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2005-10-06
Criar um animal originário de outro país no Brasil ou transportar uma planta de uma região brasileira para outra pode provocar transformações irreparáveis na fauna e na flora locais. Eles podem ser converter nas chamadas espécies invasoras – animais, plantas ou microrganismos que no hábitat de origem não causariam qualquer dano, mas que se levadas para outro ecossistema podem se disseminar de forma desordenada e causar, inclusive, prejuízos à saúde humana e à economia.

De acordo com o coordenador-geral de Fauna do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama), André Jean Deberdt, ainda não se tem uma noção exata sobre o tamanho do problema causado pela entrada dessas espécies no território brasileiro. A fim de conhecer essa realidade, o Ministério do Meio Ambiente, em parceria com cinco instituições, está realizando um levantamento padrão das espécies exóticas (a palavra, aqui, é usada para denominar o que vem de fora, e não para indicar aparência) existentes no país. A apresentação do estudo, em versão próxima à final, está marcada para o 1º Simpósio Brasileiro sobre Espécies Exóticas, que começa terça-feira (4) e vai até a próxima sexta-feira (7), na capital.

Para dar uma idéia do alcance da também chamada contaminação biológica, Deberdt cita uma estimativa, usada como referência, do professor David Pimentel, da Universidade de Cornell, segundo a qual essas espécies causam prejuízos de US$ 1,4 trilhão por ano no mundo, US$ 137 bilhões nos Estados Unidos e US$ 49 bilhões no Brasil. O coordenador revela que entre os invasores exóticos que provocam mais estragos no país estão o javali, o mexilhão-dourado, o caramujo-africano e espécies de pinheiro e de capins africanos. O javali é considerado pela União Internacional de Conservação da Natureza uma das 100 piores espécies exóticas invasoras do mundo. O animal entrou no Brasil há dez anos pela fronteira do Rio Grande do Sul com o Uruguai. Nos estados do Paraná, São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul já existem vários focos de populações selvagens da espécie. —Esse animal ataca principalmente as plantações de milho e animais de criação e pode transmitir doenças para a fauna nativa, explica Deberdt. — Ele se adapta facilmente a qualquer tipo de ambiente e começa a proliferar rapidamente. No Rio Grande do Sul já causa problemas seriíssimos.

O coordenador do Ibama explica que as medidas de combate ao ataque de animais exóticos invasores ainda são muito recentes no país. — Nós ainda estamos implementando algumas técnicas de controle. Não é muito fácil controlar as espécies, pois elas já estão instaladas na natureza. Uma vez que o javali entrou, será muito difícil erradicá-lo, mas é possível controlar e diminuir os problemas provocados por ele. Na tentativa de reduzir a população de javalis no Rio Grande do Sul, o Ibama realizou nos últimos dez anos diversos estudos e autorizou a caça do animal. O estado é o único autorizado a praticar o abate.

Os caramujos-africanos, trazidos para o Brasil em 1980 como alternativa ao escargot, também já infestaram todo o país, segundo Deberdt. Em agosto o Ibama proibiu a criação do molusco e determinou que os criadores entreguem as matrizes às autoridades em 60 dias. Já a braquiária e o capim-gordura, também originários da África, foram introduzidos no país ainda durante a colonização e hoje são cultivados para a pastagem de gado. Devido ao excesso de sementes que produzem e da facilidade com que elas se espalham, essas espécies estão substituindo a vegetação nativa da região onde são plantadas.

A lei de crimes ambientais brasileira impede que qualquer espécie animal seja introduzida no país sem parecer favorável do Ibama. No entanto, André Jean Deberdt avalia que a legislação ainda é deficiente. — Tem alguns pontos falhos, que podem ser melhorados, e normas que poderiam ser estabelecidas para melhorar o sistema preventivo de entrada e a implementação de mecanismos para evitar a proliferação das espécies que já estão no país. É preciso criar mecanismos legais para controlar as espécies invasoras.

Simpósio retoma compromisso com a Convenção sobre Diversidade Biológica, diz Marina
A convenção, da qual o Brasil é signatário, estabelece que os países membros devem tomar os cuidados necessários para impedir a introdução e promover o controle e a erradicação de animais, plantas e microrganismos invasores. — Esse é um desafio imenso, que requer apoio transversalizado das diversas esferas do governo, bem como ações coordenadas com outros setores da sociedade- afirmou a ministra.

O Ministério do Meio Ambiente, acrescentou, propôs a criação de uma câmara técnica permanente sobre espécies exóticas invasoras, composta por diferentes representantes da sociedade.

Pesquisadores preparam banco de dados continental sobre o problema
Organismos não-governamentais e instituições das Américas do Sul, Central e do Norte vão criar uma rede de intercâmbio de informações sobre espécies invasoras no continente, segundo informou o mestre em Manejo de Vida Silvestre, pela Universidade Nacional de Córdoba, Sérgio Zalba. O projeto, intitulado de I3N, da sigla inglesa para Inter-American Invasives Information Network, será financiado pelo departamento de Estado e Serviço Geológico dos Estados Unidos.

—A idéia é usar bases comuns de informações de modo a poder compartilhar informações da maneira mais direta possível, explica Zalba. — O tema das espécies invasoras requer ações muito rápidas. E a base de dados sempre foi pensada como um meio, e não como um fim, para conhecer o problema e para resolver problemas reais na vida real contra as espécies invasoras. Precisamos compartilhar todas as informações que temos para isso.

Dalba conta que já fazem parte do projeto Argentina, Bahamas, Brasil, Chile, Equador, El Salvador, Guatemala, Jamaica, México, Paraguai, Peru, República Dominicana e Estados Unidos. Foi por meio do projeto intergovernamental da rede interamericana, usado entre 2001 e 2002 na Argentina para a criação de uma banco de dados sobre espécies invasoras e trazido para o Brasil em 2003 pelo Instituto Hórus, que o Ministério do Meio Ambiente realizou o primeiro levantamento sobre invasões biológicas no país. Ele está em fase de conclusão e deve ser apresentado, em versão próxima à final, no 1º Simpósio Brasileiro sobre Espécies Exóticas Invasoras, do qual o professor argentino participa.

Invasões biológicas incluem algumas das principais doenças
Engana-se quem pensa que a dispersão de espécies pelo planeta só preocupa ecologistas. A coordenadora do grupo de saúde do Informe Nacional sobre Espécies Invasoras, Márcia Chame, lista alguns exemplos bem conhecidos dos brasileiros propiciados pelo livre trânsito de pessoas e cargas pelos cinco continentes: a gripe, que chegou ao Brasil com os colonizadores europeus; a leptospirose, veiculada pelos ratos que vieram de contrabando nos navios negreiros; e o mosquito da dengue, de origem africana, que chegou numa carga de pneus usados, nos anos 80. O próprio vírus da aids, ela lembra, é uma espécie que o ser humano espalhou.

— As espécies exóticas vêm com a expansão do homem pela terra. As fronteiras, que seriam naturais, não funcionam-, explica Chame, que é pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz. Segundo ela, a melhor forma de combate é a prevenção. — Não há motivo para alarme, somos nós que propiciamos a proliferação. Se a cidade fosse limpa, provavelmente não teria surto de dengue-, exemplifica. — A espécie pode ser exótica, mas jamais será invasora se não tiver condições para se reproduzir. Por isso, conclui, são essenciais sistemas de tratamento de esgoto e coleta de lixo em todas as regiões.

A pesquisadora destaca a importância de informar a população: — É o mais importante. A pessoa tem que saber que a sua atitude pode ajudar. As recomendações incluem a criação de um sistema nacional de prevenção e controle de espécies exóticas invasoras, com fortalecimento nas fronteiras. — Não adianta o Ministério da Saúde fazer uma coisa e o da Agricultura, outra-, afirma Márcia Chame. Outra recomendação do grupo de trabalho liderado pela pesquisadora é a criação de um programa de capacitação e treinamento de todos os agentes envolvidos. Os dois ministérios e o do meio Ambiente são os principais órgãos executores das medidas nessa área, mas quem tem o primeiro contato com viajantes e mercadorias é a Polícia Federal.

— Não dá para ter um megaespecialista em cada aeroporto e cada fronteira, daí a importância de um sistema integrado, destaca a pesquisadora. — Polícia Federal tem uma responsabilidade muito grande. Se os agentes tiverem acesso fácil a informações e souberem identificar o risco, podem acionar a Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] ou o Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis] e até enviar material para análise em laboratórios de referência- exemplifica.

Marta Chame afirma que o país tem condições de enfrentar as espécies exóticas. Segundo ela, o governo federal já demonstrou eficiência nas vezes em que houve notificação ou alerta por parte da Organização Mundial da Saúde (OMS) ou da Organização Mundial do Comércio (OMS) sobre alguma epidemia. (Especial Agência Brasil, 5/10)

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