínuo de material em decomposição. Na estação seca as plantas colonizam os bancos
dos reservatórios somente para serem engolfadas quando o nível da água subir. No caso
de muitas das grandes barragens esse efeito sobe-e-abaixa pode acontecer por centenas
de quilômetros quadrados.
Em outras palavras, os reservatórios convertem dióxido de carbono da atmosfera
capturado pelas plantas em metano. No debate climático isso é bastante importante,
porque o efeito do metano no aquecimento global é 21 vezes maiores do que o dióxido
de carbono.
Outras pesquisas já sugeriram desde 2000 que os projetos hídricos são uma rede
produtora de gases estufa. Mas este novo trabalho mostra que é prioritário colocar
na agenda política esse tema. Na próxima rodada de discussões do IPCC, em 2006, será
proposto o Programa de Inventários Nacionais de Gases Estufa, onde será calculada a
emissão de carbono de cada país incluindo as emissões de áreas artificialmente
alagadas.
Mesmo essas linhas de pesquisa estão analisando apenas os primeiros dez anos de
operação de barragens, incluindo apenas as emissões de superfície dos reservatórios.
A produção de metano será vista ainda de forma secundária porque os cientistas
climáticos ainda não chegaram a um acordo sobre o grau de significância desses dados
– e também sobre como lidar com a variação entre barragens. Para Fearnside,
encontrar essas respostas será a maneira de incluir essas emissões no debate.
Com as linhas propostas pelo IPCC, os países tropicais como o Brasil que investem
pesadamente em energia hidroelétrica verão seus inventários nacionais de emissões de
gases estufa aumentarem em torno de 7%. Os países temperados e frios serão pouco
afetados porque seu clima é pouco favorável à produção desses gases.
Depois de uma década de pesquisas documentando as emissões de carbono nos
reservatórios artificiais criados pelos seres humanos, a energia hidrelétrica está
prestes a perder sua reputação baseada em seu caráter renovável para transformarem-se
em atores do aquecimento global. – Eu creio que é importante que essas emissões sejam
contidas-, afirma o pesquisador.
Nota GTA: As pesquisas realizadas no INPA mostram ainda mais do que o papel criminoso
das grandes barragens hidrelétricas sobre o clima. Seus efeitos ecológicos e sociais
vêm sendo mostrados há muito tempo por pesquisadores, por pescadores artesanais e
por atingidos por barragens. Mas é importante notar como nos países frios esse
efeito é muito menor – e isso está ligado também com a biodiversidade, que é mais
ampla e mais impactada em países tropicais como o Brasil. O assunto é ainda mais
importante para a Amazônia, onde todos os grandes rios estão sendo alvo de muitos
planos de novas barragens hidrelétricas. Ainda não se sabe se as autoridades, os
empresários e os técnicos de governos que raramente valorizam o conhecimento e os
avisos das comunidades tradicionais e indígenas vão prestar atenção agora que os
efeitos estão sendo apresentados por um dos maiores estudiosos do clima no país.
(GTA - Grupo de Trabalho Amazônico,
24/10/2005)