Uzbesquistão sofre efeitos de danos ambientais
2005-10-06
Uma morbi-mortalidade sem precedentes é parte do desastre ambiental, sanitário,
social e humano causado pelo abuso de agroquímicos na região do mar Aral, no
noroeste do Uzbequistão. O problema é legado da época em que este país da Ásia
central fazia parte da União Soviética, quando houve uma campanha maciça para
produzir algodão, uma importante fonte de divisas, e começou-se a utilizar
fertilizantes artificiais em grande escala. O Uzbequistão ainda lida com a transição
econômica do sistema socialista para o capitalista e não consegue se sobrepor ao
desastre ambiental, uma mostra do que pode ocorrer quando os seres humanos usam a
tecnologia para prejudicar a natureza.
As necessidades básicas de saúde são evidentes em uma população de 26,3 milhões de
pessoas, especialmente pelo impacto do desastre do mar Aral, que provocou numerosos
casos de tifo, doenças respiratórias, câncer e tuberculose. Os moradores da região
do mar Aral temem a tuberculose e a icterícia muito mais do que a aids. Os médicos
também falam de deformidades e as atribuem ao dano genético causado pelos produtos
químicos usados no passado. – Freqüentemente me trazem bebês sem mãos ou pernas e,
inclusive, sem genitais, ou com macro encefalia. Como posso ajudá-los?-, pergunta o
médico Tohtabay Baltabaevk, que atende funcionários governamentais de alto escalão
em um dos distritos austrais de Karakalpakstán. Só nesse distrito há cerca de 17 mil
meninos e meninas com diversas deficiências e deformidades, segundo os médicos.
No Uzbequistão, falar dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio – série de
compromissos assumidos pelos governos em 2000 para reduzir a pobreza, a fome, a
mortalidade infantil e materna e promover a sustentabilidade ambiental, entre outras
coisas – é totalmente estranho. Mas os sentimentos da população refletem os mesmo
problemas que os governos se comprometeram a melhorar até 2015. – A renda atual de
muitas pessoas apenas excedem os US$ 30 mensais. As pessoas preferem não ir ao
médico para receber tratamento em um hospital-, disse Baltabaevk. A mortalidade
infantil e a materna diminuíram na última década, segundo o Fundo de População das
Nações Unidas (Fnuap), que situam a mortalidade infantil em 41 para cada mil
nascimentos.
Segundo a Comissão Nacional Uzbeka de Estatísticas, a mortalidade de menores de um
ano no país foi de 18,7 por mil nascimentos em 2000, enquanto em 2004 caiu para
16,5/mil. Noventa por cento das mulheres grávidas na região de Khorezm (nordeste) e
em Karakalpakstán, uma região autônoma do norte que constitui quase 40% do
território do país, são anêmicas e a metade sofre doenças da glândula tireóide e dos
rins. Mais de 40% da mortalidade materna do Uzbequistão afeta as mães de primeira
viagem, segundo Nariman H., pediatra em Khorezm.
Nos anos 60, a União Soviética ordenou ao Uzbequistão que desviasse águas de dois
rios do mar Aral, o quarto maior do mundo. A intenção era irrigar extensas áreas que
haviam sido transformadas em plantações de algodão. Para esse cultivo foram usadas
enormes doses de fertilizantes químicos, pesticidas e desflolhantes, que se
filtraram para as águas subterrâneas e alcançaram as bacias dos rios. A população
usava essa água para beber e cozinhar, e dessa maneira contraiu as doenças. Na
década de 80, a quantidade média de fertilizante químico empregada em cada hectare
de terra agrícola no Uzbequistão superava os 300 quilos, quase três vezes a
quantidade média de toda a União Soviética.
Como resultado, a superfície do mar na região Aral diminuiu quase a metade de seu
tamanho original, a água ficou insalubre e seu volume sofreu redução de três quartos.
Os bancos de pesca quase desapareceram e as pastagens que dependiam das águas do
Aral também diminuíram. Extensas porções de terra se transformaram em deserto, e
alguns dizem que este processo continua. Os rios Syr e Um ficaram cheios de
agroquímicos. Hoje, os ventos anuais da Ásia central e Europa ocidental trazem o sal
residual do leito do mar, seco e tóxico, com pesticidas e metais pesados. É um
problema que transcende fronteiras, começando pelo vizinho Cazaquistão.
A carga dos cuidados com a saúde, em um momento em que as pessoas têm de suportar os
custos por conta própria, também continua. Os números da tuberculose chegaram a
estar seis vezes acima dos padrões da Organização Mundial da Saúde. Novos números da
OMS indicam que os pacientes com bacilo da tuberculose na Ásia central são 10 vezes
mais propensos a desenvolver uma cepa mais resistente a múltiplos medicamentos do
que o resto do mundo. A prevalência da doença é de 156 para cada 100 mil pessoas. O
impacto do desastre do mar Aral é uma tema que conseguiu arrecadar fundos
internacionais e provocou reuniões de líderes na região ao longo dos anos.
Em 1992, o presidente uzbeko, Islam Karimo, solicitou cooperação internacional para
salvar o mar Aral, mas alguns dizem que o foco continua na produção de algodão. As
compras estatais de algodão cru são muito baixas, mas a lã de algodão processada e
acabada é vendida no mercado mundial a preços altos. – A regularidade do trabalho
infantil nas plantações de algodão, a cada outono, é a melhor imagem para representar
a indiferença do governo em relação aos cidadãos-, disse Marat Zahidov, um ativista
uzbeko pelos direitos humanos.
Mas hoje as dores e os problemas do mar Aral não parecem comover nem a comunidade
internacional nem as autoridades locais tanto quanto no passado. Perdeu-se muito
tempo, lamentou Oral Ataniyazov, médica e líder da organização não-governamental
Perzent, de Nukus, também no nordeste do país. Ataniyazov explicou que uma
regulamentação do governo sobre preservação genética na área do Aral foi aprovada em
abril de 2004 e que se o fundo for usado com eficiência para seu propósito, pode
representar importante avanço.
Nargiza Jurabaeva, coordenadora do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(Pnud), disse que este ano a organização está preparando um relatório sobre o avanço
do país rumo aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. – Agora estamos na última
etapa. O trabalho de avaliação do desempenho em cada região e seus correspondentes
relatórios começará no próximo ano. O que realmente necessitamos é uma base de dados
estatísticos confiável para cada região, e é nisso que estamos trabalhando-, disse.
No relatório da ONU Um futuro ao alcance da mão, o Uzbequistão figura na
lista de nações que progridem lentamente rumo às metas do milênio de reduzir a
mortalidade infantil em dois terços e a materna em três quartos (em relação a 1990)
até 2015. Além disso, o documento diz que o Uzbequistão experimentou uma regressão
quanto à prevalência e a mortalidade relacionada à tuberculose. (Sema, 04/10)