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2005-10-17
A maior parte da demanda por água no Nordeste brasileiro pode ser atendida até 2012 sem a transposição do rio São Francisco. A conclusão é de um novo relatório do Banco Mundial que lança dúvidas sobre a viabilidade econômica do projeto e vê lacunas em sua organização institucional.

O relatório, recém-concluído por técnicos do Banco Mundial (Bird) em Brasília, faz parte de uma série de estudos sobre a questão hídrica no Brasil. Diferentemente de um parecer dado pelo banco ao governo em 2001 sobre a obra (em que a reprovava), o novo estudo não foi encomendado pelo governo. Embora evite condenar explicitamente a integração de bacias, o documento faz diversas críticas ao plano do governo federal, apontando que algumas questões mereceriam um tratamento mais aprofundado antes de uma decisão final sobre o projeto.

Uma das questões em aberto na transposição, segundo o banco, é a própria necessidade da obra do jeito como ela foi concebida e dentro do prazo em que o governo quer que seja executada. O relatório recomenda que, antes da integração de bacias, outras ações sejam realizadas para evitar escassez de água e garantir a segurança hídrica no Nordeste.

No curto prazo (durante os próximos cinco anos), essas ações seriam principalmente a otimização da oferta hídrica nas bacias locais, com conclusão de obras inacabadas, e a organização dos programas de abastecimento e saneamento existentes, para evitar perdas e melhorar a oferta.

O início das obras de transposição só aparece no estudo como uma medida para médio e longo prazo (daqui a dez anos) -e, mesmo assim, só das obras que tenham um impacto direto e objetivamente quantificável, a saber, o eixo leste da integração de bacias. O polêmico eixo norte, que deverá levar água sobretudo para projetos de irrigação intensiva, não é nem mesmo citado.

A exposição dedica um de seus capítulos a um quadro em que compara experiências internacionais e nacionais de transposição com o projeto do São Francisco.

Para avaliar a necessidade da transposição, os autores do estudo, coordenado pelo diretor de Desenvolvimento Ambiental e Social Sustentáveis do Banco Mundial no Brasil, Luiz Gabriel de Azevedo, realizaram uma simulação por computador da demanda atual por água no Nordeste setentrional.

— Os resultados da simulação indicam que a maioria das demandas do Nordeste setentrional são atendidas com níveis de garantia superiores a 90% mesmo sem o PISF [programa de transposição do São Francisco], escreveram. Isso vale até 2012.

Outra conclusão do estudo é a de que, no eixo leste, a demanda hoje já se aproxima da oferta de água, enquanto no eixo norte isso não acontecerá nem depois de 2030, se a água for destinada só a usos urbanos e difusos, ou seja, para matar a sede da população.

A demanda por água no eixo norte só cresce além da oferta quando se levam em conta projetos de irrigação, que seriam induzidos pela transposição.

— Obras desse tipo, construídas muito além da demanda, são certamente perda de dinheiro - disse à Folha um técnico do Bird que não participou do estudo e preferiu não se identificar.

Quem paga a conta?
A principal fragilidade apontada pelo estudo do Bird no projeto diz respeito à organização institucional. Segundo o banco, o governo federal se esqueceu de combinar com os parceiros, como Estados e iniciativa privada, quem serão os usuários finais da água transposta - e, principalmente, quem vai pagar por ela, já que o alto custo da obra deve ser repassado ao preço do metro cúbico.

— A irrigação, que responde por 57,4% da demanda [do projeto] não tem usuários identificados - afirmam os autores.

A falta de envolvimento maior dos Estados na obra também constitui risco para a sustentabilidade econômica do projeto, já que a operação da integração de bacias tem custo estimado em até US$ 53 milhões por ano, segundo o Bird - uma conta a ser rateada entre os governadores.

Outro lado - Obra é prioritária e reduz pobreza, afirma ministério
Em contraposição às críticas do Banco Mundial, o Ministério da Integração Nacional afirma que o projeto de transposição do rio São Francisco é urgente e prioritário, do contrário se paralisará o desenvolvimento da região e se porá em risco, por exemplo, o abastecimento de Fortaleza (CE).

Para Francisco Sarmento, da coordenação técnica do projeto no governo, a análise de demanda de água, para uso humano exclusivamente, está correta, mas desconsidera a situação da região, onde empresários já a disputam com a população.

— No caso do eixo norte, a quinta cidade de país, Fortaleza, depende da transposição. Em 2025, a projeção é que tenha 4 milhões de habitantes.

Quanto ao desenho legal do projeto, que o banco considera frouxo no quesito das responsabilidades na cobrança da água, Sarmento diz que o relatório não leva em conta a versão mais recente do plano, que incorpora um estudo de viabilidade institucional e financeira feito pela Fundação Getulio Vargas. Segundo ele, no projeto já aprovado pela ANA (Agência Nacional de Águas), estima-se em R$ 0,13 o preço médio do metro cúbico de água, cujo gerenciamento será feito por uma subsidiária da Chesf (Companhia Hidro Elétrica do São Francisco). Sarmento afirma que o projeto prevê a continuidade das obras hoje inacabadas.

O chefe-de-gabinete do ministério, Pedro Brito, afirmou que, embora o Banco Mundial critique aspectos do projeto de transposição no Brasil, o organismo tem apoiado projetos semelhantes em outros lugares, como em Lesoto, na África. Defensor da transposição, o presidente do Confea (Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia), Wilson Lang, disse considerar natural que não haja definição prévia dos empresários que usarão a água, dada a insegurança jurídica no país e a instabilidade de investimento federal.

— O governo tem de partir na frente. Quando houver água correndo, não vai faltar interessado. Não há essa oferta de terra agriculturável no mundo. (Folha de S.Paulo, 14/10)

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