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2005-10-19
O potencial para uso farmacêutico, cosmético e alimentar do patrimônio genético da Amazônia, da Mata Atlântica e do Pantanal necessita do permanente aperfeiçoamento legal, no sentido de assegurar sua real proteção contra o contrabando e apropriação indébita de animais e vegetais para patenteamento de suas células no exterior.

O alto número de autos de infração em portos, aeroportos e fronteiras do Brasil, por tentativa de tráfico de animais e de plantas (foram 995 só neste ano), confirma o País na rota da crescente cobiça internacional. Todo ano são apreendidos de 44 mil a 49 mil animais, mais de 80% pássaros.

Num país do tamanho do Brasil nem sempre a polícia consegue impedir a ação de contrabandistas, inclusive porque basta a estes levar algumas células in vitro (pedaço de tecido, sangue etc.), o que prova que é uma guerra a ser ganha no plano jurídico. Conflito moderno, onde a salvaguarda precede e encerra a ação policial.

O mais grave é ver que o crime da biopirataria é incentivado pela própria legislação mundial de patentes e pelo fato de países desenvolvidos desrespeitarem leis que procuram assegurar o direito a propriedade sobre o material genético às nações que o têm nativo em seu território, como a Convenção da Diversidade Biológica, ignorada nos preceitos de soberania e de repartição de benefícios.

Definida nos marcos da OMC, a legislação de propriedade intelectual, da qual o Brasil é signatário desde 1995, desobriga no registro a comprovação da origem do material genético. Sopa no mel para biopiratas. Pegando o Brasil, significa que somos obrigados a acatar o registro no exterior de DNA roubado do país, sem direito a um centavo dos lucros vindouros no mercado mundial. Esta legislação assanhou mercenários. Por sua causa, por mais rigorosa que seja a fiscalização, a perda de divisas é uma realidade.

Foi assim com a planta Pau-Pereira. Trivial na Amazônia, ela retarda o câncer e pode ser coletada no pé. Sua tonelada sai por R$ 7 no Brasil. Levada daqui, patenteada e industrializada no exterior, hoje ela volta ao país em forma de tubo. Cada um, contendo 120 gramas do princípio ativo da planta, é vendido a US$ 85. Há muitos outros casos, como o da semente da árvore do cupuaçu, cujo óleo foi patenteado por suposto inventor japonês, diretor da empresa americana Cupuaçu Internacional. O Brasil não pode sequer comercializar o princípio ativo do cupuaçu sem pagar royalties ao japonês e ao país onde a registrou.

A biopirataria seduz, ainda, por causa da economia de custos de pesquisa. Muitas vezes ela é possível apenas com o contrabando de conhecimento, informação acumulada em milênios pelos povos da floresta. Descobrir com indígenas que o uso de uma determinada seiva para curar determinada doença pode abreviar várias etapas da pesquisa e representar uma economia de até 80% dos investimentos convencionais para fabricação de um novo produto.

Rede nacional faz controle e fiscalização da biopirataria
Composta hoje por 40 servidores de carreira, a Divisão de Acesso ao Patrimônio Genético, da Diretoria de Proteção Ambiental do Ibama, tem por missão estruturar uma rede nacional de planejamento e controle de ações de fiscalização. — Procuramos atuação conjunta da administração pública nos três níveis nos moldes de convênio que desde maio passado integrou as atuações do Ibama, Polícia Federal e Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para o intercâmbio de dados e ações de campo-, explica o diretor de Proteção Ambiental, Flávio Montiel.

Desde maio, o Ibama começou a distribuir folhetos em portos, aeroportos, fronteiras e postos rodoviários, informando da necessidade de autorização do órgão para transporte de espécies, sob pena de processo criminal. Mesmo assim, só em 2005 o órgão aplicou 995 autos de infração por tentativa de tráfico de material genético. O valor das multas soma R$ 20 milhões, revertidos aos Fundos Nacionais do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Os equipamentos apreendidos seguiram para instituições científicas, ambientais etc. A insistência com que se atiram ao delito prova não apenas o incentivo da Lei de Patentes. Escancara a fragilidade coercitiva da atual legislação brasileira.

Sabe-se, hoje, que o conhecimento tradicional pode representar uma economia de cerca de 80% dos investimentos necessários para a fabricação de um medicamento. A produção de uma droga e sua colocação no mercado custa de US$ 350 milhões ao longo de cinco a 13 anos de pesquisa e gera cerca de US$ 1 bilhão em lucros anuais. Portanto, a economia é da ordem de 280 milhões por produto desenvolvido que chega ao mercado.

Só com a parcela de royalties devidos por princípios ativos levados do Brasil e patenteados no exterior, o País poderia fomentar com grande aproveitamento o desenvolvimento científico e tecnológico, além de recuperar, criar e manter bancos depositários de genomas e investir na capacitação de recursos humanos.

Congresso analisa sugestões do Ibama para lei mais severa
Enquanto a Lei de Patentes (assinada pelo Brasil em 1995) não for modificada nos tribunais internacionais, resta ao Governo, além de investir em fiscalização, prospectar cenários para regular o comércio de espécies e cercear o crime de biopirataria, cuja tipificação penal está para ser criada pelo Congresso. Hoje, o parlamento analisa projetos de lei sugeridos e propostos pelo Ibama, contemplando penalidades severas, como prisão por período longo e multa pesada, para quem remeter ao exterior material biológico ou se apropriar de conhecimento dos povos da floresta para pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico ou bioprospecção.

Em paralelo, técnicos da Divisão de Fiscalização do Acesso ao Patrimônio Genético (do Ibama) revisam normas internacionais e nacionais que regem a matéria, propondo mudanças a fim de tornar mais rígido o controle fiscal, além de assegurar o direito original a patentes aos países de onde os produtos foram retirados.

Biopirataria é enfrentada com fiscalização e educação
O tráfico de material genético de espécies animais e vegetais do Brasil, para patenteamento no exterior, é enfrentado hoje principalmente com fiscalização e educação. O trabalho apóia-se no jovem arcabouço administrativo brasileiro de repressão do delito, como a Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605, de 1998) e o Decreto 5.459, de 2005, que regulamentou o artigo 30 da Medida Provisória 2.186-16, de 2001. O conjunto dessas leis prevê sanções exclusivamente administrativas contra o roubo de nossos genomas.

Pessoas físicas podem ser multadas em até R$ 100 mil; pessoas jurídicas, até R$ 50 milhões. Infratores podem pegar prisão por período de seis meses a ano, geralmente convertida em prestação de serviços à comunidade. As punições são brandas ante as divisas perdidas, mas essenciais, na ausência de legislação penal que iniba mais fortemente o crime, como prisão longa, por exemplo, e também porque a atual legislação mundial de patentes não protege as nações vítimas de biopirataria. Muito pelo contrário.

Hoje, quem tira do Brasil um sapo, uma planta ou algumas células in vitro da fauna e flora da Amazônia, do Pantanal ou da Mata Atlântica e patenteia seus princípios ativos em outro país, passa deter sua propriedade intelectual. O Brasil ou outro país vítima de igual seqüestro fica, inclusive, impedido de comercializar os mesmos (seus) princípios ativos, a não ser que pague royalties ao detentor do registro. Foi o que ocorreu ao Captopril, extraído do veneno da cobra Jararaca, patenteado por laboratório americano. Hoje é medicamento industrial vendido contra hipertensão e insuficiência cardíaca, angariando no mundo todo lucros astronômicos, porém exclusivamente para o dono da patente. (Ibama, 18/10)

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