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2005-10-05
Após sobrevoar a Reserva Extrativista Chico Mendes ontem, a ministra Marina Silva anunciou que, em parceria com o governador Jorge Viana, vai elaborar um plano de recuperação das áreas de proteção legal que foram atingidas pelas queimadas no Acre.

— Está sendo doloroso para mim ver o Acre pegando fogo - afirmou a ministra.

A preocupação do plano é impedir que se confirmem as suspeitas de que fazendeiros e pequenos agricultores tenham se aproveitado da longa estiagem na região para ampliar suas pastagens ou roçados com a queima das áreas de proteção legal.

Ao manifestar apoio ao plano, o governador Jorge Viana disse que a fiscalização estadual e federal agirá com rigor e recorrerá às tecnologias disponíveis, sobretudo imagens de satélite, para incentivar a regeneração de florestas nas áreas de preservação legal.

Marina Silva defendeu a necessidade de que se estabeleça um trabalho estruturante, que desenvolva agropecuária sustentável, sem recorrer ao fogo como forma de renovação de pastagem ou de formação de roçados.

— Junto com o Ministério do Desenvolvimento Agrário, nós já estamos trabalhando com um programa de agricultura sustentável, destinado ao atendimento das áreas que já foram devastadas, ao mesmo tempo que lutamos pela aprovação do projeto de gestão de floresta pública para as áreas florestais - assinalou a ministra.

A informação da revista Veja desta semana, segundo a qual um terço da Reserva Extrativista Chico Mendes teria sido torrada pelo fogo, causou perplexidade à ministra Marina Silva e ao governador Jorge Viana. A reportagem da revista não citou quem fez o cálculo nem como chegou a essa estimativa de destruição.

Como a reserva mede 1 milhão de hectares, um terço corresponde a mais de 300 mil hectares.

— Eu gostaria de aprender com a reportagem de Veja a fazer um cálculo desse tão rapidamente - afirmou o pesquisador Foster Brown, da Universidade Federal do Acre. A estimativa de quanto queimou em todo o Acre, particularmente na Reserva Extrativista Chico Mendes, ainda está sendo calculada pelos governos federal e estadual, com auxílio de pesquisadores de várias instituições.

O diretor nacional de política de meio ambiente do Ibama, Flávio Montiel, disse que se for pra fazer estimativa na base do chutômetro, como fez a revista, poderia arriscar o palpite de que foi mais ou menos 10% de florestas e pastagens em todo o Acre.

— Mas isso não tem base, assim como não tem base o cálculo da Veja. É preciso esperar - afirmou.

O sindicalista e ex-prefeito de Xapuri Júlio Barbosa afirmou que mais de 200 estradas de seringa foram destruídas pelo fogo, sendo que 18 seringais na região foram atingidos. Apenas dois desses seringais não na área da Reserva Extrativista Chico Mendes.

A ministra Marina Silva e o governador Jorge Viana ouviram relatos de lideranças sindicais e colonos da região que sofreram danos variados com as queimadas.

— Nós temos que evitar o surgimento da indústria das queimadas no Acre - pregou a ministra.

Marina Silva considerou grave o intenso processo de conversão de floresta em pastagem dentro da Reserva Extrativista Chico Mendes.

— Sabemos que existem pessoas que já ultrapassaram o limite legal de 10% - assinalou, expondo o desafio para que todos os envolvidos encarem o problema em busca de solução para deter esse processo.

Lideranças do movimento social entregaram à ministra um documento no qual destacam que o descaso do governo federal tem agravado a situação dos órgãos ambientais, sobretudo do Ibama.

— Esse sucateamento tem se revertido, neste ano, em queimadas e desmatamento, inicialmente do cerrado e agora da Amazônia.

— Se o desmatamento por si só já deveria há muito ter sofrido uma moratória em toda a região amazônica, onde, no máximo, deveria ser tolerado o manejo florestal sustentável, com projeto de longo prazo, as queimadas não encontram nenhuma justificativa, seja técnica ou ambiental. Dessa forma, devem ser imediatamente banidas da região, para que não soframos eventos como o que presenciamos - apela o documento do movimento social.

Durante reunião com todas as instituições que integram o Comitê do Fogo, a ministra Marina Silva anunciou, ainda, a decisão de manter no Estado todo o aparato de combate às queimadas. Marina Silva teve que retornar ontem mesmo para Brasília porque terá que defender o projeto de concessão de florestas públicas, que está sendo debatido no Senado Federal.

Marina Silva sobrevoa áreas de florestas incendiadas e reafirma o compromisso de luta pela exploração sustentável da Amazônia Tião Maia

O principal combustível ao qual recorrerá a ministra do Meio Ambiente Marina Silva para tentar conter a fúria dos parlamentares contrários ao projeto que regulamenta a gestão e o uso sustentável das florestas públicas durante os debates a serem travados hoje no Senado será as imagens do que ela viu ontem, no Acre, ao sobrevoar parte do Estado a bordo de um helicóptero do Exército. Muito mais que parte da maior floresta tropical do mundo em chamas, com prejuízos incalculáveis para a fauna e a flora, além dos dramas pessoais de famílias ameaçadas pelo fogo, Marina Silva viu e se convenceu cada vez mais que o atual modelo de exploração da Amazônia defendido pelos que se opõem ao projeto precisa ser urgentemente reformulado.

Marina Silva passou o dia de ontem a bordo de um helicóptero ao lado de assessores do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e do Ibama, além do governador do Estado, Jorge Viana. Ela sobrevoou municípios do Vale do Acre, principalmente na região da Reserva Chico Mendes, em Xapuri, e à tarde, antes de retornar a Brasília, se confessou impressionada com o que viu.

Embora o fogo tenha arrefecido nos últimos dias graças às ações emergenciais da parceria entre os governos federal e estadual, o que Marina Silva viu ainda são imagens impressionantes, seja pelo prejuízo do meio ambiente seja pelos dramas das pessoas ameaçadas pelas chamas. O caso do menino Antônio, de 11 anos, parece emblemático nesta questão. Ele mora com os pais e mais 10 irmãos numa colocação dentro da Reserva Chico Mendes, uma área de 1 milhão de hectares que se estende por cinco municípios do Vale do Acre.

Na semana passada, quando as chamas eram mais intensas, durante um sobrevôo à região, os bombeiros viram, de dentro do helicóptero, o desespero da família tentando apagar o fogo que ameaçava destruir inclusive a casa de morada, com a utilização de baldes bacias com água em cujo esforço se destacava o trabalho de Antônio, correndo de um lado para outro. Os bombeiros desceram e, graças aos equipamentos de última geração que vêm utilizando nas operações, as chamas foram debeladas, mas o esforço não foi suficiente para impedir o prejuízo da família de Antônio: das nove estradas de seringa utilizadas por seu pai, oito foram consumidas pelas chamas.

Marina Silva, que tantas vezes percorreu as estradas de seringa da reserva ao lado de pessoas como o sindicalista que dá nome à área, reencontrou-se, nos lugares onde foi possível o helicóptero descer, com muitas das pessoas que ela conhece dos tempos em que era professora do Projeto Seringueiro ou militante da CUT e dos movimentos de empate. Ontem, ao conhecer Antônio e sua história (ele exibe com orgulho a roupa das brigadas de incêndio do Ibama que ganhou de um dos técnicos), a ministra reconheceu que sua luta em defesa da Amazônia, embora noutro campo, continua.

— Eu que lutei tanto para evitar as derrubadas, agora vou ter enfrentar outra luta para impedir as queimadas. Fazer o que? Lutar é meu destino - conformou-se, ao desembarcar, no final da tarde, na sede do quartel do Quarto batalhão Especial de Fronteira (4º BIS) em Rio Branco.

É com este espírito que a ministra Marina Silva, senadora licenciada, vai à Comissão de Constituição de Justiça e Cidadania do Senado defender a necessidade de aprovação do projeto que regulamenta a gestão e uso sustentável das florestas públicas. Sob a sigla PLC 62/5, por duas vezes a polêmica matéria entrou em pauta, mas teve seu exame adiado por falta de entendimento em relação a seu conteúdo.

A proposta autoriza o arrendamento e a exploração de áreas de florestas pelo setor privado, por até 40 anos, entre outras mudanças. A matéria tramita em regime de urgência constitucional e tinha como data limite para votação em Plenário o dia 1º de outubro. No entanto, como a pauta do Plenário está trancada por três medidas provisórias, a comissão ganhou tempo extra para tentar aprovar o projeto substitutivo do relator, senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR), um aliado dos garimpeiros e de outros grupos econômicos interessados na exploração predatória da Amazônia.

Governador diz que é preciso mudar conceitos de exploração da região
Para o governador Jorge Viana, o que vem acontecendo no Acre este ano, um fenômeno que não se repetia há 40 anos, com a estiagem prolongada que faz secar os rios e igarapés e a própria floresta, é um aviso da natureza. Segundo ele, se providências não forem tomadas agora, o futuro pode ser muito pior.

— Este foi um aviso de que precisamos mudar nossa cultura e o modelo de explorar a Amazônia. Quem pensa que a derrubada e a queima da floresta é uma exploração econômica esta muito enganado. O que a natureza vais no cobrar depois por isso é algo muito caro - disse Jorge Viana.

Daí, destaca o governador, a luta pela aplicação e melhoria dos planos de manejo sustentável para a Amazônia. Segundo ele, é isso que Marina Silva, a partir de sua experiência, defende para a Amazônia.

— Não é mais possível, diante dos exemplos ruins que estamos tendo, que ainda haja alguém de boa fé com coragem suficiente para defender essa cultura da terra da arrasada. O futuro é o manejo sustentável. E quem diz não é somente eu. São os cientistas, os países desenvolvidos que já sacaram que a exploração das florestas da forma que nós conhecemos não é um caminho inteligente – disse.

Multas já ultrapassam os R$ 3 milhões
Antes de embarcar rumo a Xapuri, a ministra participou de uma reunião no Corpo de Bombeiros, onde representantes de órgãos ligados ao Meio Ambiente apresentaram a atual situação do Estado, juntamente com um levantamento parcial do prejuízo que o período atípico provocou.

O comandante geral do Corpo de Bombeiros do Estado, coronel Francisco Jardim, disse que somente em Xapuri o prejuízo já ultrapassa os 30 mil hectares de áreas devastadas.

A região do Alto Acre é a mais afetada, de acordo com os ambientalistas. Por isso, as ações de fiscalização que consistem em controle de queimadas por meio de imagens de satélite, por exemplo, foram intensificadas, segundo informou o diretor em exercício do Instituto de Meio Ambiente do Acre (Imac), Fernando Lima.

— Desde que iniciamos a Operação Floresta Viva para combater os desmates mais de R$ 3 milhões em multas foram aplicadas contra àqueles que desobedeceram as ordens de não queimar - enfatizou.

Nova portaria prorroga proibição de queimadas
Diante dos dados que continuam a alarmar as autoridades públicas, o governador assinou uma nova portaria que prorroga por mais 30 dias a proibição de queimadas no Estado.

Esta é a terceira vez que a medida é decretada por conta das sucessivas intervenções de desflorestamento, aliado à condição climática atípica. Quem desobedecer a ordem poderá ser preso.

A assinatura do documento foi feita durante a reunião no Corpo de Bombeiros, no momento em que a outra portaria - que tinha um prazo de quinze dias - vencia.

Gestão de Floresta Pública
A portaria é uma medida emergencial que ajudará as autoridades a combaterem o incêndio no Estado, somente neste momento crítico. Neste sentido, a ministra disse que só resta uma alternativa fixa e viável para reverter o quadro da devastação.

Trata-se do Projeto de Gestão de Floresta Pública, o qual visa preservar 3% das florestas brasileiras durante dez anos e em troca disso, oferecer novas opções de sobrevivência para as famílias que dependem da floresta para se manterem.

Detalhes da proposta serão discutidos hoje em uma audiência no Congresso Nacional, segundo informou a ministra. Ela acredita na idéia e disse que só assim o corte predatório de madeira e outras explorações indevidas serão de fato coibidas. (Página 20 – Acre, 04/10)

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