Poluição abrange todos os rios de Florianópolis
2005-10-24
Por Francis França
A legislação engessada do município e a falta de conscientização popular são responsáveis pela poluição que atinge 100% dos rios da capital catarinense, segundo o promotor Alexandre Herculano Abreu, coordenador de defesa ao meio ambiente do Ministério Público Estadual. Florianópolis tem apenas 32,79% de esgoto tratado e precisa encontrar soluções para a poluição que afeta Áreas de Preservação Permanente e Unidades de Conservação Federal.
— O problema é que Florianópolis entende que todos os rios são classe A, onde não se pode jogar nem esgoto tratado. Falta política de saneamento e todos os rios ficam poluídos – disse o promotor, neste sábado (22/10), durante o Seminário sobre saneamento básico promovido pelo Fórum da Bacia Hidrográfica do Rio Ratones. Segundo ele, a falta de interesse da população por saneamento básico também contribui para a poluição.
— Se fizéssemos uma consulta popular, como orçamento participativo, e perguntássemos às pessoas o que elas querem primeiro, a maioria esmagadora diria asfalto. Daí, depois, tem que quebrar o asfalto pra colocar rede de esgoto.
Segundo o promotor, a cada ano cerca de 10 milhões de pessoas no mundo morrem por causa de doenças relacionadas à falta de saneamento. Abreu foi irônico ao falar da atitude adotada pelas prefeituras:
— Por que se preocupar com saneamento? Enquanto estiver doente, a pessoa não terá tempo de pensar em cidadania – disse.
De acordo com o engenheiro mecânico Flávio de Mori, presidente do Fórum da Bacia Hidrográfica do Rio Ratones, que congrega 10 entidades comunitárias, a bacia do Rio Ratones está poluída desde a nascente. Ela representa 22% da superfície da Ilha de Santa Catarina e fica dentro da Estação Ecológica de Carijós, Unidade de Conservação Federal que protege áreas de manguezais e espécies ameaçadas de extinção, como o jacaré-do-papo-amarelo e a lontra. Segundo Ricardo da Silva, biólogo do Instituto Carijó Pró-conservação da Natureza, toda a água da região - junto com a poluição provocada pela falta de saneamento básico na zona de amortecimento onde vivem cerca de 40 mil pessoas - é drenada para a estação ecológica.
De acordo com Juarez Moreira, engenheiro da Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (Casan), as regras sobre o saneamento não são claras e, desde a extinção do Banco Nacional de Habitação (BNH), em 1984, os recursos para saneamento foram reduzidos.
— Não há legislação específica sobre quem deve realizar as obras, de que maneira e com que recursos – diz.
O MP deve divulgar no dia 25/10 um diagnóstico sobre saneamento básico em todos os municípios de Santa Catarina, realizado por meio de um inquérito civil púbico instaurado pelo Procurador-Geral do MP, Pedro Sérgio Steil. De acordo com Alexandre Herculano Abreu, a medida faz parte de um programa do Ministério Público que pretende investigar o funcionamento das estações de tratamento de esgoto já existentes.
— Muitas vezes ocorre de existir rede de tratamento de esgoto na frente da casa do cidadão, mas ele não faz a ligação para não gastar. Daqui pra frente, quem não ligar, será processado – adverte.
O programa também deve estimular programas e fundos de investimento para a criação de novas redes, além de adequar sistemas individuais públicos e particulares.
Segundo o biólogo Ricardo da Silva, a maior parte do território de Florianópolis não é adequada para ligações individuais pelas características do solo pantanoso ou arenoso, que podem levar os resíduos para o lençol freático. Além disso, segundo Bertoldo da Silva Costa, que representou o Ministério das Cidades no seminário, as fossas sanitárias fabricadas no Brasil estão fora dos padrões da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas).
Projeto de ampliação da rede jogará resíduos no mar
A Casan pretende ampliar a rede de tratamento de esgotos na zona de amortecimento da bacia do Rio Ratones. De acordo com Moreira, a estação de tratamento de esgotos de Canasvieiras será estendida às praias de Ponta das Canas e Cachoeira do Bom Jesus. A projeto prevê o atendimento de 42 mil pessoas, com tratamento de 210 litros de esgoto por segundo. A ampliação, orçada em R$ 20 milhões, inclui a implantação de um emissário submarino que levará o esgoto já tratado para o oceano.
A alternativa é questionável. De acordo com Moreira, o tratamento dos esgotos não elimina coliformes fecais, que serão despejados no balneário.
— Anulamos os resíduos tóxicos, mas os coliformes fecais são muito difíceis de destruir, teríamos que adicionar cloro.
Os recursos para a ampliação da rede virão da Casan, do Banco Japonês para Cooperação internacional (JBIC, na sigla em inglês) e do Prodetur-Sul, programa para viabilizar recursos do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) para o fomento da atividade turística dos estados da Região Sul e Mato Grosso do Sul.
Em Santa Catarina, o Prodetur-Sul deve injetar US$ 80 milhões para a ampliação da estação de tratamento de Canasvieiras e da Lagoa da Conceição. O projeto encaminhado ao JBIC está orçado em R$ 75 milhões e pretende ampliar o saneamento básico no estado de 28,6% para 53%.
Os excluídos de sempre
O projeto de ampliação da rede de tratamento de esgoto de Canasvieiras, apresentado com entusiasmo pelo engenheiro da Casan, contempla apenas a orla do Norte da Ilha, para atender principalmente à demanda turística. Os moradores do Lamim, zona pobre do bairro, ficaram de fora. De acordo com Moreira, os projetos milionários não contemplam as cerca de 400 famílias que despejam 2 milhões de litros de esgoto por dia no Rio Papaquara, que faz parte da bacia do Rio Ratones.
O problema dos esgotos na região do Lamim tramita na justiça há cinco anos e aguarda resposta da Fundação Nacional da Saúde (Funasa) sobre a possibilidade de priorizar recursos para a construção de uma estação de tratamento de esgotos no local, solicitada pelo Juiz Substituto da Vara Federal Ambiental de Florianópolis, Jurandi Borges Pinheiro, no dia 11 de outubro. Segundo Moreira, representantes da Casan e da Funasa estiveram reunidos na última sexta-feira (21/10) e a Fundação sinalizou com a possibilidade de atender ao pedido da Justiça Federal.