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2005-10-24
Durante o último ano, o tema dos organismos geneticamente modificados (OGM), ou transgênicos, gerou, através da Lei de Biosegurança, uma batalha tanto dentro quanto fora do governo. De um lado, os movimentos campesinos, organizações ambientalistas e os ministérios do Meio Ambiente e Desenvolvimento Agrário. Do outro, os grandes produtores rurais, a bancada ruralista no Congresso e os ministérios da Agricultura e Desenvolvimento, Indústria e Comércio. O durante este tempo foi uma disputa para a regularização da produção com este tipo de organismos agora se inverteu e passou a ser uma luta das entidades, movimentos e autoridades que são contrários ao transgênicos para preservar a produção de organismos tradicionais , ou não modificados geneticamente.

É neste cenário que representantes da GM Free Regions Network (Rede de Regiões Livre de Organismos Geneticamente Modificados), rede que reúne 35 regiões em seis países europeus, está no Brasil para discutir com o governo e produtores possibilidades de parceria para a comercialização de produtos tradicionais. Após um contato com deputados e agricultores familiares neste ano, a GMFRN veio ao Brasil apresentar a demanda do mercado europeu por organismos tradicionais e o repúdio aos transgênicos. – “Parece duvidoso que os consumidores europeus, 75% dos quais rejeitam os OGM, acreditem na qualidade dos produtos colocados à sua disposição pela cadeia produtiva OGM, gerando uma crise de credibilidade que poderá ter impactos profundamente desestruturantes nas economias agrícolas e rurais, assim como sobre as malhas sociais regionais-, afirma documento da rede entregue ao governo.

A delegação européia teve audiências com os ministros do Meio Ambiente, Marina Silva, do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rosseto, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Luiz Fernando Furlan, e da Agricultura, Roberto Rodrigues. Na audiência com a ministra Marina Silva, a vice-presidente da região da Bretanha (França), Pascale Loget, apresentou as intenções da rede e buscou entender o estágio da discussão sobre os OGMs no país. – Queremos entender melhor a agricultura familiar no Brasil, mas nossa preocupação fundamental é ver como estão sendo garantidas a segurança alimentar e a biodiversidade no país. Queremos produtos não transgênicos e pelas informações que temos o Brasil tem grande potencial neste tipo de produção-, disse ela.

A preocupação com o mercado brasileiro se justifica pela sua participação no mercado mundial, principalmente da soja (principal produto afetado pela modificação genética). Na safra 2004-2005, a produção brasileira de soja e grãos representou 28% da mundial e contribuiu com 35% das trocas mundiais, em forma de torta ou de grãos. O Brasil é um dos grandes fornecedores das cerca de 38 milhões de toneladas de torta de soja consumidas pela agricultura européia. – Temos responsabilidades como europeus e clientes pela agricultura que se desenvolve no Brasil-, falou Pascale Loget. Embora soe quase como uma forma de controle econômico do país, a afirmação da autoridade francesa, pela posição contra os OGM que expressa, pode significar uma pressão importante nos setores do governo brasileiro comprometidos com este tipo de agricultura.

Marina Silva fez um relato crítico do processo de aprovação da Lei de Biossegurança, expondo as divergências que sua pasta possui com o texto final aprovado e as tentativas de resgatar alguns pontos. “A Lei aprovada é muito permissiva com os transgênicos quando deveria ser cautelosa por conta da falta de resultados concretos sobre os benefícios destes organismos e em relação à preocupação com a preservação da megabiodiversidade que o Brasil possui-, afirmou. A ministra informou que tem tentado recuperar regras que permitam a coexistência de culturas com OGMs e organismos tradicionais na discussão sobre a regulamentação da Lei que acontece no interior do governo.

A avaliação feita pela equipe do MMA é que a ausência de mecanismos neste sentido deve promover um ambiente muito propício à contaminação de grande parte da produção brasileira pelos produtos transgênicos, ameaçando a biodiversidade e a agricultura familiar, que em sua maioria trabalha com organismos não modificados. – Queremos que o consumidor, de forma democrática, possa escolher que tipo de alimento que prefere-, defendeu. Para Silva, a presença da rede européia é uma amostra que a coexistência não é só uma medida de motivação ambiental, mas sim uma opção econômica que viabiliza o escoamento de parte da produção brasileira para mercados de peso no mundo.

Para concretizar esta posição, o MMA propõe medidas como formas de rastreabilidade da origem dos alimentos e transparência nas informações sobre suas características genéticas dos produtos. Na carta de intenções apresentada aos ministérios, os europeus apresentam como propostas estas e outras ações, como o intercâmbio de conhecimentos e tecnologia para produção de alimentos não-transgênicos e disponibilização de informações sobre as condições de produção com vistas a garantir relações de produção jutas para os trabalhadores rurais. No documento, a rede se propõe a pressionar as autoridades européias para assegurar suas propostas e se compromete a informar o governo dos esforços obtidos junto aos governos europeus para o abastecimento certificado de soja convencional . Os ministérios que a receberam se comprometeram a avaliar o teor do documento.

Relação direta com produtores A atuação da GM Free Regions Network não se dá somente no âmbito governamental. Durante sua missão, quinta-feira, integrantes da rede assinaram também um protocolo de intenções com a Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar da Região Sul (Fetraf Sul). A idéia é construir um diálogo direto com os agricultores familiares brasileiro para fortalecer a comercialização de produtos, em especial soja, para as regiões européias que fazem parte da rede. – Estamos aproveitando este contato com a GM para mostrar aos agricultores familiares daqui que é possível produzir soja convencional, inclusive com um valor agregado-, comenta Altemir Tortelli, presidente da Fetraf Sul. Segundo ele, o diálogo com os europeus é muito importante, pois cerca de 30% da soja brasileira vem da agricultura familiar, e boa parte deste volume vai para seus mercados.

Para Tortelli, no entanto, é possível ampliar ainda mais. – Estamos satisfeitos com a viagem pois mostrou que a Europa está aberta. Eles achavam que aqui no Brasil só tinha soja transgênica e mostramos que não é assim-, diz. No protocolo de intenções assinado, está previsto o compromisso das regiões de pagar um acréscimo de 10% pela soja convencional e a previsão de um carregamento de 60 mil toneladas já para a próxima safra. De acordo com o representante da Fetraf Sul, várias cooperativas que integram a rede já sinalizaram com a disposição de investir na construção de indústrias aqui no país para possibilitar a exportação da soja já em sua forma processada. – Esta é uma forma de pressionarmos produtores e o próprio governo a rever a posição apresentada na Lei Biossegurança. A promessa dos transgênicos está caindo por terra. As sementes não resistiram à seca e ainda estão gerando mais custos aos agricultores por conta dos royalties a pagar-, espera Tortelli. (Agência Carta Maior, 21/10)

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