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2005-10-17
Assim que a estação seca chega, os madeireiros entram em ação. Todo dia de junho em diante, seus caminhões vazios saem cedo pela manhã deste assentamento poeirento ao longo da rodovia Transamazônica, e voltam na metade da tarde carregados de troncos recém-cortados de ipês, jatobás e cedros.

Não importa que o governo brasileiro tenha suspendido no ano passado as permissões necessárias para corte de árvores nesta parte da floresta, tornando o corte ilegal para quase todos os madeireiros. Não importa que a maioria das árvores tropicais valiosas sendo derrubas com motosserras e tratores estejam em terras públicas que, pelo menos na teoria, estão fora dos limites até mesmo para os poucos madeireiros que ainda mantêm suas licenças.

— Isto ocorre durante toda a noite, com um tráfego tão intenso em algumas noites, com a circulação de 30 ou 40 caminhões, que as pessoas nem conseguem dormir-, disse Milton Fernandes Coutinho, presidente da associação local dos trabalhadores rurais, que representa os posseiros que vivem ao longo das estradas usadas pelos madeireiros. — Nós já nos queixamos repetidas vezes ao governo, mas ninguém faz nada para detê-los.

As estatísticas do governo brasileiro sugerem que o amplo desprezo da lei também está ocorrendo em outras partes da Amazônia. Apesar de leis mais rigorosas, pelo menos no papel, e repetidos apelos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para repressão a tal pilhagem da maior floresta tropical do mundo, o comércio de madeira da região está maior do que nunca.

Segundo números do governo, as exportações de madeira brasileira da Amazônia aumentaram quase 50% em valor em 2004 em comparação ao ano anterior, chegando a quase US$ 1 bilhão. Na primeira metade deste ano, quando a estação das chuvas tradicionalmente diminui a atividade, as exportações aumentaram em valor mais 20%.

No geral, quase 40% da madeira cortada na Amazônia está sendo enviada para o exterior, em comparação a apenas 14% em 1999. Os principais mercados do Brasil são os Estados Unidos, que representam um terço de toda madeira enviada ao exterior, seguidos pela China, com 14% e crescendo rapidamente, e países europeus, que coletivamente representam 40%.

— O problema é que os próprios números do governo indicam que cerca de 60% destas exportações são ilegais-, disse Paulo Adário, que dirige a campanha para a Amazônia do grupo ambientalista Greenpeace. — Então você precisa perguntar a si mesmo: como é possível que mesmo com as licenças de corte suspensas desde julho de 2004, as exportações de madeira continuam crescendo de forma assustadora?

Defensores dos posseiros, incluindo sindicatos trabalhistas e representantes da Igreja Católica, respondem apontando à tradicional relutância do órgão ambiental e florestal do governo federal, o Ibama, de agir contra os madeireiros e donos de serrarias. O órgão apresenta uma escassez crônica de pessoal e dinheiro, seus funcionários são freqüentemente ameaçados e nem o exército e nem a polícia estão dispostos a fornecer proteção aos fiscais em missões oficiais.

— Você pode ter milhares de leis no papel, mas elas não significam nada a menos que as autoridades garantam seu cumprimento-, disse Erwin Krautler, um bispo católico da região do Xingu. Mas as autoridades do Ibama argumentam que estão aplicando a lei mais agressivamente agora e que começaram a obter progressos. Elas notaram que as apreensões de madeira cortada ilegalmente estão em alta, que o volume de madeira cortada começou a cair acentuadamente e que, pela primeira vez, um comerciante de madeira foi recentemente preso por extrair madeira de terras públicas.

— Em relação às questões de monitoramento e aplicação da lei, você precisa olhar para a Amazônia em um contexto amplo-, disse João Paulo Capobianco, o diretor de florestas do órgão, em uma entrevista por telefone, em Brasília.

— Mesmo se fecharmos todas as saídas, ainda haverá alguns lugares por onde a madeira sairá ilegalmente. Mas não há dúvida de que nossa atuação neste ano melhorou infinitamente em comparação a anos anteriores.

Mas nesta região de selva, os caminhões de madeira ainda circulam livremente e desimpedidos nas esburacadas estradas de terra, sem nenhum sinal de fiscalização. Em uma tarde em setembro, por exemplo, um caminhão carregado de madeira e trabalhadores parou na cidade para deixar os operários em suas casas.

— É realmente necessário tirar tantas fotos?-, perguntou nervosamente um trabalhador quando o repórter e o fotógrafo se aproximaram do caminhão. Quando questionado sobre se sua equipe de trabalho tinha licença para cortar madeira, ele respondeu: — Não, nós não temos nenhum plano administrativo. Ninguém aqui tem. Você não vai contar para o Ibama, vai?

O caminhão partiu apressadamente, mas poucos minutos depois parou em uma serraria dirigida por Nilson Samuelson, um ex-prefeito daqui. Visível pelo portão aberto se encontrava um caminhão carregado de madeira.

Em uma entrevista por telefone, Samuelson --que organizou uma manifestação aqui, em 2003, contra os fiscais do Ibama, na qual disse que nós precisamos trazer o Bin Laden aqui para ensinar uma lição a essas pessoas-- reconheceu que estava violando a lei e disse: — Minhas atividades não são da sua conta.

Ele também argumentou que a necessidade econômica justificava suas ações. — Se forem me prender, então terão que prender todo mundo, porque ninguém aqui tem autorização-, disse ele. — Nós estamos apenas tentando sobreviver. Quem é que me dará o dinheiro para pagar meus funcionários e educar meus filhos? O que você está tentando, fazer o Ibama me prender e deixar 250 famílias desempregadas? Quem se importa com a lei? O que vou fazer, passar fome?

Com grandes partes dos flancos leste e sul da Amazônia já devastadas, o principal alvo dos madeireiros e donos de serrarias atualmente é a chamada Terra do Meio, entre os rios Xingu e Iriri. Na verdade, a área ao norte daqui, entre a rodovia Transamazônica e o Rio Amazonas, apresenta tanta atividade que a população local começou a chamá-la de Iraque. — Porque os madeireiros estão explodindo a vida para fora dela-, explicou Coutinho, da associação dos trabalhadores rurais.

Acusações ao PT
Segundo um depoimento em uma comissão parlamentar de inquérito sobre o comércio ilegal de madeira, as irregularidades em outro programa do governo também contribuíram para o recente boom de extração de madeira. Chamado Safra Legal, o novo programa visava beneficiar os posseiros pobres, mas segundo um relatório da comissão parlamentar, ele se tornou um meio para arrecadação ilícita de fundos para o Partido dos Trabalhadores, de Lula.

O programa permite que milhares de famílias de trabalhadores rurais derrubem cerca de 30 mil metros quadrados de floresta em suas terras, por ano, para venda da madeira para serrarias. Mas segundo o depoimento do presidente do sindicato dos madeireiros do Estado, Mário Rubens de Souza Rodrigues, os madeireiros freqüentemente compravam os certificados de posseiros que já tinham desmatado seus campos e usavam os documentos para encobrir seu próprio desmatamento ilegal.

Em troca, madeireiros e operadores de serrarias fizeram grandes doações durante as mais recentes eleições municipais aos candidatos dos Partido dos Trabalhadores do governo, que nacionalmente já está atolado no pior escândalo de corrupção da história moderna brasileira.

Entre os citados pela imprensa brasileira como tendo participado no acordo de desmatamento estão a nova prefeita daqui e o marido dela, que é um deputado federal, uma senadora federal e o ex-marido dela, o chefe regional do órgão ambiental.

— O programa Safra Legal foi suspenso, mas não temos nenhuma indicação de que estas acusações possam ser verificadas-, disse Capobianco, o diretor do órgão em Brasília. — Nós achamos que o plano é a forma correta de se fazer as coisas, e é nossa intenção continuar com este mecanismo desde que tenhamos condições que garantam a não ocorrência de fraudes.

Membros do Partido dos Trabalhadores também negam qualquer envolvimento nas impropriedades ligadas ao plano. Mas investigadores do governo confirmam que estão examinando o programa e que encontraram irregularidades. (Por Larry Rohter, New York Times – 16/10/2005)

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