Amazônia brasileira é devorada em ritmo voraz
2005-10-13
Se é verdade que no futuro as guerras serão travadas em busca de água potável, a América Latina e concretamente o Brasil serão áreas sobre as quais pousarão com cobiça os olhos da sede do planeta. Os números são eloqüentes: este país possui 20% da água potável do mundo, o que o situa na maior vazão de água doce existente, com 197.500 metros cúbicos por segundo. Essa água é 40 vezes maior que a de todos os rios dos EUA e 47 vezes superior à do Canadá, países ricos que ainda não entraram na crise da água.
É tal a importância não só da riqueza de água do Brasil como de toda a sua biodiversidade, a maior do planeta, que, diante do medo de que essa riqueza que não é só poesia ecologista, mas pura e crua realidade política, possa continuar se deteriorando, fala-se constantemente, diante da ira dos cidadãos e dos políticos, em internacionalização da Amazônia, considerada a grande reserva de oxigênio do planeta.
O problema é se essa internacionalização é fruto de um interesse real na preservação de um dos grandes santuários ambientais do mundo diante do descuido ou da impotência de seus governantes, ou se não é mais uma desculpa para se apoderar do grande tesouro do futuro.
Seja como for, esta semana a revista Veja, dedicou 15 páginas a um alerta sobre o que chama de as sete pragas da Amazônia. Um dado significativo e preocupante: — Em 2004 se desmatou na Amazônia um território igual ao da Bélgica. Só nos últimos 15 anos foram devastados 28,8 milhões de hectares, a metade de tudo o que foi destruído desde 1500, data da descoberta do Brasil - escreve o semanário.
Se a selva amazônica foi saqueada, também o foi a mata atlântica, da qual restam somente 5% do território original, com uma biodiversidade proporcionalmente superior à da Amazônia. No pouco que resta da mata atlântica ainda se conservam 51 espécies de mamíferos e 183 espécies de aves, exemplares únicos no mundo.
Entre os anfíbios o número é ainda mais espetacular: das 183 espécies catalogadas, 91,8% são consideradas únicas no mundo. Entre as plantas, das 10 mil conhecidas, 50% também são exemplares únicos. Mas a situação, assim como na Amazônia, é alarmante: das 202 espécies de animais em perigo de extinção, 171 são da mata atlântica. O mesmo ocorre entre as aves: das 214 espécies, 40% estão em perigo.
O mais grave é que, segundo um relatório da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), não só no Brasil como em toda a área dos países latino-americanos não existe nenhum indicador de que a situação tenha melhorado. Claramente recuamos. E acrescenta o relatório: — A biodiversidade é um tema que preocupa porque é um dos grandes acervos, um dos grandes recursos da América Latina.
Entre as sete pragas que Veja revela no drama da Amazônia, destacam-se os incêndios (em alguns momentos, só no Mato Grosso puderam-se observar 15 mil focos simultaneamente), que causam uma perda de US$ 121 milhões por ano. E, considerada a emissão de carbono, os prejuízos alcançam US$ 5 bilhões.
A isso deve-se acrescentar a praga das madeireiras. Existem mais de 3 mil empresas cortando árvores sob a conivência até do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), responsável pela defesa da Amazônia. Só em junho passado foram detidos, acusados de corrupção, 47 funcionários da instituição. E depois, a impunidade. Dos R$ 539 milhões de multas aplicadas em 2004, só R$ 63 milhões foram pagos.
O problema não é só econômico, não é só o saque da madeira preciosa da Amazônia --onde funcionam ilegalmente 8.478 caminhões e 5.006 tratores que trabalham para as 3 mil serrarias da região, e que para cada árvore arrancada destroem outras 40 na operação.
O problema é mais grave. O desmatamento pode fazer o ciclo das chuvas na Amazônia entrar em colapso se a selva perder 30% de sua capacidade vegetal. E já foram destruídos 17%. Nesse caso, o fim da floresta seria irreversível. Tudo isso levaria a uma diminuição drástica do vapor de água gerado pela floresta, e portanto das chuvas, o que elevaria perigosamente a temperatura ambiental, com conseqüências não só para o Brasil e para a América Latina como para todo o mundo.
Em toda essa situação os paradoxos se multiplicam. Um país como o Brasil, que conta com a legislação mais moderna e mais severa do mundo em defesa do meio ambiente, permite que, segundo dados oficiais do Ministério do Meio Ambiente, existam na Amazônia 18 milhões de hectares de selva comprados ilegalmente, um mecanismo perverso que o ex-bispo catalão Pedro Casaldáliga denuncia há mais de 20 anos, com perigo de sua própria vida.
(El País/Espanha – tradução UOL Notícias, 11/10)