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2005-10-06
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu atrasar o início da obra de transposição do rio São Francisco a fim de tentar negociar com o bispo de Barra (BA), Luiz Flávio Cappio, o fim de sua greve de fome, que completa nove dias. A decisão foi tomada em reunião ontem de Lula e seus principais ministros, na qual Cappio e a cúpula da Igreja Católica foram criticados, inclusive por Lula. Irresponsável e autoritário foram adjetivos usados por ministros na reunião sobre a conduta do bispo.

A idéia é dizer a Cappio que, apesar da iminente concessão da licença ambiental do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) para começar a obra, o governo gostaria de discutir o projeto com ele - tanto que a suspenderia temporariamente. A licença deve sair nesta semana. Como o bispo diz que não se opõe à transposição, mas ao projeto específico da gestão Lula, o governo tem a esperança de convencê-lo sob o argumento de que a obra beneficiará a população mais carente e não a prejudicará.

Promessa da campanha eleitoral de 2002 que ainda não saiu do papel e que dificilmente terá avanço significativo até a conclusão do mandato de Lula, o cronograma da transposição está atrasado. Por isso, a maioria dos ministros concordou com a decisão de adiar o início para insistir numa saída negociada.

Apesar da disposição diplomática, por avaliar que há um potencial de desgaste internacional, o presidente ficou especificamente contrariado com a declaração do bispo de que Lula seria o responsável por sua eventual morte. O presidente disse que não mandou o bispo fazer greve de fome e que, quem a faz, deve arcar com as conseqüências, segundo relato de ministros à Folha.

Prioridade zero
O coordenador político do governo, ministro Jaques Wagner, afirmou que é prioridade zero do governo fazer com que o bispo desista da greve, mas sublinhou que a saída para o impasse não se dará pela imposição de um ponto de vista. Segundo o ministro, a transposição das águas do São Francisco não é fruto da vontade do presidente, mas de uma convicção que se formou por meio de um projeto estudado e debatido por mais de dois anos.

— Vou começar a negociar, estou aberto. Quero registrar com clareza que todos aqueles que se dispõem ao diálogo não podem imaginar que a única saída seja o reconhecimento da sua posição original. Assim como respeitamos as convicções do bispo, também respeitamos as nossas. Esse foi um projeto estudado, debatido. Não é um ato de vontade do presidente da República, é uma construção que foi feita - disse o ministro.

Wagner afirmou que poderia ir a Cabrobó (PE), onde o bispo realiza a greve de fome, mas que discutiria a possibilidade antes com o presidente Lula.

O ministro declarou ainda que o governo federal vai apoiar e se empenhar na aprovação de uma emenda à Constituição que destina recursos para a revitalização do rio São Francisco. Criticado reservadamente por alguns auxiliares de Lula por supostamente ter deixado o desgaste do episódio colar direto no presidente, o ministro Ciro Gomes (Integração Nacional) também participou ontem da reunião. Responsável pela gestão da obra, Ciro argumentou que foram feitas exaustivas discussões técnicas e audiências públicas, e que o bispo adotou atitude autoritária.

O ministro Luiz Dulci (Secretaria Geral), ligado à Igreja Católica, ficou encarregado de tratar com a cúpula da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) uma forma de negociar com o grevista. A CNBB também foi criticada na reunião. Auxiliares do presidente lembraram que há padres e bispos da região Nordeste que são favoráveis à transposição, mas que não se manifestaram. Isso teria passado a impressão de que toda a cúpula da Igreja Católica está com Cappio.

Entidades se unem em favor de bispo
Entidades e movimentos sociais que no auge da crise se colocaram ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva engrossaram o coro da Igreja Católica para forçar o Planalto a pelo menos adiar o início das obras de transposição do rio São Francisco. Ao lado da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), estão nessa lista MST, CUT, UNE e a Central de Movimentos Populares.

Ontem, Lula sentiu de perto essa pressão. Enquanto aguardava o colega de Cabo Verde no alto da rampa do Planalto, o presidente ouviu, bem à sua frente, na Praça dos Três Poderes, um grupo de padres, freiras e integrantes de movimentos sociais gritarem em coro o nome do bispo Luiz Flávio Cappio, 59, que está em greve de fome há nove dias contra o projeto de transposição. Dom Cappio e São Francisco, gritavam.

Uma hora depois, no Itamaraty, ainda na seqüência da visita do presidente cabo-verdiano, Lula sinalizou que já tomou as iniciativas necessárias sobre o caso. Primeiro disse que já havia mandado uma carta pra o bispo. Depois, indagado se o jejum deste era uma atitude autoritária, disse:

— Eu não vou fazer este julgamento.

Segundo auxiliares do Planalto, Lula sabe que está numa situação delicada. Se atender aos apelos de d. Cappio e engavetar o projeto, estará abrindo um precedente perigoso para futuras polêmicas, além de abandonar uma das prioridades de seu governo. Porém, se for intransigente na negociação, pode ser responsabilizado pelas conseqüências da greve de fome. No comando da manifestação em frente ao Planalto, Delci Franzen, da Pastoral Social da CNBB, traçou um cenário pessimista a Lula.

— Se acontecer uma tragédia [com dom Cappio], acabou esse governo para o Nordeste.

Anteontem à noite, em reunião em Brasília, sem-terra prometeram organizar barricadas em rodovias e pontes próximas e que cruzem o rio São Francisco, enquanto o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil decidiu acionar, por cartas e e-mails, as quase 10 mil paróquias do país para levantar a bandeira de dom Cappio contra a transposição.

Em geral, a linha de entidades é de aprimorar o diálogo sobre o projeto antes de iniciá-lo. Contrário à transposição, o MST pede a realização de um plebiscito para definir a questão.

— O projeto é polêmico. É preciso aprofundar os debates - disse o presidente da UNE, Gustavo Petta. João Felício, da CUT, vai em linha semelhante:

— O ideal é que o bispo suspenda a greve, e o governo chame a sociedade para discutir a questão. (Folha de S.Paulo, 05/10)

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