Jornalismo não pode ser imparcial em frente ao não-sustentável
2005-10-14
O professor da ECA/USP, Wilson Costa Bueno mediou a mesa que discutiu a formação do jornalista ambiental no I Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental, encerrado ontem (13/10), em Santos. Experiências e propostas nesta área foram apresentadas pelos jornalistas e professores Ilza Girardi e André Trigueiro, e pelo jornalista Celso Pertilho.
André Trigueiro, da Globo News, que ministra a disciplina de Jornalismo Ambiental na PUC/RIO, afirmou que jornalismo não pode ser imparcial em relação ao que não é sustentável, assim como não é imparcial em relação à corrupção e escravidão. Trigueiro destacou, ainda, o caráter subversivo e questionador do jornalismo, calcado em argumentos para superar o analfabetismo ambiental. Exercitar a visão sistêmica é um dos principais motes da disciplina ministrada pelos dois professores. André Trigueiro defendeu um pacote mínimo para que se possa compreender a crise ambiental sem precedentes na qual estamos mergulhados, colocando em questão o modelo de desenvolvimento ecologicamente predatório, socialmente perverso e politicamente injusto.
Dialogando com esta proposta, a jornalista Ilza Girardi, integrante do Núcleo de Ecojornalistas e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, relatou as experiências com a disciplina de Jornalismo Ambiental: – Sou, antes de tudo uma ecologista, e incorporar a visão sistêmica amplia os conceitos de jornalismo-. Ilza Girardi relatou visitas técnicas realizadas pelos estudantes e atividades como a sensibilização através das danças circulares, a produção e edição de matérias sobre meio ambiente.
O Seminário fechou com a proposta do jornalista Celso Petrilho para a especialização dos jornalistas que atuam em grandes meios de comunicação. Ele aposta no avanço da proposta do Congresso, propondo uma conduta ética do jornalista: – Para que não aconteça novamente a não discussão de temas importantes, como foi o caso dos transgênicos no Brasil. Neste episódio ficou claro que é preciso outra visão nos meios que chegam à grande massa-, argumentou o jornalista.
Amazônia, essa desconhecida dos brasileiros
Os jornalistas brasileiros precisam conhecer melhor a Amazônia e deixar de escrever sobre a região com base em estereótipos e lugares-comuns, afirmaram na manhã de ontem (13/10), durante oficina do I Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental, duas especialistas no assunto: as jornalistas Regina Vasquez e Milena Del Rio do Valle, assessoras de imprensa do WWF-Brasil e do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), respectivamente.
Elas apontaram dados que são muitas vezes ignorados. Observaram, por exemplo, que a Amazônia não é apenas brasileira. Embora 72,6% de seu território fique no país, ela também se estende pelo Peru, Bolívia, Colômbia, Guianas, Suriname, Venezuela e Equador, num total de 7.584.421 Km2. Um dado que muitas vezes surpreende, é que 62% da população brasileira da região vive em áreas urbanas e somente 38% na área rural, somando 24 milhões de habitantes. Para quem tem no seu imaginário apenas uma floresta compacta, rompida em grandes extensões pelo desmatamento, as jornalistas esclareceram a seus colegas jornalistas da oficina que a região não é homogênea, tem desde floresta em terra firme, como também cerrado, floresta de várzea e igapó (alagada), com a maior biodiversidade do planeta em fauna, flora, água, clima e etnias.
– São 23 ecorregiões distintas-, informou Regina, responsável pela comunicação dos projetos de desenvolvimento sustentável que o WWF-Brasil realiza na Amazônia. Apenas 40% dos insetos amazônicos foram identificados - numa única árvore encontraram 72 espécies diferentes de formigas -, somente 30% das espécies do reino animal são conhecidos, nos seus rios há 30 vezes mais espécies de peixes que na Europa e o Ibama afirma que há 219 espécies de animais vertebrados em risco de extinção naquela área. E calcula-se que 25% das chuvas que caem em São Paulo são originadas na região.
A desinformação às vezes gera situações tragicômicas, relataram, com a chegada de jornalistas à região programados para grandes coberturas sem levar em conta as enormes distâncias e que o principal meio de transporte lá são os barcos. Segundo as painelistas, as estradas são ruins, as chuvas atrapalham os deslocamentos e há grandes limitações de horários e rotas. De Belém a Manaus, por exemplo, são cinco dias de ida e três dias de volta e muitas vezes os jornalistas visitantes desconhecem essa informação. Os principais causadores do desmatamento, confirmaram, são a pecuária, a agricultura familiar, os pequenos produtores familiares (com lotes de até 100 hectares), o desmatamento oculto e a produção de grãos, como a soja, que vem ganhando força. O solo da Amazônia é muito pobre, e depois do terceiro ou quarto plantio, normalmente em terras que eram dedicadas antes à pecuária, ele perde a fertilidade e novas áreas precisam ser desmatadas para a lavoura. Mais de 17% da floresta já foi desmatada, o equivalente a três Bélgicas.
Pauta ambiental precisa ser reconstruída nas redações
O ministro interino do Meio-Ambiente, Cláudio Langone, afirmou que é preciso
reconstruir as pautas ambientais nas redações, após a crise que fechou as editorias
especiais de meio-ambiente em empresas de comunicação de todo o país. Langone, que
participou da abertura do I Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental na tarde de
quarta-feira (12/10) disse que a imprensa atual está acostumada a destacar os
aspectos negativos na cobertura ambiental, e que é preciso perceber os avanços
das questões relacionadas ao tema, pensando o meio-ambiente a médio e longo prazo
como uma questão estratégica para um desenvolvimento sustentável, e não de forma
fática e isolada como a imprensa vem tratando atualmente os problemas ambientais.
Para representante da Rede Brasileira de Jornalistas Ambientais João Batista Santafé
Aguiar, o encontro é um importante espaço para a qualificação da informação
jornalística, para troca de pautas, fontes, e discussão ética da profissão. Aguiar,
que é coordenador-geral do Núcleo de Ecojornalistas do Rio Grande do Sul (NEJ/RS) –
entidade com 15 anos de atuação, a pioneira no país a congregar jornalistas que
lidam com a pauta ambiental disse ainda que espera que um dos resultados mais
práticos do Congresso seja a proliferação e criação de núcleos em cada região ou
Estado, a exemplo do NEJ/RS e do Núcleo Paulista.
O jornalista Adalberto Marcondes, um dos organizadores do evento, destacou a
necessidade do encontro para transformar uma rede virtual de discussões e debates
dos jornalistas ambientais – que existe há anos – em um encontro presencial de
trocas de informação e experiência entre os profissionais da área, como forma de
qualificar permanentemente a pauta ambiental no sentido da conscientização da
sociedade. — Eu tenho um sonho de não precisar do adjetivo ambiental do lado de
jornalismo. Que os profissionais de jornalismo já incorporem em seus textos e na sua
informação os conceitos de meio-ambiente-, disse Marcondes.
Participaram também da abertura o Secretário do Meio Ambiente de Santos, Flávio
Correa, o assessor de comunicação institucional da Petrobras, Henrique Marson, o
secretário interino do Meio-Ambiente de Guarujá, Elson Maceió, o presidente da Cavo,
Humberto Junqueira de Farias, além do representante da WWF-Brasil, Helio Hara. (Ecoagência, 13/10)