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2005-10-18
A seca mais devastadora da história da Amazônia levanta o pior temor sobre o futuro da maior floresta tropical do planeta. Menos úmida em cerca de 20%, mais quente em até 1ºC, a floresta que já perdeu 17% de sua cobertura original pode estar à beira de um processo irreversível de destruição. A partir desse ponto, as chuvas escasseariam, ano a ano, reduzindo o fluxo dos rios e transformando a vegetação em cerrado. A estiagem deste ano é um anúncio do que pode estar por vir.

A transformação na Amazônia afetaria o clima em todo o país. Os primeiros a sentir o impacto das mudanças climáticas são os cerca de 20 milhões de pessoas que moram na mata. Estima-se que 528 mil estejam sofrendo com a estiagem. As comunidades, principalmente as mais afastadas das cidades, dependem do rio para tirar seu sustento e se locomover. Bancos de areia no meio do Amazonas alteram o cenário tradicional da região. – O filete de rio e areia rachada lembram cenas típicas do sertão nordestino-, diz o climatologista Carlos Rittl, coordenador da Campanha de Clima do Greenpeace. A estiagem severa colocou todo o Estado do Amazonas em estado de calamidade pública. O Rio Solimões, na altura da cidade de Tabatinga, registrou 92 centímetros de profundidade. O normal são 12,30 metros. Em Humaitá, cerca de 3 mil famílias estão isoladas com a seca. Índios saterés, habitantes do alto do Rio Negro, já estão passando fome. É provável que a febre amarela e a malária piorem com a seca e a falta de saneamento.

O efeito estufa e o desmatamento juntos potencializam as mudanças na floresta. As queimadas respondem por 75% das emissões de gás carbônico emitidas pelo país. São cerca de 220 milhões de CO2 todos os anos, quantidade até quatro vezes superior à lançada por todas as fábricas e por todos os automóveis do país. Um estudo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) estima que 187.000 quilômetros quadrados de floresta podem ser torrados com a abertura de novas rodovias. – A Amazônia fragmentada como está hoje facilita o alastramento do fogo-, diz Adalberto Veríssimo, do Imazon.

Com alta pluviosidade e praticamente imune ao fogo, a floresta original resistiu aos focos de incêndio naturais (causados por raios e calor solar) e aos provocados pelos agricultores. Mas, com a mata mais seca, o fogo se espalha sem controle. A temporada de queimadas, agora em curso, ilustra bem isso. Só no Acre, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) vem contando uma média de 70 grandes incêndios simultaneamente. Em dez dias, o Pará teve 4.074 queimadas.

Esse fogo atinge uma floresta cada vez mais debilitada pelas madeireiras, que abrem uma rede de estradas ilegais e cortam as árvores maiores. Com isso, a radiação solar atinge o solo com maior intensidade, ressecando a camada de folhas acumulada no chão, que em condições normais permanece muito úmida para pegar fogo. O solo também fica mais seco durante o período de estiagem, e as plantas não têm de onde tirar água, o que causa a queda de folhas. É mais combustível para o fogo.

Tiradas as árvores de valor comercial, o ciclo devastador da agricultura e pecuária entra em ação. O mais comum é que os fazendeiros coloquem fogo no que restou de mata para limpar a área. A queimada é a forma mais barata de limpar o solo. É comum ä que o fogo se alastre para além da área planejada e saia do controle. Numa primeira queimada, as chamas se espalham pelo chão sem afetar a copa das árvores, matando a vegetação baixa. Com o solo seco e as árvores fragilizadas, um segundo incêndio pode ser fatal. As labaredas atingem até 20 metros e rapidamente incineram a floresta. Na mata intacta, a temperatura raramente supera os 28ºC, mas depois da primeira queimada pode atingir os 38ºC e se manter próxima disso. Ao contrário da vegetação do cerrado, de cascas grossas e resistentes ao fogo, a vegetação da Amazônia possui casca fina e frágil.

As queimadas também contribuem para as mudanças climáticas que agora ameaçam a região. A emissão de gás carbônico agrava o efeito estufa, fenômeno responsável pelo aquecimento global. Os pesquisadores desconfiam que essas alterações estejam por trás da seca da Amazônia, a maior dos últimos tempos. Desde maio do ano passado, as águas do Oceano Atlântico norte, na costa da África, estão mais quentes que o comum. Em junho deste ano, essas águas quentes chegaram ao Golfo do México, o que pode ter contribuído para a intensidade do furacão Katrina, que arrasou o sul dos EUA. O aquecimento dessas regiões deslocou a zona de formação de chuvas sobre o oceano normalmente situada entre as latitudes 5º e 10º Norte (na altura do Amapá). Neste ano elas se formaram na altura da América Central, e não se deslocaram para a Amazônia. Ao contrário, o oceano aquecido aumentou a evaporação no Caribe, soprando para a Amazônia uma massa de ar seco.

Os dois principais componentes da formação de chuvas na Amazônia, a transpiração das plantas e as massas de ar vindas do Atlântico, estão comprometidos. Análises do Instituto Goddard de Estudos sugerem que a água que circula nos rios e na atmosfera da Amazônia seja responsável pelas chuvas e pela umidade em quase todo o continente. Uma alteração drástica no ciclo de chuvas da Amazônia pode afetar o resto do país, provocando secas mais prolongadas no Sul e no Sudeste. (Época, 17/10)

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