Mudanças climáticas: Até o Rio Negro está secando
2005-10-11
Uma das maiores secas da história da Amazônia baixou até o Rio Negro. Em frente a
Manaus, a profundidade não passa de 16 metros, quando a média é de 30. A estiagem é
tão intensa que encalhou barcos pesqueiros e obrigou 13 municípios a decretar estado
de alerta. As imagens do imenso rio praticamente seco são impressionantes. Mas não
surpreendentes: elas confirmam as previsões dos cientistas de que o planeta vai mudar
com o aquecimento global. Algumas dessas transformações já estão em curso. Desde
que o furacão Katrina atingiu o sul dos EUA foram divulgados novos estudos que
relacionam catástrofes naturais recentes às mudanças climáticas provocadas pelo
homem. (Nota do Ambiente Já: veja o especial sobre o assunto no Universia: www.universia.com.br/materia/materia.jsp?materia=8774)
A emissão de substâncias poluidoras, como gás carbônico e metano, liberados por
indústrias, queimadas e automóveis, reforça o efeito estufa, que aprisiona o calor
do sol na atmosfera terrestre. Graças a isso, a temperatura média da Terra já subiu
0,6 grau Celsius no século XX, com conseqüências que vão do derretimento do gelo do
Ártico à redução das neves eternas nas montanhas.
Agora foi a fez do Brasil. Em agosto, tradicionalmente mês de chuvas na região dos
rios Negro e Solimões, a taxa de pluviosidade ficou 50% abaixo da média histórica.
Isso tornou os rios tão rasos que a Capitania dos Portos alertou as companhias de
navegação a não circularem com mais de 40% da capacidade total das embarcações. No
final de setembro, o navio Grand Amazon, da Ibero Star, cancelou seus cruzeiros até
novembro.
E a situação pode ficar ainda pior caso o planeta continue esquentando. Simulações
feitas no Reino Unido demonstraram que o efeito estufa pode colocar a Terra em um
permanente El Niño, o que tornaria seu clima mais quente e seco. – A Floresta
Amazônica pode se transformar em uma imensa savana-, afirma José Marengo Orsini,
pesquisador do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos do Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). – A Amazônia como conhecemos hoje pode durar
mais 200 anos-, completa Philip Fearnside, pesquisador do Instituto Nacional de
Pesquisa da Amazônia (Inpa). Essa previsão considera uma concentração de 550
partículas de gás carbônico por milhão de partículas de ar atmosférico. Atualmente
são 380. E basta que essa taxa chegue a 400 para que a temperatura do planeta suba
mais 2 graus.
Pode parecer pequena a diferença de temperatura. Mas para o planeta é enorme. Na era
do gelo, a temperatura média era apenas 4,5 graus mais baixa que a atual. Agora, a
previsão é de que para até o fim deste século ela aumente cerca de 4 graus. As
previsões que avaliavam o efeito estufa há dez anos eram de que a temperatura fosse
subir entre 0,2 e 0,6 grau por década. – Estudos recentes mostram que o aumento está
perto das estimativas mais pessimistas-, diz David Vine, pesquisador da Unidade de
Pesquisa Climática da University of East Anglia, no Reino Unido.
Os cientistas hesitam em relacionar cada desastre natural, como o furacão Katrina,
ao efeito estufa. Mas um estudo publicado na revista Science em setembro revela que
a freqüência de furacões mais fortes (categorias 4 e 5) quase dobrou nos últimos 35
anos.
– As conseqüências do aquecimento global já estão acontecendo-, afirma Fearnside.
Uma evidência da ligação do Katrina com o efeito estufa seria o ganho de força do
furacão depois de passar sobre as águas do Golfo do México, quando se tornou
categoria 5. Estudos mostram que a temperatura na superfície do mar está 0,5 grau
mais alta. Descobertas recentes também revelam que camadas mais profundas do oceano
estão mais quentes do que se imaginava, o que aumenta a duração dos furacões.
As empresas de seguros, que pagam a conta dos desastres, foram as primeiras a
perceber as mudanças do clima. No ano passado, os pagamentos de indenizações
custaram mais de US$ 40 bilhões. Só com furacões, os gastos foram de US$ 30 bilhões,
o que fez da temporada do ano passado a mais cara da História. Para este ano, um
novo recorde já é dado quase como certo após a passagem arrasadora dos furacões
Katrina e Rita pelo sul dos Estados Unidos. – Já temos hoje mais de US$ 40 bilhões
em perdas seguradas e a temporada de furacões ainda nem acabou. Vai até dezembro-,
explica Ernst Rauch, chefe do Departamento de Riscos do Tempo e do Clima da
resseguradora alemã Munich Re, uma das maiores do mundo.
As mudanças no clima colocaram o Brasil na rota dos furacões. Um deles atingiu a
costa de Santa Catarina em março de 2004. Foi o primeiro a ser registrado no
Atlântico Sul. Também devem aumentar a freqüência e a intensidade dos tornados no
país. O que passou por Indaiatuba, em 2004, pode ter sido só um aviso. – Antes a
gente se preocupava com enchente e incêndio. Agora o risco são tornados e furacões-,
diz Fernando Almeida, do Conselho Empresarial Brasileiro para Desenvolvimento
Sustentável. (Época, 10/10)