Expansão das favelas cariocas ameaça áreas de preservação
2005-10-18
Auditoria do Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro (TCM) nos programas ambientais da prefeitura descobriu que 17 favelas - entre elas Vila Parque da Cidade (Gávea), Babilônia (Leme), Formiga (Tijuca) e Floresta da Barra (Itanhangá) - já ocupam áreas de preservação ambiental no Rio. O documento, produzido no fim de 2004, identificou mais 42 comunidades numa distância máxima de cem metros de áreas administradas pela União (Parque Nacional da Tijuca), pelo estado (Parque da Pedra Branca) e pelo município, como a APA dos Morros da Babilônia e de São João, no Leme, e a Aparu do Alto da Boa Vista.
— Corremos o risco de esses parques serem transformados no que chamo de reservas-favelas, por falta de controle das expansões - diz o presidente da Comissão de Meio Ambiente da Assembléia Legislativa, Carlos Minc (PT).
Na quinta-feira passada (13/10) Minc sobrevoou com técnicos do Ibama algumas das áreas ameaçadas. Ele vai produzir um relatório, a ser encaminhado ao Ministério Público, para que prefeitura, estado e União sejam notificados sobre as invasões. No Parque da Cidade, por exemplo, Minc constatou que a favela se expande, em forma de cunha, rumo à mata:
— Na Rocinha, no Laboriaux, há casas bem próximas aos limites do Parque da Tijuca. Na Babilônia, em meio às árvores é possível observar casas fora dos eco-limites demarcados pela prefeitura para separar as áreas verdes das construções.
Risco de tragédia em caso de temporais violentos
A professora Ana Luiza Coelho Neto, do Laboratório GeoHeco do Instituto de Geografia da UFRJ, alerta que o crescimento desordenado pode provocar uma tragédia em caso de violentos temporais:
— Na Rocinha, por exemplo, a expansão de algumas localidades (Portão Vermelho e Laboriaux) ocorre em áreas de risco de deslizamentos. As características da área são semelhantes às de comunidades do Itanhangá que foram soterradas nas enchentes de 1996.
Já na Zona Oeste, pela vertente de Jacarepaguá, o TCM identificou quatro comunidade dentro do Parque Estadual da Pedra Branca, a maior floresta urbana do Brasil. Segundo ecologistas, o quadro é ainda mais alarmante:
— Existem pelo menos 23 favelas nos limites do parque. E as comunidades não param de crescer. Na Favela Pedra Branca (Jacarepaguá), em poucos anos o número de famílias que vivem ali passou de 120 para 500 - disse Marcelo Soares, coordenador da ONG SOS Floresta da Pedra Branca.
Nas áreas pobres, a expansão sobre o verde divide opiniões de líderes comunitários. O presidente da Associação de Moradores do Parque da Cidade, Waldir Cavalcanti, se sente discriminado na discussão:
— E os condomínios de ricos construídos em encostas da cidade? Ninguém reclama? Em 1985, ganhamos o direitos de ficar aqui com títulos de posse do ex-governador Brizola.
Já o presidente da Associação de Moradores do Morro da Babilônia, Isaías Bruno, reclama do atraso da prefeitura para concluir as obras de urbanização da comunidade. Isaías conta que, por falta de repressão, já existem 86 casas além dos eco-limites.
Segundo o relatório elaborado com base em informações da Secretaria de Urbanismo, casas do Morro da Formiga já teriam invadido o Parque da Tijuca. Embora negue esta informação, a administração do parque admite preocupação com comunidades limítrofes como a Coréia (Tijuca) e a Rocinha. A subchefe da reserva, Ana Cristina Vieira, diz que agentes do Ibama vistoriam áreas vizinhas ao parque para combater as invasões. Em breve, o monitoramento do parque será feito também com apoio de satélites.
Já o presidente do Instituto Estadual de Florestas, Maurício Lôbo, diz que as favelas identificadas pelo TCM são ocupações antigas. E que reforçou a fiscalização:
— Em 2004 demolimos mais de 40 novos barracos construídos no interior (de parques) ou em áreas limítrofes.
O secretário municipal de Meio Ambiente, Ayrton Xerez, diz que a prefeitura investe em programas de educação ambiental e de reflorestamento. Mas admite:
— Nenhum desses mecanismos conseguirá conter completamente a favelas. O crescimento ocorre porque há décadas o governo federal não tem uma política habitacional para a população de baixa renda. (O Globo, 16/10)