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2005-09-30
Está pronto e deverá ser encaminhado nos próximos dias ao Congresso Nacional, em regime de urgência, um projeto de lei que reorganiza as atribuições dadas às três esferas de poder na análise ambiental de empreendimentos econômicos. O governo federal pretende descentralizar o processo de licenciamento e conceder mais autonomia aos municípios na avaliação de projetos comerciais e industriais, hoje feita principalmente pelos órgãos estaduais de meio ambiente.

Um dos objetivos da medida é tornar mais ágil o trâmite das análises, desafogando o Ibama e as secretarias estaduais, além de evitar que os processos entrem na Justiça - resultado de um confronto cada vez mais comum entre empresas, governo, organizações não-governamentais e Ministério Público.

À primeira vista é uma boa idéia, até porque as pilhas de processos que aguardam análise nos órgãos ambientais não param de crescer, mas a adoção das mudanças propostas pode ter eventuais dificuldades, dizem especialistas.

— As experiências de descentralização no licenciamento não têm mostrado sucesso porque o nível de pressão sobre os técnicos é muito grande - adverte Rasca Rodrigues, presidente do Instituto Ambiental do Paraná, lembrando que nos pequenos municípios pode haver excessiva proximidade entre o poder público e os interesses econômicos.

— Talvez se possa descentralizar primeiro em grandes concentrações urbanas, onde a fiscalização da sociedade é maior - opina Rodrigues.

O projeto de lei complementar que será remetido à Câmara dos Deputados visa regulamentar o artigo 23 da Constituição. Foi redigido pelo Ministério do Meio Ambiente, após consultas com agentes do setor ao longo dos últimos meses e aguarda apenas um último aval da Casa Civil. O artigo 23 fala sobre competências comuns à União, Estados e municípios. Entre essas, está a proteção ao meio ambiente, mas quem cuida do quê nunca foi algo claro o suficiente para eliminar dúvidas.

Por isso, o Ibama já teve que se dedicar ao licenciamento de quiosques de praia no litoral paulista, porque a orla marítima é um bem da União. Da mesma forma, órgãos estaduais freqüentemente precisam se debruçar sobre a análise de projetos de baixíssimo impacto ambiental, como oficinas mecânicas - um trabalho que poderia ser feito pelas prefeituras.

Resultado: enquanto poucos municípios se dedicam à avaliação ambiental de empreendimentos econômicos, as secretarias estaduais acumulam montanhas de processos. No Paraná, entram mais de 24 mil pedidos por ano. O Ibama concedeu 222 atestados de viabilidade ambiental no ano passado, um recorde para a instituição, mas isso de pouco serviu para diminuir a avalanche de requerimentos à espera de análise.

Para acabar com essa confusão, um dos pontos essenciais do projeto de lei é definir que apenas a extensão do impacto ambiental será levada em conta no momento de determinar se um projeto é de atribuição federal, estadual ou municipal. Hoje, dois critérios balizam a responsabilidade ambiental sobre um empreendimento: além do impacto, considera-se o princípio de dominialidade - a titularidade do recurso natural explorado.

— Uma grande parte do processo de judicialização está relacionada à zona cinzenta do licenciamento. De 60% a 65% dos empreendimentos econômicos licenciados têm impacto local e podem ser analisados por prefeituras, mas pressionam os órgãos estaduais de meio ambiente - observa o secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, Cláudio Langone.

O projeto preparado pelo ministério deverá evitar situações como a do Rodoanel, em São Paulo, em que o Ibama e o órgão paulista de licenciamento bateram cabeça por causa de exigências feitas pelo Ministério Público. Mas não tratará o termo impacto local com rigidez. Os comitês tripartites (com representantes da União, Estados e municípios) que já funcionam em 25 unidades da federação e vêm sendo estimulados pelo governo federal poderão defini-lo.

Prefeituras estão despreparadas para fiscalizar legislação ambiental Poucos municípios possuem. Hoje em dia, capacidade para atuar no licenciamento ambiental. O secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, Cláudio Langone, explica que a intenção é dar mais autonomia às prefeituras, mas ressalva que a diversidade entre regiões não permite uma definição uniforme e rígida do impacto local.

O ministério pretende assinar convênios com 17 Estados, até o fim do ano, para capacitar gestores ambientais e habilitar os municípios a fazer licenciamento. Hoje, só o Rio Grande do Sul tem um bom índice de prefeituras capacitadas: 105. Em Minas Gerais, três cidades reúnem essas condições e em São Paulo, apenas Santo André.

O advogado Álvaro Palma de Jorge, especialista em direito ambiental do escritório Barbosa, Mussnich & Aragão, lembra que a maior autonomia aos municípios pode esbarrar na carência de recursos humanos das prefeituras, bem como na difícil situação fiscal em que se encontram para aparelhar quadros técnicos.

Para ele, o acúmulo de processos nos órgãos estaduais e no Ibama, aumentando a lentidão da análise para o licenciamento, é prejudicial aos investimentos.

— Não deixa de ser uma insegurança jurídica, que em última instância aumenta custos - afirma. Jorge diz que a demanda por licenciamento cresceu nos últimos anos por quatro motivos: uma mudança cultural dos empresários e dos consumidores, que se preocupam mais com o meio ambiente; maior atuação dos órgãos ambientais e do Ministério Público; decisão das companhias de evitar passivos ambientais; e o Protocolo Verde.

Se de um lado busca dar mais rapidez ao licenciamento, de outro o governo estuda como apertar ainda mais o crédito para o financiamento de projetos econômicos que ainda não comprovaram ter viabilidade ambiental.

Nesse caso, a idéia é estender o chamado Protocolo Verde para bancos privados. Para isso, basta apenas um decreto, em estágio avançado de elaboração.

O Protocolo Verde, definido pela lei 6.938/81, condiciona a concessão de qualquer incentivo governamental ou crédito de instituições públicas, como Banco do Brasil ou BNDES, a projetos que já obtiveram licenciamento prévio do órgão ambiental responsável. Sem licença, o empresário ainda dispõe da alternativa - geralmente mais cara - de procurar crédito privado. É essa brecha que o governo agora quer vetar. (Valor Online, 29/09)

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