Apesar de rumores, consumo do gás natural segue em alta
2005-09-27
Por Carlos Matsubara
Dizer que o gás natural ganhou espaço no cotidiano do brasileiro não chega a ser nenhuma novidade. O inusitado é que, apesar dos insistentes rumores de um possível desabastecimento e que deixaria milhares de consumidores a ver navios, seu consumo não pára de crescer.
Em agosto o volume foi superior a 42 milhões de metros cúbicos por dia, de acordo com dados já consolidados e divulgados pela Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás). O crescimento em relação ao mês anterior foi de 3,7% e, se comparado ao volume consumido diariamente nos oito meses deste ano com o mesmo período de 2004, a alta chega a quase 11%.
Um dos responsáveis por alavancar o consumo em agosto foi o setor residencial, que comparado ao mês anterior, obteve crescimento de 11,3%, atingindo a marca de 1,2 milhões de clientes em diversas cidades brasileiras. E a perspectiva é de evolução desse segmento já que agora em outubro, por exemplo, o gás natural chegará às torneiras do bairro Moinhos de Vento, em Porto Alegre.
Segundo o engenheiro Luiz Antonio Monza Keller, gerente de Distribuição Urbana da Companhia de Gás do Rio Grande do Sul (Sulgás), para que a distribuição seja iniciada depende ainda de contratação de uma empresa para ligar a rede com as residências. A idéia da Sulgás é entrar no mercado aos poucos, como uma alternativa ao GLP (gás de cozinha). O retorno já está garantido por clientes âncora – o Hospital Moinhos de Vento, que já recebe gás natural, e os clubes Grêmio Náutico União e Associação Leopoldina Juvenil, que já assinaram contrato. A Companhia negocia ainda com o complexo Sheraton-Moinhos Shopping.
Em 2006, a idéia é ampliar a rede para uma grande área do bairro. O projeto ainda está sendo desenvolvido, e deve ser entregue para análise da Prefeitura ainda este ano. Um dos fatores que vai influenciar na adesão ou não ao gás natural é o preço. A Sulgás trabalha com outras companhias para que a Petrobras não aumente a tarifa. Hoje, a Companhia garante um valor 5% a 20% mais baixo que o GLP, dependendo do tamanho e da estrutura do prédio.
A Petrobras, por sua vez, anuncia que pretende reduzir o seu consumo próprio, que cresceu a uma taxa anual média de 20% nos últimos dois anos. Uma das medidas seria reavaliar os descontos dados em 2003 aos clientes, como a companhia gaúcha, o que poderia elevar os preços no já nobre bairro Moinhos de Vento.
Outra medida pensada pela gigante seria o fim dos investimentos em projetos termelétricos a gás natural. Hoje, a companhia detém participação em 10 usinas que, juntas, chegarão a gerar 5 mil megawatts até 2010. Especialistas do setor vem afirmando pela imprensa que uma taxa de crescimento de 20% do consumo de gás é insustentável do ponto de vista de garantia da oferta.
Paralelamente, a estatal gaúcha negocia com Peru um novo gasoduto, para abastecer também ao Chile e a Argentina. Num eventual corte da Bolívia, antes dessas alternativas estarem em funcionamento, haveria ainda um plano de contingência, interrompendo o abastecimento de grandes clientes que podem utilizar outros combustíveis, como carvão e energia elétrica, saída que não é possível nas residências. — De qualquer forma, o cliente residencial é cativo, e terá o fornecimento garantido-, sustenta o engenheiro.
O setor de co-geração é outro que vem se destacando atingindo alto níveis de consumo, quando alcançou a excelente marca de 2 milhões de m³ diariamente no mês de agosto, sendo que em julho o consumo foi de 1,56 milhões de m³/dia crescendo, portanto mais de 28%.
A falta de um planejamento energético com estratégias bem definidas tem sido um dos maiores entraves para o desenvolvimento da indústria do gás natural no Brasil, de acordo com o presidente da Abegás, Romero de Oliveira e Silva. — Existe tempo hábil para a definição de estratégias que venham a dar conforto para os investidores ao invés de simplesmente amedrontá-los. É inconcebível que haja tanto apetite por parte dos consumidores e falte uma política de maior envergadura por parte do Governo Federal em que estimule rapidamente as novas ofertas existentes-, complementa Oliveira.
Para a Entidade é importante reavaliar todas as operações, de maneira que se considere, não somente a otimização do conforto e a minimização dos custos de geração do sistema elétrico, mas que se busque a otimização econômica do conjunto do setor de energia do país - petróleo, gás natural e eletricidade.
Já o presidente da Sociedade de Engenharia, Newton Quites, demonstra preocupação com a falta de definição sobre as perspectivas de maior utilização do gás natural no contexto da matriz energética gaúcha. — Depois de uma arrancada consistente, começam a surgir dúvidas quanto à disponibilidade e preço do gás natural, num processo similar às indefinições que cercaram o programa do álcool-, salienta.
A situação do gás natural no Brasil e no Rio Grande do Sul e seus benefícios para a integração energética foram abordados durante o 2° Eletrisul – Energia Sem Fronteiras, realizado no Centro de Eventos da PUCRS, em Porto Alegre, no último dia 15..
Conforme a diretora da Transportadora Sul-Brasileira (TSB) de Gás, Cláudia Hoffmeister, a demanda brasileira atual do Gasoduto Brasil-Bolívia (Gasbol) está muito próxima do limite, que é de 30 milhões de metros cúbicos por dia. Cláudia Hoffmeiste ressaltou que a previsão é ter déficit de suprimento de 10 milhões de metros cúbicos por dia até 2010, se não for tomada nenhuma providência. — A integração energética permitirá um ganho para todos países do Cone Sul, de ordem econômica e social-, defendeu.
De acordo com Artur Lorentz, presidente da Sulgás, a demanda atual de Gás Natural no Rio Grande do Sul é de 2,2 milhões de metros cúbicos por dia. O abastecimento do Estado é proveniente da Bolívia. — Também estamos próximos do limite, pois utilizamos hoje 2,1 milhões metros cúbicos por dia de gás-, disse.
Gás venezuelano é opção do País
Mais de 8 mil quilômetros de gasodutos cortando todo o território brasileiro, com capacidade de transporte de 150 milhões de metros cúbicos de gás natural e investimentos de US$ 18 bilhões. Gás da Venezuela para abastecer Buenos Aires, Montevidéu, além das Regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sul do Brasil.
O projeto é da Petrobrás e já apresentado ao Ministério de Minas e Energia. O plano é aproveitar as fartas reservas venezuelanas de gás para desenvolver o mercado do Cone Sul.
São 4,15 trilhões de m³, dez vezes as reservas brasileiras. Considerando uma produção local de 80,5 milhões de m³ cúbicos por dia, a Venezuela consumiria só 30% de suas reservas em 40 anos. Com a crise boliviana, que restringiu as vendas de gás para o Brasil, a Argentina e, conseqüentemente, o Chile, Sauer decidiu avaliar a alternativa.
O projeto foi apresentado a então ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, que preferiu apoiar, na época, o transporte do gás peruano do Campo de Camisea, batizado de Anel do Gás. No entanto, o estudo da Petrobras sobre o gás venezuelano, garante que o combustível chegaria ao País com preços competitivos, em virtude do baixo custo da commodity e da otimização dos custos de transporte, reflexo do grande volume transportado na tubulação. Segundo cálculos preliminares, o gás venezuelano pode custar US$ 2,60 por milhão de BTU (medida de poder calorífico), ante US$ 3,60 do boliviano.
O projeto se divide em três etapas. Na primeira, de 4,3 mil km, o gás venezuelano passaria pelo Amazonas e Pará e se conectaria à rede de gasodutos do Nordeste em Fortaleza. Na segunda, uma tubulação de 1,97 mil km sairia de Marabá, no Pará, rumo a Penápolis, em São Paulo, cortando Tocantins, Goiás e parte de Minas Gerais. Em Penápolis, encontraria com o Gasoduto BolíviaBrasil (Gasbol), fechando um anel entre as reservas da Venezuela, Bolívia e Brasil.
A terceira etapa prevê um traçado paralelo à perna Sul do Gasbol, cortando a porção Oeste dos três Estados da região Sul até Durazno, no Uruguai. De lá, dois ramais sairiam para Montevidéu e Buenos Aires. Esse trecho teria capacidade para transportar 50 milhões de metros cúbicos por dia. A extensão para os países do Cone Sul, porém, depende da negociação de tratados multilaterais para garantir o suprimento do combustível mesmo em tempos de crise nos países envolvidos.