Desmatamento e queimadas no Acre: Tem boi na linha
2005-10-05
As florestas do Acre não fogem ao que já virou regra na Amazônia: elas são derrubadas
e queimadas para dar lugar a pastos. Entre 1990 e 2003, o estado teve a segunda maior
taxa de crescimento de rebanho bovino do país. Cresceu 13%, perdendo por pouco para
Rondônia, que liderou com 14%. Segundo o pesquisador Paulo Barreto do Instituto do
Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), a aceleração do processo pecuário
nesses dois estados contribuiu para o aumento das queimadas. E a abertura de
pastagens ainda levou à fragmentação da floresta, deixando a mata mais suscetível a
incêndios.
O exemplo perfeito é a Reserva Extrativista Chico Mendes, uma área de quase um
milhão de hectares criada em 1990 no sudeste do Acre para evitar o processo de
pecuarização na região. – Toda a floresta ia ser derrubada. Procuramos estagnar esse
processo-, diz Anselmo Forneck, diretor do Ibama no estado. Mas até hoje o governo
federal não conseguiu expulsar de seu interior pequenos empresários e até
funcionários públicos que criam bois dentro da reserva – o que é proibido por lei.
Este ano, as queimadas realizadas para limpar roçados e pastos nas propriedades
saíram de controle devido à seca atípica que o Acre enfrenta e incendiaram a
floresta. O fogo demorou quase duas semanas para ser controlado e imobilizou desde a
direção do Ibama até 150 bombeiros de Brasília, que foram enviados para apagar as
chamas. No dia 3 de outubro, a ministra Marina Silva sobrevoa a região para
testemunhar o estrago.
A Reserva Extrativista Chico Mendes está localizada na região do Acre mais degradada
pelo homem. Nos seus arredores estão Rio Branco, Xapuri, Brasiléia e outras cidades
que, em setembro, foram parar nas manchetes dos jornais por terem tido plantações
inteiras lambidas pelo fogo e a população adoecida pela fumaça. É nesta região que
se concentra a maioria dos pastos do estado e, segundo uma pesquisa do Imazon sobre
a expansão da agropecuária no norte do país, uma das quatro áreas em toda Amazônia
onde a pecuária tem tudo para expandir.
Em 2005, o Acre foi reconhecido internacionalmente como um estado livre de
febre-aftosa. Apesar da seca, o nível pluviométrico da região onde estão os pastos é
de 2000mm de chuva por ano. As regiões da Amazônia mais cobiçadas para a prática da
pecuária são aquelas onde chove anualmente entre 1.600 mm a 2.200 mm. A ausência de
geadas e a relativa abundância e distribuição de chuvas aumentam a disponibilidade
de capim e, conseqüentemente, a produtividade das pastagens. Um outro sinal dos
novos tempos é que, pelos cálculos do Ibama, 98% dos filhos de seringueiros
trabalham hoje em fazendas.
Mas o Acre não é um estado apenas de grandes e médias propriedades. Pelo contrário,
tem muitos lotes distribuídos pelo Incra para agricultura familiar e seus moradores
recebem incentivos do Fundo Constitucional do Norte, um programa de crédito para
agricultores e pecuaristas da Amazônia que financia indiretamente a derrubada da
floresta. Segundo o Imazon, é comum os satélites registrarem queimadas em porções
florestais de assentamentos de reforma agrária na Amazônia. No ano passado, o
pequeno agricultor foi responsável por 62% do desmatamento realizado no Acre.
O estado está entre os cinco maiores produtores de carne da região amazônica. Páreo
a páreo com Pará, Mato Grosso, Rondônia e Tocantins. Juntos eles abastecem Amapá,
Amazonas, Roraima e parte do mercado nacional. Ainda assim, o tipo de pecuária
praticada no Acre é, em geral, o de baixa produtividade. Que normalmente está
associado à ocupação especulativa de terras em novas fronteiras agropecuárias,
plantio de pasto sem limpeza apropriada do solo – sinônimo de desmatamento e
queimadas - e degradação do solo.
Estudos sobre pecuária de baixa produtividade sugerem que parte do crescimento do
rebanho é estimulada por motivos especulativos, como o ganho pelo aumento do valor
da terra ou como forma de conseguir título de posse, e por subsídios governamentais.
Segundo pesquisa do Imazon, uma das características da Amazônia que contribui para
a expansão da pecuária na região é o acesso relativamente fácil a terras públicas e
a baixa aplicação da lei florestal. Esses fatores permitem o acúmulo de capital por
meio da exploração de madeira e parte desse lucro é investido em pecuária. Fora isso,
o Fundo Constitucional permite associações contratarem crédito em nome de pequenos
produtores que não possuem o título definitivo das terras.
Enquanto isso, o Brasil desponta como o maior exportador de carne bovina no mundo, o
que pressiona a fronteira pecuária para dentro da floresta. Segundo o Imazon, entre
1990 e 2002, o rebanho bovino da Amazônia Legal mais que dobrou e registrou uma taxa
média de crescimento anual 14 vezes maior que no restante do país. Para o mesmo
instituto de pesquisa existem três medidas a serem tomadas para permitir que bois e
floresta coexistam: proteger as terras públicas ricas em biodiversidade através da
criação de reservas e parques, combater a ocupação ilegal e o desmatamento de terras
públicas florestadas e aperfeiçoar a gestão ambiental de terras privadas. No Acre,
se poderia começar pela região da Reserva Extrativista Chico Mendes. (Carolina Elia,
O Eco, 02/10)