Artigo: Bancada Pró- Crisotila e Metástase
2005-10-13
Por Roberto Barreto de Catende *
Vamos por partes, em consonância com a estratégia que vem sendo usada à socapa pelos defensores da indústria do câncer, digo, do amianto ou crisotila. Primeiro passo: você sabe o que é a <>bancada da crisotila? Não? Explico: trata-se de um grupo de ilustres Deputados que tem feito o diabo para que o amianto ou crisotila não seja um produto banido no Brasil. Dois: imagina quem é um dos líderes da tal bancada? Não? Um médico, juro por Nossa Senhora Aparecida, um doutor chamado Ronaldo Caiado, que, segundo Hipócrates, deveria defender a vida, mas recebe dinheiro para dizer que telha de amianto é tão inofensiva quanto uma cobertura de sapé. Por sinal, dizem as boas línguas que o deputado Caiado e outros tantos parlamentares de Goiás receberam da mineradora SAMA (do grupo Eternit) o montante de 1 milhão de reais, do que se sabe oficialmente, para suas campanhas eleitorais de 2002. Tudo, evidente, de modo transparente.
Três: já ouviu falar em CIA? Com certeza, mas esta que está antes da interrogação não é aquela agência norte-americana que costuma intervir, em regimes políticos latino-americanos, no sentido de implantar democracias contra os interesses dos povos incapazes, segundo os gringos, de definir seus próprios destinos. A CIA a que me refiro é a Comissão Interministerial do Amianto, com estardalhaço oficializada pelo Governo Lula, cujos representantes insinuaram a jornalista da Folha de São Paulo, em março de 2004, que o banimento era somente uma questão de tempo. Penúltima pergunta: ocorre-lhe que a maioria das propostas elaboradas veio do Partido dos Trabalhadores, que tinha, juntamente com a CUT, desde 1994, uma posição clara pelo banimento, como uma de suas bandeiras políticas mais importantes na área de saúde ocupacional e ambiental? Pois, veio sim, companheiros e companheiras, e a tal Comissão fez audiências públicas, a portas fechadas, e acabou por decidir que nada decidia. Última pergunta: você acha que a Comissão ficou abaixo do percentual das expectativas? Eu, hein, Rosa!
O fato é que a turma que peleja para banir o amianto no Brasil, em paciente tentativa de colocar o nosso ao lado dos 42 países que já decidiram pela vida de seus cidadãos e baniram o produto cancerígeno, andava animada porque, por volta de 2002, bem-sucedidas ações parlamentares em 6 Estados e 20 cidades brasileiras haviam proibido o amianto, além de que havia mais de 70 outras proposituras no mesmo sentido em todos os níveis legislativos. Porém, a bandeira do futuro livre de amianto, por incrível que pareça, parou de tremular no horizonte da reeleição de Lula e, como quem não paga não mama, nada mais natural que disso se aproveitassem o médico e seus companheiros de mamadeira em punho.
A bancada do amianto já conseguiu, no seu furor metastásico, vitimar as Leis estaduais de São Paulo e Mato Grosso do Sul, julgadas inconstitucionais em ADINs – Ações Diretas de Inconstitucionalidade - propostas pelos produtores, ou seja, em nome dos 30% que a indústria da fibra do diabo representa na receita bruta do estado de Goiás. Magistrados circunspectos, senhores da verdade e da expectativa de vida dos que estão expostos ao amianto, julgaram, acima da própria Constituição Federal, que os Estados não podem legislar concorrentemente com a União na questão, ferindo o que dispõe a Carta Magna de 1988, que outorgou tal direito a Estados e Municípios quando se trata de proteger a saúde e o meio ambiente, facultando-lhes as prerrogativas de aprovação de leis inclusive muito mais restritivas do que as da própria União.
Assim, a bancada da crisotila avança em silêncio para instalar a metástase no organismo federativo nacional, próxima que está de contaminar mais uma célula, Pernambuco, e já lança seus tentáculos em direção a mais dois estados, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. No caso de Pernambuco, no próximo dia 20 de outubro, o eminente Ministro Eros Grau, do Supremo Tribunal Federal, relator do caso, ouvirá de seus pares se é justa ou não a Lei que baniu o produto da terra do frevo. Embora ainda me reste um pouquinho de fé na justiça, bem pouquinho mesmo, eu não gostaria de estar na pelo do excelentíssimo Ministro, afinal, ele é pai do advogado das indústrias Brasilit e Eternit, nas ações que movem as vítimas que buscam ressarcimento por danos que lhes causaram anos a fio o trabalho com amianto.
Para melhor entendermos a sinuca de bico, as duas empresas duelam atualmente em campos opostos no mercado: a Brasilit, por exigência da matriz francesa, fabrica materiais alternativos à fibra do diabo, enquanto a ex-multinacional Eternit, que controla a mineradora SAMA, não quer largar o osso e, muito menos, seguir os passos do antigo proprietário suíço do grupo, Stephan Schmdheiny. Este proeminente empresário dos econegócios e da ecoeficiência, promotor de teses de responsabilidade social e de desenvolvimento sustentável, além de outros paradigmas do mundo globalizado, informa em sua página pessoal na internet que se livrou da fibra cancerígena nos idos dos anos 80, por se tratar de uma incômoda herança de seus antepassados. Provavelmente com uma dor no coração, por abandonar os polpudos lucros, ele se transformou em guru ambiental e presidente honorário do Instituto Empresarial do Desenvolvimento Sustentável.
Mas, voltemos ao nosso quintal, onde o próprio governo também se encontra numa encruzilhada federal, pois, quando o despacho é com os representantes dos Ministérios das Minas e Energia e da Indústria e Comércio, a rapaziada é contra o banimento. Se a conversa dá-se com o pessoal das pastas da Saúde, Trabalho, Meio Ambiente e Previdência, vota-se pelo banimento. E, diz-se à boca pequena, quando a Ministra da Casa Civil entra na parada, que nos bastidores ela trabalha contra, mas, à luz dos holofotes, fica mais em cima do muro do que lagartixa no banho de sol. Desta forma, mais indeciso que beque de várzea, Lula e seu PT não sabem se entram de sola, recuam ou pedem socorro ao frangueiro no gol.
Passei a acompanhar este negócio da crisotila desde o dia em que assisti ao premiadíssimo A Morte Lenta pelo Amianto, documentário franco-canadense que apresenta, entre outros personagens, o Deputado Ronaldo Caiado a declarar diante das câmeras que recebeu dinheiro do lobby do amianto, sob o véu da transparência que cobre as práticas políticas no Brasil. Ele falou em 100 mil reais, se não me engano, quando ainda não se tinha idéia do que viria com o mensalão e o ex-nobre-Deputado Roberto Jefferson a gritar, em plenário da Câmara Federal, para quem quis ouvir, que suas excelências costumam declarar apenas 10% do que recebem para suas campanhas. Como nenhuma das excelências contestou, a dita transparência vestiu um conjuntinho mais ajustado aos tempos e tem sido vista a rodar bolsinha nos corredores do Congresso, lançando, sobre quem por eles circula, olhares libidinosos e convites para fazer neném.
Nesta altura do campeonato, pelo menos nossa área de saúde pública deveria estar sob alerta, dado que, de retrocesso em retrocesso, as ADINs poderão criar jurisprudência que afrouxará, de uma vez por todas, as rédeas do corcel da bancada do amianto, que espicaçado por esporas de ruralista reagirá escoiceando regiões vitais do já combalido organismo do SUS. Isto porque, das pastas contrárias ao banimento, ninguém espera nada além de que seus comandantes, no futuro, subam ao pódio para receber o troféu que o país merecerá como campeão mundial do mesotelioma, câncer da crisotila que leva até 40 anos para se manifestar no organismo de suas vítimas. Entraremos para o Livro dos Recordes pela porta dos fundos da cobertura com telha de amianto. Ou não, doutor Eros.
* Roberto Barreto de Catende é jornalista da Rede Virtual Cidadã pelo Banimento do Amianto na América Latina. Telefones para contato: (11) 9991-1971 ou 3209-8325