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2005-10-07
O bispo de Barra (BA), Luiz Flávio Cappio, tem um mérito inegável: sua greve de fome reacendeu com força nunca vista antes o debate sobre a obra de transposição de parte das águas do rio São Francisco. A mídia já não estava dando mais bola a um assunto polêmico desde os tempos de dom Pedro 2º. Ponto para Cappio.

Governos recentes, como o do tucano Fernando Henrique Cardoso, desistiram da obra. Promessa do petista Luiz Inácio Lula da Silva na campanha eleitoral de 2002, a transposição está com o cronograma atrasado. Dificilmente terá avanço significativo até o fim do mandato do presidente no ano que vem. Lula, porém, está disposto a concluir alguns trechos antes de obter um eventual segundo mandato.

Maior licitação do atual governo, custo total orçado em R$ 4,5 bilhões, o projeto prevê mais de 700 kms de canais de concreto em dois eixos. Já há uma empresa faturando milhões para gerenciar a obra, que, como sempre, divide especialistas.

A principal crítica é que a transposição pode virar um elefante branco, um projeto faraônico ineficaz. Essa suspeição já é suficiente para que o governo, apesar dos inúmeros debates públicos, faça mais alguns.

É preciso responder à crítica de que as comunidades pequenas e mais pobres não serão beneficiadas. Alguns especialistas dizem que falta capilaridade ao projeto para que beneficie os mais pobres --não consta da previsão da atual obra a construção de canais menores que se ligariam aos dois grandes canais.

Nesse sentido, a greve de fome de Cappio é uma oportunidade para o governo Lula convencer a opinião pública de que a obra interessa ao Brasil. O bispo presta um serviço ao país. (Por Kennedy Alencar, colunista da Folha Online e repórter especial da Folha em Brasília)

Wagner é revelação
O novo coordenador político do governo, o ministro Jaques Wagner (Relações Institucionais) está se saindo bem na nova função. Ele não tem a arrogância do ex-ministro José Dirceu nem a fraqueza do ex-ministro Aldo Rebelo, seus antecessores na articulação política.

Sua atuação foi a mais importante na eleição de Aldo Rebelo (PC do B-SP) para presidente da Câmara. Tivesse confiado no que dizia o presidente do Senado, Renan Calheiros (AL), que prometia 60 votos no PMDB, sofreria uma derrota.

Agora, no episódio do bispo, não avançou sinais. Dialogou com a cúpula da Igreja Católica e agiu corretamente ao fechar um acordo para encerrar a greve de fome de Cappio.

Vale ou não vale?
Outra polêmica levantada pelo episódio Cappio: vale ou não fazer greve de fome?

É uma decisão de protesto puramente individual. Não adianta votar greve de fome numa assembléia e pedir que um numeroso grupo a adote. Os efeitos danosos dela não podem ser distribuídos coletivamente. É um ato algo amalucado, como manifestantes que queimam o próprio corpo. Nesse sentido, tem uma dose preocupante de fundamentalismo e, no caso em questão, de messianismo.

No entanto, o recurso à greve de fome é legítimo - desde que o bispo esteja mesmo disposto a arcar com a consequência da forma de protesto que julgou a melhor. É incorreto responsabilizar terceiros, como o presidente Lula, por sua eventual morte ou sofrimento extremo.

Foi acertada a decisão do governo de buscar diálogo com o bispo, pois não se pode ignorar o efeito político do seu gesto no Brasil e no exterior. No entanto, seria legítimo decidir não interromper uma política pública devido a uma greve de fome.

Dificilmente o episódio Cappio detonará uma onda de greves de fome. É preciso que o protesto encontre eco na opinião pública para que tenha o poderoso efeito de fazer balançar o poder. E é preciso que o personagem tenha peso simbólico. Esse bispo tem. Petista, foi cortejado por Lula na campanha de 1994 como entendido em rio São Francisco.

Vaticano preocupado
Na carta do papa Bento 16 a Cappio, houve recomendação para que o bispo levasse em conta que a Igreja Católica julgava que a greve de fome não era prática recomendável de protesto.

Debates, sim
Após a tensa negociação com Cappio, Wagner telefonou para Lula, que o parabenizou pela segunda vitória importante em uma semana. No entorno do bispo, ainda há alguns inconformados, que desejam que o governo suspenda de vez a obra. O Palácio do Planalto não deverá fazer isso. Lula disse que ele e seus ministros se disporiam a debater mudanças no projeto em qualquer lugar a qualquer hora. Dificilmente o descartará.

Antigo lulista
Lula deverá receber Cappio até a próxima quarta-feira, dia em que viajará para a Europa no final da tarde. Em carta ao presidente, o bispo disse reconhecer que, pela primeira vez, um governo tem feito obras de revitalização do rio São Francisco. Cappio disse também que mantinha o respeito por Lula. (Agência Folha, 06/10)

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