Biodiversidade ameaçada por espécies exóticas, transgênicos e uso da bionanotecnologia
2005-10-20
Por Francis França
Das 15 espécies vegetais mais utilizadas na dieta do brasileiro, apenas uma, a mandioca, é nativa. As principais espécies cultivadas no Brasil são exóticas, disse nesta quarta-feira o Gerente de Recursos Genéticos do Ministério do Meio Ambiente, Rubens Nodari. O tema foi abordado durante a mesa-redonda sobre Biodiversidade: conservação e ameaças, no 3º Congresso Brasileiro de Agroecologia.
Entre as discussões, a expansão dos organismos geneticamente modificados e da nanotecnologia também foram duramente criticadas pelos demais palestrantes, Jeffrey McNeely, diretor científico da World Conservation Union e do canadense Pat Mooney, diretor do grupo ETC (Action Group on Erosion, Technology and Concentration, na sigla em inglês).
Nodari, que também é professor do departamento de Fitotecnia da Universidade Federal de Santa Catarina, criticou a expansão descontrolada dos transgênicos e a falta de valorização do potencial nutritivo das espécies nativas. Um dos exemplos foi a castanha de Baru, nativa do cerrado brasileiro, que apresenta 25% de proteína em sua composição.
— Devastamos o cerrado, colocamos calcário e plantamos soja para produzir proteína para engordar gado na Europa – disse Nodari. Para ele, a promessa dos transgênicos de melhoria nutricional não se concretizou.
— A rúcula natural tem dezenas de vezes mais beta-caroteno do que o arroz transgênico, que consumiu US$ 10 milhões em pesquisas – disse o membro do MMA. Além de não alcançar o objetivo, os organismos geneticamente modificados estão se alastrando pelo ecossistema. Segundo Nodari, até julho de 2005, foram registrados 72 casos de contaminação por transgênicos.
A falta de cuidados com a implantação de espécies, técnicas e substâncias exóticas têm gerado problemas graves ao meio ambiente. Um dos casos destacados na mesa-redonda foi o herbicida Roundup (glifosato), fatal para os anfíbios. Em abril deste ano foi lançada uma pesquisa sobre o glifosato, onde se constatou que a substância causa declínio de 70% da biodiversidade de anfíbios e de 86% na biomassa total de girinos. Amplamente difundido, segundo dados do Ibama, a venda de glifosato no Brasil subiu de cerca de quatro toneladas em 1998 para mais de 14 toneladas em 2003.
— Só depois de 30 anos de uso do Roundup é que saíram pesquisas afirmando que eles exterminam anfíbios – ressaltou Nodari. Outro dado alarmante revelado pelo membro do MMA é que o número de pessoas no mundo é inversamente proporcional ao número de espécies que sobrevivem no planeta.
De acordo com Jeffrey McNeely, as espécies invasoras espalham-se não só no Brasil, mas inclusive plantas brasileiras estão invadindo outros ecossistemas.
— Precisamos encontrar uma maneira de manter as espécies invasoras fora das áreas de preservação. Estamos vendo uma homogeneização dos ecossistemas – afirma McNeely. No Brasil, são 900 áreas de preservação mapeadas pelo MMA.
Os impactos biológicos causados pelas mudanças climáticas no planeta precisam de um novo método de conservação da biodiversidade, de acordo com Jeffrey McNeely. O diretor científico do WCU elencou uma série de medidas capazes de preservar a biodiversidade e manter a convivência pacífica com a agricultura. Uma delas é manter habitats domésticos com mata nativa, sem ocupar todo o território com atividades produtivas. Na lista também estão alternativas como incentivos econômicos para estimular o agricultor a conservar a biodiversidade e compensar fazendeiros por danos econômicos provocados por animais selvagens.
Neely defende que é preciso reconhecer o valor da agricultura tradicional para conservar a biodiversidade doméstica e selvagem e remover barreiras comerciais, como subsídios, para agricultores de países em desenvolvimento. Ele destaca ainda a importância de tecnologias modernas para gerenciar a biodiversidade nos agroecossistemas, a fim de conhecer melhor o clima, a vegetação e o solo de cada região.
— A biodiversidade precisa ser administrada, se quisermos que ela continue fornecendo os bens e serviços que desejamos – disse McNeely.
O seqüestro de carbono foi identificado por McNeely como importante instrumento mercadológico de apoio à agrobiodiversidade. De acordo Rubens Nodari, o MMA estuda formas para que os pequenos produtores também possam receber créditos de carbono.
— Até então só tínhamos pensado em grandes áreas – diz.
Interferência atômica
O diretor do grupo ETC, Pat Mooney, fez duras críticas à expansão dos transgênicos e da nanotecnologia durante a mesa redonda do Congresso de Agroecologia. Oponente histórico dos transgênicos e autor do famoso livro O escândalo das sementes (Editora Nobel, 1987), Mooney acusou a multinacional Monsanto de fabricar sementes homicidas.
— Cerca de 1,4 bilhão de pessoas dependem das sementes salvas nas lavouras. As sementes suicidas fabricadas pela Monsanto na verdade são exterminadoras, homicidas.
Mooney alertou para o fato de as pesquisas da indústria de alimentos se voltarem cada vez mais para o átomo, através da nanotecnologia. Nano representa o tamanho de oito átomos de hidrogênio enfileirados.
— A indústria move-se do controle da semente para o controle do átomo. Os governos estão investindo muito em nanotecnologia e a sociedade não sabe nada sobre isso – acusa o cientista.
Segundo Mooney, em 2004 foram investidos 10 bilhões de dólares em pesquisa básica de nanotecnologia. O valor é maior do que o gasto para mandar um homem à Lua. Já o investimento em estudos sobre os impactos da nanotecnologia é de 0,25% da verba da pesquisa. Para ele, o maior impacto será nos alimentos. Cerca de 60% dos investimentos são para bionanotecnologia, ou biologia sintética.
— Atualmente já existem cerca de 720 produtos que usam nanotecnologia, como refrigerantes, sucos, pesticidas agrícolas, cosméticos, filtros solares, e ninguém sabe disso – destaca o diretor do grupo ETC.
A Fundação de Ciência dos Estados Unidos calcula que a nanotecnologia renderá às empresas cerca de US$ 2,6 trilhões em 2025, o que corresponde a cerca de 15% de toda a riqueza gerada no mundo, e a dez vezes os lucros obtidos com a biotecnologia.
Em escala nanométrica, diz Mooney, qualquer substância pode ter comportamento completamente diferente do apresentado em escala normal.