Katrina e seca na Amazônia: lições sobre o aquecimento global?
2005-10-14
Os rios da Amazônia Ocidental (Amazonas, Acre e Rondônia) estão com os
níveis mais baixos da história. O El Niño, que resulta do aquecimento
das águas do oceano pacífico na altura da costa do Peru, sempre foi
apontado como o culpado por estes fenômenos severos. Agora, contudo, o
culpado pode ser outro: o aquecimento do oceano atlântico. Estudos sugerem
que a seca que assola esta parte da Amazônia é resultado do aquecimento
do atlântico próximo à Costa da África e, provavelmente, próximo ao
Golfo do México.
Este aquecimento até então não registrado pode ter
alterado o padrão de circulação das correntes de ar resultando no
deslocamento de massas de ar seco para a Amazônia. O resultado: seca em
regiões
cobertas por florestas. Um outro reflexo dessa mudança de comportamento
da circulação global pode ter sido o fornecimento de energia tornando
particularmente feroz a estação de furacões que atingiram o Caribe e a
Costa Leste dos Estados Unidos, como o que arrasou a cidade de Nova
Orleans.
Os efeitos imediatos da seca na Amazônia são óbvios: rios baixos,
mortandade de peixes, problemas na produção agrícola entre outros. Este
cenário, no entanto, poderá ficar pior com o tempo. A morte de grandes
cardumes de peixes e populações de peixes-boi e botos aumentam o risco
de contaminação da água dos rios, comprometendo o abastecimento de
ribeirinhos e pequenos produtores. Estes problemas são graves e geram
efeitos negativos e danosos para as populações locais.
A seca na Amazônia,
contudo, pode ter efeitos de grandes dimensões. A floresta, em si,
geralmente é imune ao fogo, este geralmente oriundo de queimadas em áreas
agrícolas. A copa das árvores atua mantendo o interior da floresta úmido
o suficiente para evitar que o fogo se propague. Mas, esta imunidade
tem seu limite. Quando há uma grande seca o fogo florestal torna-se comum
e pode ganhar proporções gigantescas. Por exemplo, a grande estiagem
provocada pelo El Niño de 1998 reduziu consideravelmente as chuvas na
Amazônia tornando as floresta inflamáveis. Naquele ano, 1,3 milhões de
hectares de floresta em pé queimaram no estado de Roraima. Outros quatro
milhões de ha foram atingidos pelo fogo no sul do estado do Pará e norte
do Mato Grosso.
A atual seca, portanto, ameaça provocar estragos na
floresta que certamente serão sentidos por muitos anos. Parte deste
estragos já foram analisados através do maior experimento de simulação dos
efeitos de secas severas sobre florestas tropicais já realizado no mundo.
Uma parceria entre o Woods Hole Research Center, com sede nos Estados
Unidos; o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia e a Embrapa
Amazônia Oriental, estas duas ultimas com sede em Belém, simularam uma seca
severa em um hectare de floresta, próximo ao município de Santarém, no
Oeste do Pará. (para mais detalhes visite
www.ipam.org.br/programas/mudancas/seca/ e
www.whrc.org/southamerica/drought_sim/index.htm).
O
resultado mais surpreendente, observado pelos cientistas, é que as árvores
maiores são mais vulneráveis aos efeitos da seca do que as menores,
podendo morrer com mais facilidade. As secas severas como a que a Amazônia
sofre atualmente podem danificar a floresta por décadas, destruindo
árvores gigantes que, ao morrer, deixam de cobrir o assoalho da floresta,
abrindo buracos entre as copas, reduzindo assim a umidade no seu
interior. Mais seca, a floresta passa a ficar vulnerável ao fogo. Assim,
um ciclo vicioso se instala a medida em que a seca favorece a ocorrência do
fogo, que por sua vez produz grandes quantidades de fumaça o que
atrapalha a formação das nuvens de chuva, terminando por intensificar ainda
mais a o período de estiagem. Estima-se que a quantidade de gás
carbônico (um importante gás de efeito estufa) que pode vir a ser liberado a
partir queima e morte das árvores, seja o equivalente à quantidade
emitida deste gás pelas atividades humanas durante um período de seis meses.
Os efeitos a longo prazo do Katrina podem ser mais facilmente
compreendidos do que a história da Amazônia e impressionar pelos valores
monetários derivados da destruição. Para avaliar apenas um dos efeitos
diretos do furacão, deve-se lembrar que o Katrina atingiu em cheio a
indústria do petróleo dos Estados Unidos e serve de alerta para o futuro da
atividade naquela parte do país.
Isso deve nos fazer perguntar: O Katrina
significa o começo do fim da indústria do petróleo no Golfo do México?
Se, de fato, a trajetória e a intensidade dos furacões continuar a
aumentar, as plataformas de bombeamento de óleo passarão a sofrer danos
freqüentes, o que aumentaria ainda mais a dependência dos Estados Unidos
no mercado internacional de petróleo. Ainda é cedo para decretar que a
seca amazônica e os furacões provocados pelo aquecimento do Oceano
Atlântico são resultado do aquecimento global. Contudo, servem de alerta
para o que pode estar por vir, pois tal fenômeno condiz com as previsões
futuras de alteração do clima. O mundo está se aquecendo e parece certo
que mais surpresas como estas podem se repetir.
(Com informações do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia-Ipam)