Artigo: A temporada de furacões e o desenvolvimento limpo
2005-10-05
Por Eugenio Singer*
O clima muda há milhões de anos no nosso planeta. A grande questão é a percepção destas transformações pela sociedade. Não faz muito tempo que ocorreram acidentes nucleares nos Estados Unidos, antiga União Soviética e mesmo no Brasil. Todos lembram-se de Three Mile Island, Chernobyl e Goiânia. Era comum as pessoas associarem as torres de resfriamento (aquelas grandes estruturas, curvas e cônicas) aos reatores nucleares.
Acontece que para eventos desse tipo, assim como para as mudanças climáticas crônicas e agudas, a sociedade responde de forma diferente. O mesmo acontece nesta temporada de furacões no Caribe e Ásia, onde todos associam estes fenômenos ao aumento de emissões de gases do efeito estufa e o respectivo aquecimento global.
Há pouco menos de dois anos, havia um certo ceticismo sobre a ratificação do Protocolo de Quioto e se países como Estados Unidos e Rússia adeririam ao acordo. Apesar da não adesão dos norte-americanos, o protocolo começou a valer a partir do ano passado, desencadeando a corrida para aprovação de projetos de carbono, bem como toda a engenharia financeira a eles associada. Este processo passou a movimentar bilhões de dólares.
Independentemente de onde o projeto para redução de emissões seja certificado e/ou aprovado, a comunidade científica e profissional mobilizou-se, participando de dez Conferências das Partes (COP’s), e teremos a 11ª ocorrendo no Canadá, no fim do ano. Fundos de Financiamento de Projetos de Carbono foram criados na Ásia, Europa e Estados Unidos. O Brasil, através da iniciativa da BM&F, também criará o seu em breve e, assim, mesmo quem não está amparado na adesão de sua nação, ou se é ou não um país do Anexo I com metas de reduções, está envolvido nesta questão.
Apesar de estarmos há mais de dez anos discutindo, planejando, desenvolvendo e implementando os mecanismos de flexibilização, são pífios os resultados que alcançamos. Ao todo, são 74 projetos elaborados, menos de um terço deste número apresentado ao Painel de Metodologia e somente um aprovado. Pensando nisto e no grande potencial que o Brasil e, principalmente, o Estado de São Paulo possui para ser promotor deste mecanismo de desenvolvimento, as secretarias de Meio Ambiente e de Ciência e Tecnologia do governo paulista, a Petrobras e algumas empresas de consultoria estão abrindo um fórum para discutir os desafios e oportunidades do Protocolo de Quioto.
Visto que temos aproximadamente sete anos para nos beneficiar dos MDLs (Mecanismos de Desenvolvimento Limpo) dentro de Quioto, já existe também uma grande mobilização para ver o que acontecerá pós – Quioto. Em recente discussão em Campinas sobre as Mudanças Climáticas, levantaram-se duas questões importantes sobre o tema: a primeira é que a humanidade precisa fazer algo para promover uma mudança no horizonte de 100 anos e não somente no curto prazo. É óbvio que os financistas têm uma certa dificuldade em trabalhar com horizontes tão longos. A segunda questão é a da transferência de riqueza através destes mecanismos, proposta realmente difícil, que é tese de milhares de economistas e cuja implementação pelas agências multilaterais tem falhado continuamente.
Pois bem, seja no horizonte de sete, 100 ou milhões de anos, a Terra continuará sendo um organismo vivo e mutante. O clima possivelmente acentuará seus efeitos e talvez tenhamos mais certezas para inferir sobre as suas correlações e seus impactos, como os furacões devastadores Katrina e Rita, que atingiram coincidentemente aquele país não signatário do Protocolo de Quioto, afetando a parcela mais pobre da população. Cabe a nós, agora, agilizarmos o processo e desburocratizar as ações. São Paulo está aí para dar exemplos!
*Eugenio Singer, empresário, membro do Conselho de Administração e diretor para a América Latina da ERM Brasil. Dirige o Instituto Pharos, ong dedicada à defesa da costa brasileira.