Libertadores de animais da Redenção- Os Trapalhões
2005-09-28
Um grupo de ativistas da recém-nascida Frente de Libertação Animal (FLA), organização
provavelmente inspirada numa do mesmo nome atuante na Europa Animal Liberation Front,
ALF, entrou para a história dos movimentos sociais gaúchos arrombando jaulas no
mini-zôo do Parque da Redenção, em Porto Alegre, e liberando, por algumas horas, um
bando de 10 macacos-prego, um papagaio e uma saracura.
A ação, acontecida na madrugada do dia 4 de setembro, não teve testemunhas. A
repercussão foi mínima entre os freqüentadores do parque, mas a mídia local deu
grande destaque ao nascimento da FLA. O grupo pichou no muro do zôo a frase
enigmático-ameaçadora Não somos brinquedos.
A ação teve mais efeito na mídia do que para os bichos. A liberdade dos macacos
durou pouco. No início da tarde do mesmo domingo, nove deles já tinham voltado ao
cativeiro. No dia seguinte, o último foi recapturado. Desde então, a Polícia Militar
faz rondas discretas no parque, vigiando o zôo. Os policiais estão ali para defender
os bichos. Isso porque desastrada ação da FLA fez vítimas entre os animais que
pretendia salvar. A saracura morreu atropelada na Avenida João Pessoa, movimentada
marginal do parque. O papagaio foi morto pelos próprios macacos, estressados pela
movimentação.
O retorno dos macacos-prego às jaulas foi uma benção para eles. Os bichos teriam
tanta chance de sobreviver sozinhos em pleno centro urbano quanto uma criança de
cinco anos abandonada no meio da floresta amazônica.
Criticada pela imprensa, a FLA divulgou um manifesto pela internet em que condena a
estupidez antropocêntrica de manter animais em jaulas, e tenta explicar a
intenção do atentado que saiu pela culatra: – Temos consciência de que AQUELES
animais poderiam não sobreviver à natureza, pois foram condicionados a uma jaula (os
animais só poderiam retornar ao seu habitat sendo feita uma adequada readaptação).
Mas também temos consciência de que, após a morte de uma das peças deste
pequeno espetáculo, ela será substituída, dando continuidade ao cruel ciclo-,
escreveram. Os integrantes da Frente só se comunicam protegidos pelo anonimato da
rede.
Ações do tipo da FLA gaúcha são consideradas terrorismo ecológico, comuns apenas no
Primeiro Mundo. Lá, visam não apenas zoológicos, mas também laboratórios que
utilizam cobaias, biotérios de universidades e afins – raras vezes, descambam para a
violência contra pessoas.
O pensamento radical aplicado à defesa dos animais é novidade em Porto Alegre. No
mundo, começou na década de 70, pelo trabalho do antropólogo e filósofo australiano
Peter Singer, autor do tratado Libertação Animal, só recentemente lançado no Brasil.
No livro, ele usa argumentos científicos para questionar o tratamento que os
humanos reservam aos animais.
O texto do manifesto da FLA tem influência evidente do pensamento do Singer, quando
estipula que os direitos dos seres são intrínsecos ao fato de que podem sentir, e
não relacionados à sua capacidade cognitiva.
Outro estudioso do assunto, o filósofo Carlos Naconecy, da PUC de Porto Alegre, autor
da obra Panorama crítico da ética ambiental contemporânea, diz que o termo
ecoterrorismo pressupõe o uso de violência, e, portanto, não se aplicaria às
incursões da Animal Liberation Front, a ONG inglesa na qual os ativistas gaúchos
parecem ter buscado inspiração. Agressões a patrimônios materiais, para Naconecy,
não podem ser qualificadas como atos violentos.
Segundo ele, o grupo porto-alegrense errou porque seus integrantes se voltaram para
um zoológico público, lembra o professor. – Um mini-zôo não é prioritário em termos
de crueldade. E a ação resultou na morte de animais-, algo inconcebível para a
mentalidade ativista. Qualquer pessoa sensata seria capaz de antecipar que a
libertação de animais silvestres no meio urbano resultaria num fim trágico para eles.
Isso demonstra, com efeito, uma falha estratégica grave e um erro de cálculo nessa
operação. Mas não desqualifica em termos éticos o seu ideário. Atacam-se coisas para
salvar animais - pois criaturas sensíveis têm mais valor do que coisas. A Ética nos
obriga a isso-, acredita.
Ironicamente, o mini-zôo, que existe desde a fundação do Parque da Redação, há 70
anos, leva o nome da pioneira na defesa dos animais no Rio Grande do Sul, Palmira
Gobbi. A maioria dos animais é levada para lá pelo Ibama, depois de apreendidos em
cativeiro ilegal.
Em julho, o secretário de Meio Ambiente da cidade, Beto Moesch – que utilizou a
defesa dos animais como base de sua campanha política - esteve no parque
oficializando a adoção do zôo por uma empresa de telefonia. As placas do patrocinador
foram pichadas.
A polícia de Porto Alegre considerou o arrombamento das jaulas como um ato de simples
vandalismo. A direção do zôo, precavida, planeja usar guardas municipais em tempo
integral.
Em novembro de 2000, houve também um ataque ao zôo, quando a tela da gaiola dos
macacos foi arrebentada e 18 fugiram – um deles, desacostumado com a vida fora da
jaula, morreu ao cair de uma árvore. Nunca se soube quem fez aquilo. (Liège Copstein,
O Eco, 25/09)