Monocultura do eucalipto avança no RS e ameaça biodiversidade
2005-10-17
Estado já tem uma área, de cerca de 400 mil hectares, com eucalipto, pinus e acácia.
Ambientalistas estimam que, em uma década, mais 1 milhão de hectares de
terras estarão convertidas em desertos verdes. Governador Germano Rigotto
(PMDB) incentiva megaprojetos na área.
O governador do Rio Grande do Sul, Germano Rigotto (PMDB),
decidiu investir na monocultura do eucalipto como forma de promover o
desenvolvimento da metade sul do Estado. No dia 26 de setembro, o presidente
mundial da empresa sueco-finlandesa Stora-Enso, Jukka Härmälä, anunciou o
investimento de US$ 50 milhões na aquisição de 50 mil hectares para o
plantio de eucaliptos na região. Líder no mercado de papel, cartão e
produtos florestais no mundo, a empresa planeja comprar outros 50 mil
hectares no Uruguai. A Stora-Enso pretende plantar 100 mil hectares de
eucalipto nos dois países e tem planos para a instalação de fábricas de
celulose e de papel nos dois países. Aplaudida pela mídia gaúcha, como um
grande investimento para o Estado, a ofensiva da monocultura do eucalipto já
despertou a reação da comunidade ambientalista, que adverte para os sérios
riscos ambientais que a cultura pode trazer para a região.
Em um texto intitulado Plantações de árvores exóticas: não cultive essa
idéia. Nossos campos e coxilhas agradecem!, o Núcleo Amigos da Terra/Brasil
critica a iniciativa alertando para o seu impacto ambiental. Segundo a
organização, mega-empresas beneficiadoras de madeiras e celulose vem
expandindo intensamente suas áreas de árvores exóticas, com o apoio, aval e
auxílio dos governos federal e estadual, sem que se tenha avaliado e
discutido com a sociedade os possíveis impactos desta expansão sobre o meio
ambiente e a população.
— Nossas reservas hídricas e nossos solos comportarão
a transformação de 1 milhão de hectares de campos naturais em áreas
habitadas por gigantescas árvores de uma só espécie, clonadas e de
crescimento acelerado? Nosso clima não sofrerá alterações diante de uma
mudança ambiental tão brusca como esta? Onde a micro, meso e macro fauna
encontrarão os nutrientes necessários para a sua sobrevivência? – indagam
os ambientalistas.
O argumento econômico
O governo Rigotto e os empresários alegam que tais riscos não existem e
falam das vantagens econômicas dos empreendimentos. O secretário estadual de
Desenvolvimento e de Assuntos Internacionais, Luis Roberto Ponte, comemora o
fato de que a formação de uma base florestal pela Stora-Enso deverá gerar
entre mil e 1.500 empregos na região. Segundo ele, o investimento garantirá
um desenvolvimento mais igualitário dentro do Rio Grande do Sul.
O
vice-presidente da Stora-Enso e presidente para a América Latina, Nils
Grafström, anunciou que a meta da empresa é comprar terras e fazer o plantio
com o objetivo de construir uma fábrica. A empresa pretende incentivar
proprietários locais a estabelecerem suas próprias plantações, como uma
oportunidade para o uso alternativo de suas terras. Segundo as estimativas
da Stora-Enso, cerca de 20% das necessidades futuras da empresa serão
supridas por proprietários locais.
Atuando em 40 países nos cinco continentes, a Stora-Enso tem uma capacidade
de produção anual de 16,4 milhões de toneladas de papel e de 7,7 milhões de
metros cúbicos de madeira processada. Empregando cerca de 45 mil pessoas, a
empresa atingiu, em 2004, um faturamento de 12,4 bilhões de euros. Na
América Latina, a empresa possui escritórios na Argentina, Brasil, Chile e
México. No Brasil, a Stora Enso investiu na produção de celulose,
adquirindo, em 1997, 50% da Veracruz Celulose. Com um investimento de US$
1,25 bilhão, foi construída a Veracel, em Eunápolis, no sul da Bahia. A
capacidade da unidade é para produzir 900 mil toneladas de celulose
branqueada de eucalipto por ano. Agora, estuda a instalação de novas
fábricas no Rio Grande do Sul e no Uruguai. O governador Germano Rigotto é
um entusiasta do projeto, destacando o respeito da Stora Enso ao meio
ambiente e a valorização da sustentabilidade ecológica pela empresa.
Objeção ao argumento econômico
Além de advertir para as conseqüências ambientais, o Núcleo Amigos da
Terra/Brasil contesta as supostas vantagens econômicas dos empreendimentos
relacionados à monocultura do eucalipto.
— O governo gaúcho fala em geração
de renda e emprego, coloca a Emater à disposição da Votorantim, acena com
atraentes subsídios e financiamentos para a instalação de novas fábricas
(como os do Fundopem/RS) e cria o Proflora, através do qual a CaixaRS
disponibiliza recursos do BNDES para financiamento da atividade de produção
de árvores. Diante do fato de que cada emprego criado tem o alto custo de
116 mil reais e de que a receita média gerada ao produtor oscila entre
apenas R$ 87,00/ha/mês, no caso do eucalipto, e R$ 62,00/ha/mês no caso da
acácia-negra, pode-se perguntar: estes investimentos beneficiam realmente a
quem? – pergunta a organização.
Os ambientalistas também perguntam se os recursos liberados pelo BNDES,
empresa pública federal, acionista da Aracruz, que utiliza recursos do FAT
(Fundo de Amparo ao Trabalhador) para desenvolver o Brasil, financiando
parte dos projetos da Votorantim Celulose e Papel, realmente contribuem para
um desenvolvimento sócio-econômico e ambiental sustentável do estado e do
país?
— Será que os fartos recursos investidos na produção de celulose se
fossem aplicados na pesca, no turismo, na fruticultura e na pecuária não
teriam a capacidade de gerar muito mais emprego e renda às populações
locais, preservando nossa cultura e causando impactos ambientais bem
menores? – questiona a Ong.
Para o Núcleo Amigos da Terra/Brasil, os grandes orçamentos
gastos em campanhas publicitárias pró-reflorestamentos fazem o possível para
disfarçar e ocultar estas preocupações e contradições.
Contradições
As contradições atingem também os defensores do projeto da monocultura. Um
exemplo disso é a posição do ex-deputado estadual e prefeito de Pelotas,
Bernardo de Souza (PPS), aliado do governo Rigotto e apoiador do projeto.
Ele foi o responsável pela inclusão, na Constituição do Estado, de uma
emenda, promulgada em fevereiro de 2005, que define como atribuição pública
valorizar e preservar o Pampa gaúcho, sua cultura, patrimônio genético,
diversidade de fauna e vegetação nativa.
Ocorre que uma das principais
objeções dos ambientalistas é que a monocultura do eucalipto altera
substantivamente o patrimônio genético, a diversidade da fauna e a vegetação
nativa de muitas fazendas no sul do Estado, ou seja, no coração do Pampa
gaúcho. Outra contradição aparece na postura do secretário estadual do Meio
Ambiente, Mauro Sparta, que prometeu agilizar os processos de licenciamento
ambiental para garantir os investimentos.
O secretário Sparta, aliás, vem se notabilizando por posições polêmicas na
área ambiental. Além de comemorar a agilidade da Secretaria de Meio
Ambiente no licenciamento para construção de hidroelétricas e implementação
de grandes investimentos, Sparta propôs a formação de um movimento
suprapartidário pela supressão do artigo 11 da Lei Nacional de
Biossegurança, que estabelece normas para o plantio e comercialização da
produção de soja geneticamente modificada.
O artigo em questão proíbe o
cultivo nas unidades de conservação e em suas zonas de amortecimento, nas
terras indígenas, nas áreas de proteção dos mananciais de água efetiva ou
potencialmente utilizáveis para o abastecimento público e nas áreas
declaradas como prioritárias para a conservação da biodiversidade. Segundo o
secretário, a não reversão do artigo 11 causará graves problemas econômicos
no Estado e no Brasil.
Florestas ou desertos verdes?
Esse pragmatismo ambiental é vital para o modelo de desenvolvimento
defendido pelo governo Rigotto. Neste modelo, a questão ambiental é mera
perfumaria. Segundo o Núcleo Amigos da Terra/Brasil, hoje o RS possui uma
área ocupada por monoculturas de eucalipto, pinus e acácia de
aproximadamente 400 mil hectares. Estima-se que, em pouco mais de uma
década, mais 1 milhão de hectares de terras gaúchas estarão convertidas em
desertos verdes (denominação adotada por organizações ambientalistas e
movimentos sociais para descrever as imensas áreas cobertas por eucaliptos
no Espírito Santo e na parte sul da Bahia).
— O desejo do atual governo
gaúcho de ver instaladas pelo menos duas grandes fábricas de celulose no seu
território, até 2010, alimenta um mega-projeto de expansão das áreas
plantadas de árvores exóticas-, avaliam os ambientalistas. Segundo eles,
— com a justificativa de desenvolver a economicamente retraída Metade Sul
do estado, planeja-se a inauguração, em poucos anos, de uma unidade da
Votorantim Celulose e Papel e de uma nova unidade da Aracruz nesta região,
cada uma capaz de produzir 1 milhão de toneladas de celulose branqueada/ano,
o que necessitaria de uma pujante e vigorosa base florestal de eucaliptos,
composta de pelo menos 300 mil novos hectares.
Além disso, os projetos de expansão das empresas Tanac (em Montenegro) e da
Seta (em Estância Velha), produtoras e grandes exportadoras mundiais de
cavacos e de taninos vegetais a partir da acácia-negra, reforçam os
prognósticos dos ambientalistas de que o RS, antigamente conhecido como
Celeiro do Brasil, passará a ser conhecido como um dos maiores pólos de
madeira e celulose do país.
— No caso da acácia, cuja extensão de cultivo já
se aproxima dos 100 mil ha, a Tanac chegou sozinha, em 2004, a responder por
27,5 mil ha deste total, planejando expandir ainda mais sua área nos
próximos anos. Isto, sem falar que tanto a Tanac, como a Aracruz e a
Votorantim Celulose e Papel estão investindo milhões de reais na ampliação
de seus terminais no SuperPorto de Rio Grande, com vistas a aumentar o
escoamento de seus produtos pela via hídrica-, observa ainda o Núcleo Amigos
da Terra/Brasil.
Para o governador Germano Rigotto, que pretende disputar a presidência da
República pelo PMDB, estes são exemplos de projetos de desenvolvimento
ecologicamente sustentáveis. Para os ambientalistas, trata-se de crimes
ambientais em gestação, cuja repercussão cobrará um alto custo para a
população da região. (Por Marco Aurélio Weissheimer – Carta Maior - 07/10/2005)