Sob o domínio do capitalismo, a humanidade vem estabelecendo uma relação cada vez mais predatória com a natureza e o planeta já emite sinais visíveis de que nos aproximamos rapidamente de um cenário de desastre ambiental. Para reverter essa tendência autodestrutiva, a humanidade precisa adotar o quanto antes como sistema produtivo e econômico um socialismo humanista e ecológico. O alerta foi feito pelo sociólogo Michael Lowy durante debate que lotou um dos auditórios da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), na noite de segunda-feira (10/10). Brasileiro radicado na França há mais de 30 anos, especialista na obra de Karl Marx e muito admirado pela esquerda dos dois países, Lowy lançou recentemente um elogiado ensaio intitulado Ecologia e Socialismo, onde analisa a situação ambiental em todo o mundo.
Ladeado pelos intelectuais brasileiros Leandro Konder e Carlos Nélson Coutinho, Lowy foi taxativo ao definir um cenário que qualificou como alarmante:
— A irracionalidade do capitalismo nos leva a um desastre de proporções ainda incalculáveis. Os sinais desse desastre já são visíveis e atendem pelos nomes de efeito estufa, acúmulo de lixo atômico, destruição de florestas, desaparecimento de espécies e redução da diversidade biológica - disse.
Lowy afirmou que a situação ambiental do planeta se degrada de maneira tão rápida que até mesmo o discurso de que precisamos preservar o mundo para nossos filhos já foi superado:
— Evitar o desastre ambiental é tarefa para agora, não é uma questão para daqui a um século. As conseqüências que temíamos para nossos filhos já estão aí, para nós mesmos. Imaginem então com a inevitável piora que deverá ocorrer em cinco, dez, 20 ou 30 anos - disse.
Lowy disse acreditar que episódios como o aumento da incidência de furacões na região da América Central, Caribe e Sul dos Estados Unidos ou a insistente ocorrência de chuvas torrenciais e enchentes na Ásia, entre outros, já sejam um início de resposta para o aquecimento global provocado pelo capitalismo:
— Até a temida previsão das cidades submersas por conseqüência do efeito estufa já começa a se concretizar com Nova Orleans - disse. O historiador fez duras críticas ao Protocolo de Kyoto, considerado por ele como absolutamente aquém do necessário para salvar o planeta:
— Kyoto é a coisa mais avançada que a elite dominante foi capaz de produzir. Trata-se de um protocolo furado, com objetivos mínimos e, ainda assim, os Estados Unidos, país que mais polui, são contra sua implementação - disse.
O mercado para compra de créditos de carbono, previsto no protocolo e considerado positivo por boa parte do movimento ambientalista, também foi criticado por Lowy:
— O mercado de carbono significa o absurdo de os grandes poluidores poderem comprar o direito de poluir. Não resolveremos o problema se pensarmos apenas na manutenção dos patamares, que nem assim é alcançada - disse. A pouca ousadia do Protocolo de Kyoto, aliada à manifesta má vontade política das maiores potências capitalistas em deter a marcha predatória, segundo Lowy, devem fazer a humanidade pensar em soluções radicais como a adoção do socialismo:
— Defendo o eco-socialismo, partindo das idéias de Marx e somando a elas toda a discussão ecológica que foi acumulada nas últimas décadas - disse.
A maior polêmica do debate aconteceu quando Lowy criticou a visão dos primeiros marxistas que defendiam a expansão das forças produtivas no socialismo:
— As forças produtivas não são neutras. As técnicas de produção capitalista destroem o meio ambiente e ameaçam a humanidade. Marx falava em quebrar a máquina burguesa e temos que aplicar essa lógica também ao aparelho produtivo - disse.
Admitindo estar fazendo o papel de advogado do diabo, Carlos Nélson Coutinho retrucou:
— Será que é preciso quebrar as forças produtivas? A dominação da natureza também significa liberdade para a humanidade, significa a superação da alienação. Não podemos ser contrários à idéia de dominação da natureza, mas devemos combater determinadas formas que ela assume - disse.
Coutinho disse ainda que a proposta de evitar a expansão das forças produtivas deve ser analisada com cuidado nos países do Terceiro Mundo e avaliou que, talvez por serem de países pouco desenvolvidos em suas respectivas épocas, importantes marxistas como Lênin ou Gramsci eram entusiastas do desenvolvimento das forças produtivas e de métodos como o taylorismo e o fordismo.
Lowy respondeu que, até a década de 40, havia poucos marxistas que tivessem uma visão crítica e ecológica sobre este assunto e citou Friederich Engels ao dizer que a natureza deve ser dominada, mais não como um exército domina um país inimigo.
Lowy disse ainda que a expansão de forças produtivas positivas como o desenvolvimento da medicina e das tecnologias de comunicação deve ser logicamente estimulada, mas criticou com veemência as fontes de energia utilizadas no capitalismo:
— Além de terem extração altamente poluidora, os combustíveis fósseis, como o petróleo, já têm data para acabar. A energia atômica, devido ao acúmulo de lixo atômico por milhares de anos, também deve ser descartada - disse. Ele afirmou que, no eco-socialismo, a humanidade deve buscar outros caminhos energéticos:
— Temos que encontrar novas fontes de energia renováveis e desenvolver as já conhecidas. É o caso da energia solar, mas ela não interessa ao capitalismo porque é democrática e gratuita - disse.
Chico Mendes e MST - Michael Lowy afirmou que a luta pelo eco-socialismo já está se dando em ações concretas como o enfrentamento do movimento ambientalista e da sociedade em geral com as empresas poluidoras ou as mobilizações contra os projetos agressivos ao meio ambiente. Ele ressaltou a necessidade de se multiplicar esse tipo de ação:
— Temos que nos articular desde já sob uma perspectiva radical - disse. O historiador disse que o eco-socialismo tem raízes no Brasil através das lutas sociais e ambientais que se desenrolaram e se desenrolam até hoje e saudou a memória de Chico Mendes:
— Ele é um pioneiro e exemplo maior dessa luta, pois enfrentou o latifúndio e as empresas multinacionais para defender a integridade da Amazônia.
Lowy também criticou o agronegócio no Brasil por estar destruindo o meio ambiente e elogiou o MST:
— As cooperativas de produção e a agricultura familiar são caminhos que apontam para o futuro - disse.
(Agência Carta Maior, 12/10/2006)