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2005-10-11
Um prefeito, um ex-prefeito e dois dirigentes da Fatma, fundação ambiental estadual, são acusados de fraudar licenças para a construção de onze usinas eólicas no interior de Santa Catarina.

Segundo o Ministério Público, foi uma falsificação grosseira. A mando de dois coordenadores regionais da Fatma, Julio César do Prado e Cosme Polese, técnicos da fundação alteraram a data da concessão de licenças para beneficiar o consórcio de empresas Santa Catarina na licitação aberta pelo Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa). O Proinfa investe em projetos de energia eólica, biomassa e pequenas centrais hidrelétricas, e dá acesso a créditos de até 80% do valor do projeto junto ao BNDES. O Banco planeja investir 5,5 bilhões de reais no ProInfa até dezembro de 2006.

Com planos de implantar sete usinas no município de Água Doce e outras quatro em Bom Jardim da Serra, o empresário José Geraldo Nonino conseguiu que funcionários da Fatma adulterassem a concessão das licenças ambientais prévia (LP) e de instalação (LI). Solicitados na verdade em 2004, os documentos foram assinados pela fundação com datas de 2003. O objetivo era levar vantagem em um dos critérios de seleção do Proinfa: as empresas que apresentam licença prévia mais antiga saem na frente. Na interpretação do governo, projetos aprovados há mais tempo têm mais condições de iniciar logo as obras.

A canetada foi quase perfeita. Além da chancela da Fatma, o prefeito de Água Doce, Antônio José Bissani (PP), e o então prefeito de Bom Jardim da Serra, Essiorni Cardoso da Silva (PFL), deram o aval do Poder Executivo para as obras em suas cidades. Mas ninguém atentou para um problema no calendário: as licenças fraudadas ganharam a data de 29 de março de 2003, um sábado, dia em que obviamente não há expediente na Fatma.

Quando se deram conta, os servidores rasuraram os papéis, mas não adiantou. Tinham deixado outras pistas. O Ministério Público constatou, junto a agências bancárias, que a taxa de expedição das licenças foi paga mesmo em 2004. Além disso, a julgar pelas datas fictícias a concessão das licenças ocorreu em tempo recorde. A Fatma precisou de apenas 7 dias úteis para liberar a licença prévia, e, no dia seguinte, concedeu também a licença de instalação. A título de comparação, o inquérito menciona o tempo médio para a obtenção de licença ambiental em obras semelhantes: 250 dias.

Como se não bastasse, o Ministério Público denuncia o não-cumprimento de publicidade obrigatória dos processos de licenciamento e a competência duvidosa dos técnicos que realizaram os estudos ambientais.

Se a Justiça levar em conta os antecedentes dos envolvidos, os advogados da Fatma não terão vida fácil para defender seus dirigentes. A Fundação do Meio Ambiente de Santa Catarina, criada em 1975, já foi um modelo de gestão e fiscalização ambiental, mas nos últimos tempos parece estar atuando mais contra do que a favor do meio ambiente.

Só aqui em O Eco, noticiamos no último ano ao menos 14 casos envolvendo práticas suspeitas da Fatma na concessão de licenças ambientais. Experimente digitar Fatma no nosso mecanismo de busca. De um campo de golfe construído em cima de um aqüífero até o lançamento de esgoto sem tratamento nas águas de Florianópolis, passando por hidrelétricas grandes como a de Campos Novos e pequenas como a de Corupá, a fundação acumula uma longa lista de acusações.

Recentemente, o jornal Diário Catarinense divulgou uma conta do Ministério Público Federal de Santa Catarina, segundo a qual a Fatma responde a nada menos que 290 ações na Justiça, envolvendo autorizações de empreendimentos sem estudos ambientais e comercialização de licenças.

O geógrafo Alceo Magnanini foi um dos pioneiros da Fundação de Engenharia do Meio Ambiente do Estado do Rio de Janeiro (Feema), criada em 1975, e conta que o órgão serviu de modelo para a Fatma, cuja fundação ele acompanhou de perto. – Tanto a Feema como a Fatma eram exemplares, mas ultimamente viraram palco de troca de favores políticos. Não há mais espaço para técnicos. A Fatma começou a decair com a morte do padre Raulino-, diz ele, referindo-se ao ambientalista Raulino Reitz, que deixou o Jardim Botânico do Rio de Janeiro para criar a fundação catarinense e dirigi-la entre 1976 e 1983. Raulino morreu em 1990.

A memória do padre Raulino está prestes a se apagar um pouco mais, com a ameaça à laranjeira da espécie Raulinoa echinata , descoberta por ele em 1956, e que pode ser extinta caso a usina hidrelétrica de Salto Pilão encha seu reservatório. A licença ambiental para a obra foi dada pela Fatma.

O atual presidente da fundação é um político. Sérgio Grando, do PPS, dirige a Fatma desde março de 2004. Candidato a prefeito de Florianópolis nas eleições do ano passado, ficou em terceiro lugar. (O Eco, 10/10)

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