Governo de Santa Catarina luta contra infestação de pinus que ameaça APPs
2005-10-03
Por Francis França
Acabar com 500 hectares de mata nativa para plantar uma espécie exótica a fim de criar um parque florestal soa como uma idéia sem sentido. Mas, na década de 60, foi o que fez o governo catarinense com o objetivo de ocupar áreas improdutivas
no leste da Ilha de Santa Catarina, entre a praia do Moçambique, quase intocada pelo homem, a Lagoa da Conceição e a Barra da Lagoa, em Florianópolis. Em 1962, cerca de 2500 indivíduos de Pinnus Elliotti foram introduzidos no local a partir da criação do Parque Florestal do Rio Vermelho. Passados 43 anos, o governo de Santa Catarina trabalha para eliminar uma parte das 400 mil árvores da espécie, que já ocupam mais de 750 hectares da região, alastrando-se por áreas de preservação permanente (APPs) e comprometendo o ecossistema de dunas e restinga.
Para tentar resolver o problema, a Companhia Integrada de Desenvolvimento
Agrícola de Santa Catarina (Cidasc), responsável pelo Parque Florestal do
Rio Vermelho, contratou uma empresa para retirar 45 mil pés de pinus do
local. A empreitada começou em outubro de 2004 e estava prevista para
terminar na última sexta-feira, mas, por causa das chuvas, deve demorar mais um mês. Para retirar todas as 400 mil árvores, a direção do parque calcula que serão necessários pelo menos mais
três anos.
O parque florestal do Rio Vermelho tem cerca de 1400 hectares. É cortado por uma
Rodovia com grandes retas, formando um túnel verde que parece não ter fim. Considerando que
cada pinus ali plantado dispersa dois milhões de sementes por ano e que suas
sementes aladas (levadas pelo vento) podem chegar até 20 km da matriz,
chega-se à conclusão de que a Cidasc terá um grande trabalho pela frente. E
contra o tempo.
— Uma única árvore pode ser um foco de invasão – adverte Fernando Bechara,
pesquisador que fez sua dissertação de mestrado no Laboratório de Ecologia
Vegetal da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) sobre o parque
florestal e atualmente estuda o assunto em sua tese de doutorado.
O ecossistema nativo é frágil. As restingas precisam de muito sol para desenvolver. A sombra gerada pelos altos pinus inibe a produção de flores e
frutos, o que acaba afastando a fauna. Segundo Bechara, em ecossistemas como
o do Rio Vermelho, o denso sombreamento altera totalmente o funcionamento e
a estrutura da restinga.
— Os pinus no Rio Vermelho têm cerca de 40 anos. Neste período ele expandiu
sua área de 500 hectares para 750 hectares. Se não forem retirados, daqui a
30 anos não sobrará mais nada de vegetação nativa – prevê.
De acordo com o professor Ademir Reis, orientador de mestrado de Fernando
Bechara e coordenador do Laboratório de Ecologia Vegetal, se medidas medidas sérias para o combate dos pinus não forem adotadas, o impacto será a eliminação
de muitas espécies.
— Todo o complexo da praia da Joaquina será tomado – alerta o pesquisador. A Joaquina fica a cerca de 5 Km do Parque, mas mesmo assim pode ter suas dunas completamente invadida pelos pinus.
O problema ambiental no Parque Florestal do Rio Vermelho atingiu nível
crítico por conta de falhas técnicas e governamentais.
Os incentivos para a
plantação de pinus - que motivaram a criação do parque - foram cortados na década de 80. Em 2000, o governo
federal instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação e deu prazo de dois anos para que todas as áreas protegidas do país fossem regulamentadas. O prazo já venceu há três anos, mas a situação do Parque do Rio Vermelho ainda não foi resolvida.
Segundo a lei, as unidades de conservação dividem-se em dois grupos:
Unidades de Proteção Integral, que admite apenas o uso indireto dos recursos
naturais, e Unidades de Uso Sustentável, onde é permitida algum uso para uma parcela dos recursos naturais. Ainda não se sabe a qual grupo o Parque Florestal do Rio Vermelho
pertence. O enquadramento é necessário para que a área passe das mãos da
Secretaria de Agricultura para a Secretaria de Meio Ambiente, quando será
feito um plano de manejo para gerir o parque. O governo do estado promete
resolver a situação ainda este ano.
Falta de cuidados técnicos facilitou infestação
Sem plano de manejo desde a criação do parque, o Pinnus Elliotti
disseminou-se sem controle, como explica Magno Vinícius Ubá de Andrade,
diretor operacional da Cidasc.
— Quando o parque foi criado não se tinha esta visão ambiental que temos
hoje. Os pinus foram implantados como teste, mas faltaram tratos culturais,
desbaste. Foram plantadas 2.500 árvores quando deveriam ter sido no máximo 300.
O parque não teve um sistema de controle que uma empresa privada teria, por exemplo –
diz ele.
O presidente da Associação Catarinense de Empresas Florestais (ACR), Antônio
Tsunoda, diz que a Cidasc perdeu o controle sobre os pinus do Parque
Florestal do Rio Vermelho porque as árvores ficaram plantadas por muito
tempo. Segundo ele, as empresas privadas adotam um sistema de rotação a cada
20 anos, metade da idade dos pinus do Rio Vermelho.
— O manejo poderia ser melhorado. Em outras circunstâncias, isso não
aconteceria – explica Tsunoda.
Conforme estimativas do centro de Estudos de Safras e Mercados (Cepa),
existem atualmente dois milhões de hectares de pinus plantados no Brasil,
dos quais 500 mil estão em Santa Catarina. De acordo com estudos do
Laboratório de Ecologia Vegetal da UFSC, o pinus já contaminou grandes áreas
de conservação do território catarinense como Campos dos Padres, Morro do
Queririm, Aparados da Serra e Serra do Tabuleiro. No Parque Florestal do Rio
Vermelho, características peculiares da região facilitam o crescimento
desordenado da espécie.
— A restinga é incapaz de competir com os pinus e, na região do parque,
venta muito. Como a dispersão das sementes é muito maior, o cuidado deveria
ser muito maior também – afirma Antônio Tsunoda.
A contaminação biológica é a segunda maior causa de extinção de espécies no
Mundo, e o Pinnus Elliotti tem a fama de ser o gênero mais agressivo que existe.
Originário do sudeste dos Estados Unidos, a espécie não tem inimigos
naturais, como predadores de sementes e herbívoros. O pinus ainda não depende de animais para a polinização, tem baixa exigência nutricional e condições apropriadas
para regeneração natural. Mas, apesar dos diversos fatores de independência
que o permitem ocupar ambientes com condições adversas e restritivas, o
Pinnus Elliotti tem um ponto fraco:
— Cortando, o pinus não rebrota como outras espécies invasoras – diz
Tsunoda.
É com esse trunfo na mão que os pesquisadores apostam na recuperação
do parque florestal. O professor Ademir Reis explica que, gerenciando bem o
aparecimento de novos pinus, a vegetação nativa pode se regenerar
completamente porque ainda há muita restinga ao redor.
— Se cortar o pinus na fase inicial é pior, porque ele brota, o ideal é
esperar chegar até 3 ou 4 anos e daí retirar – explica o pesquisador.
Magno Vinícius Ubá de Andrade, da Cidasc, aposta no processo de regeneração
natural do ecossistema.
— Faremos um processo de adensamento na medida em que for preciso e, se não
houver a regeneração, temos um viveiro para produzir mudas – afirma.
A medida provavelmente será necessária. De acordo com Fernando Bechara, não
basta retirar todos os pinus e deixar a terra nua, o que facilita a
re-infestação. Para recuperar a restinga, serão necessárias técnicas
especiais que o pesquisador testou em 2003, em sua pesquisa de mestrado, e que deram
resultado positivo.
— O mais correto é: a cada hectare retirado, implantar imediatamente
técnicas de restauração. O ideal é a retirada gradual em faixas no sentido
Lagoa-praia, protegendo as áreas dos ventos dominantes. Além disso, deixar
de quatro a 24 árvores de pinus mortas em pé por hectare é uma medida
imprescindível para a restauração da área. Estas árvores servem como
poleiros para aves que trazem sementes nativas formando núcleos de
diversidade, que com o tempo se irradiam por toda a área.
De acordo com Nelson Silva, diretor do Parque Florestal do Rio Vermelho, a
Cidasc está seguindo a cartilha. Os talhões retirados há cinco meses já
foram limpos e está em andamento o anelamento (corte da casca na altura de
80 cm que mata o pinus) para manter os poleiros.
A mesma preocupação, entretanto, não existe em relação às dunas, cuja
vegetação, segundo Bechara, sofre impacto ainda maior do que a restinga por
precisar de mais sol.
De acordo com Silvio Tadeu Menezes, gerente de desenvolvimento florestal da
Secretaria de Agricultura, ainda não existe projeto para combater os pinus que se
alastraram pelas dunas porque elas são áreas de preservação permanente.
— É preciso tomar muito cuidado antes de mexer naquelas áreas – justifica
Menezes.
O problema da re-infestação também não está entre as prioridades dos órgãos
responsáveis, o que pode pôr tudo a perder. A Secretaria de Agricultura não
tem nenhum plano para impedir que os outros 355 mil pinus invadam a área de
onde os atuais 45 mil estão sendo retirados.
— O resto deve vir com o plano de manejo – diz Nelson Silva.
Entidades ambientalistas criticam demora governamental
O impasse em relação ao plano de manejo é justamente o que faz o processo de
regulamentação do parque se arrastar por anos. E, sem o
enquadramento, não há plano de manejo, o que gera um círculo burocrático
vicioso.
Já em 2000 a Cidasc desenvolveu uma sementeira com capacidade de produzir
250 mil mudas para substituir 151 mil pinheiros por espécies nativas de
restinga e mata atlântica. O trabalho deveria ter começado em 2001, mas não
foi adiante porque a área não estava legalizada segundo o Sistema Nacional
de Unidades de Conservação. O entrave persiste até hoje e é alvo de críticas
das mais de 70 organizações não-governamentaos que congregam o Fórum do Parque
Florestal do Rio Vermelho.
Os membros do Fórum lutam há anos para que o parque passe a pertencer ao
grupo das Unidades de Proteção Integral. A justificativa da Secretaria de
Agricultura para a morosidade em regularizar a área era a falta de dados
técnicos, como aspectos topográficos, limites da área, mapeamento da fauna e
flora. Enfim, o levantamento topográfico ficou pronto no início deste ano,
mas o parque continua fora de qualquer enquadramento legal.
De acordo com o promotor Alexandre Herculano Abreu, do Ministério Público
Estadual (MPE), que entrou na briga pelo enquadramento da área junto com o
Fórum do Parque Florestal do Rio Vermelho, o que está havendo é um
problema de comunicação.
— Todos querem que a área se transforme em Parque Estadual, em Unidade de
Proteção Integral. O que existe é falta de entendimento. Todos querem a
mesma coisa e há interesse do governo em regularizar a situação – diz o
promotor.
Para tentar resolver o problema, foi marcada uma audiência pública no dia 17
de setembro, que acabou transferida por falta de quorum. Os ambientalistas
reclamam que a audiência foi pouco divulgada e marcada para um local de
difícil acesso, dentro do parque florestal. Abreu convocou uma nova
audiência para o dia 26 de outubro, desta vez no salão paroquial do bairro
Rio Vermelho.
— Eu mesmo fui avisado da audiência pública na véspera – diz César Shenini,
coordenador do Fórum do Parque Florestal do Rio Vermelho.
Além da demora no enquadramento da área, as entidades ambientalistas questionam
a maneira como está sendo feita a retirada dos 45 mil pinus sem o plano de
manejo. A madeira vendida à empresa Indupinho será transformada em chapas e
compensados e renderá à Cidasc cerca de R$1,6 milhão.
— A ordem natural seria regularizar o enquadramento, formar um conselho
consultivo para elaborar o plano de manejo - com 51% de representação da
comunidade e 49% do governo - para só então retirar os pinus – argumenta
Shenini.
Cidasc reivindica indenização por manutenção do parque
A preocupação da Cidasc é que, depois de regularizada a área, o parque,
junto com a verba arrecadada com a venda da madeira, será administrado pela
Fatma.
— As pessoas esquecem que a Cidasc administrou esse parque por mais de 20
anos, gastando com manutenção –, diz Nelson Silva, para justificar o valor
indenizatório adquirido com a venda da madeira.
Até agosto deste ano, a Companhia era caracterizada como empresa de economia
mista, sendo que, segundo o diretor operacional, 99% das ações eram do
governo e o restante era dividido entre acionistas como a Empresa de
Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina S/A (Epagri), o
BNDES e conselheiros ou diretores da empresa. A partir do segundo semestre,
começou a funcionar como estatal.
Segundo a Cidasc, o dinheiro arrecadado com a venda da madeira irá para
uma conta única do Governo e será revertido em melhorias no próprio parque.
De acordo com a Indupinho, cada pinus custou R$ 35,50, menos que a metade do
que valerá depois de processado, cerca de R$90,00.
Pelos padrões das empresas de papel e celulose, o pinus no Rio Vermelho está
abaixo do valor de mercado. A explicação é que as árvores do parque
florestal não são uniformes, têm altura, idade, diâmetro diferentes e estão
espalhadas de forma desordenada pelo solo.
— Geralmente pagamos de 60 a 70 reais por tonelada de madeira na região do
planalto, e uma árvore pode ter até duas toneladas – diz o presidente da
Associação Catarinense de Empresas Florestais, ressaltando que o valor do
pinus depende de muitos fatores, e que os aplicados ao Parque Florestal do
Rio Vermelho estão de acordo com as condições das árvores na área.
Apesar do drama ambiental que os pinus levaram ao Parque Florestal do Rio
Vermelho, Nelson Silva, administrador do parque, consegue enxergar um lado
positivo em toda esta história. Por causa da espécie invasora instalada há
43 anos, toda a região, incluindo a praia de Moçambique, que tem 7,5 Km de
extensão, foi poupada da invasão do homem.
— É uma zona nobre da ilha, os pinus foram uma barreira natural em uma época
que não havia o menor controle sobre a ocupação da ilha, ainda mais nesta
área aberta, de restinga – faz questão de destacar.
Os pinus, pelo menos, ainda podem ser retirados.