Bispo encerra greve de fome; governo sugere mais debate sobre transposição
2005-10-07
O bispo de Barras (BA), D. Luiz Cappio, que entrou em greve de fome há 11 dias contra o projeto de transposição do rio São Francisco, decidiu encerrar o protesto. Reunido duas vezes com o ministro das Relações Institucionais, Jaques Wagner, nesta quinta-feira (6), o bispo aceitou um acordo no qual o governo promete suspender o projeto de transposição e prolongar o período de debates. D. Luiz também foi se encontrar, no final da tarde, com o núncio D. Lorenzo Baldisseri, representante do Vaticano no Brasil, que o aguardava na cidade de Cabrobó (PE).
Segundo o deputado estadual Frei Sergio Görgen (PT-RS), que participou da reunião ao lado do bispo, após uma primeira recusa de aceitar as propostas iniciais do governo, consideradas muito inconsistentes, em uma segunda conversa com o ministro, D. Luiz teria recebido a garantia de que o governo fará um grande projeto de desenvolvimento para o semi-árido nordestino, no qual se avaliará a necessidade da transposição do São Francisco. Frei Sergio disse também que o bispo avisou que, em caso de quebra de acordo por parte do governo, ele voltaria à greve de fome, e desta vez não estará sozinho, garante o deputado.
O quanto o governo pretende ceder em relação ao projeto original e ao prazo de início das obras da transposição ainda não está claro. O governo concordou em suplementar em R$ 300 mil ao ano o orçamento para a revitalização do Rio, e o deputado Fernando Ferro (PT-PE) apresentou nesta quinta parecer em que aprova a criação do fundo de revitalização da bacia do São Francisco. A proposta para a criação do Fundo tramita no Congresso desde 2002 e prevê que sejam destinados ao fundo parte dos royalties das empresas de energia elétrica e 0,2% da arrecadação da União pelos próximos 20 anos, o que garantiria R$ 5 bilhões à revitalização.
Um fator importante que pode ter influenciado a posição do governo foi uma decisão judicial contra a licença ambiental concedida ao projeto de transposição. Na noite de quarta (5), a 14ª Vara Federal da Bahia concedeu liminar de suspensão do licenciamento ambiental do Ibama para a obra de transposição do São Francisco, em resposta à Ação Civil Pública ajuizada no último dia 29 de setembro pelo Ministério Público Federal (MPF) na Bahia, a OAB- Seção Bahia, a Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia (AATR) e o Fórum Permanente de Defesa do São Francisco, entre outros. Segundo o MPF, a ação apresenta uma série de irregularidades na concessão do Ibama, que seriam de tal monta que comprometem a própria validade do licenciamento ambiental, como diz o parecer da Justiça.
Ainda de acordo com o MPF, com a liminar foram suspensos os efeitos da Licença Prévia e o Ibama fica impedido de conceder a Licença de Instalação que falta para a execução da obra. A União também não pode praticar qualquer ato para a concretização do projeto, como a efetivação da licitação pública em curso ou qualquer contratação antes da correção das irregularidades do licenciamento.
A realização de um plebiscito nacional sobre a transposição do São Francisco pode, agora, ser uma solução ideal para o confronto entre defensores e opositores da transposição do rio. A avaliação é do sociólogo Adriano Martins, amigo do bispo que esteve com ele desde o inicio da greve de fome. Martins acredita que a aceitação do governo de que a questão seja definida por um referendo popular seria um sinal de que nada será feito sem um amplo debate na sociedade.
O plebiscito já vem sendo solicitado por vários movimentos sociais, como o MST e a Comissão Pastoral da Terra (CPT), e deve ser adotado como uma grande bandeira do coletivo dos opositores do atual projeto de transposição. Concretamente, no entanto, o processo de aprovação de um plebiscito pode ser demorado, se seguir os trâmites normais no congresso.
No momento, dois projetos referentes a um plebiscito sobre a transposição tramitam no Congresso. Na Câmara, o projeto de decreto legislativo já foi aprovado pelas comissões de Meio Ambiente e Minas e Energia, e encontra-se na Comissão de Constituição e Justiça. Segundo o deputado João Alfredo (PSOL-CE), autor do substitutivo que está em tramitação, o Poder Executivo poderá, até o dia da consulta, realizar estudos e consultas sobre impactos socioambientais e outros aspectos do projeto, mas a contratação dos serviços e o início das obras só poderão ser efetivados no caso de aprovação no plebiscito.
Já na Igreja o clima parece ter esquentado nesta quinta, após a manifestação do arcebispo da Paraíba, Aldo di Cillo Pagotto, contra o protesto de Dom Luiz e pelo início imediato das obras de transposição.
A resposta a Pagotto veio em forma de uma declaração pública assinada por Dom Tomás Balduino, presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT). No documento, a CPT afirma que o arcebispo, ao interpretar, a seu modo, a carta que a Presidência da CNBB enviou ao Presidente Lula, ao contabilizar Bispos dos estados da Paraíba, Rio Grande do Norte, Pernambuco e Alagoas a favor da transposição do São Francisco, trabalha com o nefasto objetivo de dividir o Episcopado brasileiro, expondo publicamente esta divisão e assim dando ganho à causa da transposição.
O documento também acusa os signatários de colaborarem com as empreiteiras e com o grande capital que estão de olho nesta obra gigantesca, uma vez que já se esgotou no Nordeste a rendosa perspectiva de construção de açudes e hidrelétricas.
— A leitura que Dom Aldo faz do gesto de Dom Luís como uma espécie de eutanásia é cruel e irônica sobre o momento mais sagrado e mais sublime da vida deste bom Pastor. Dom Luís não se cansa de dizer que não quer morrer, quer viver e quer a vida do povo do semiárido e do São Francisco. (...) Esperamos que esclarecimentos divisionistas como este não venham fortalecer as forças econômicas e políticas que não hesitam em passar por cima da vida do nosso Irmão decidido a só sair de Cabrobó em procissão ou no caixão, termina a nota. (Agência Carta Maior, 06/10)