Cientistas brasileiros discordam de avaliação internacional de anfíbios ameaçados de extinção
2005-09-26
Pesquisadores da União Mundial para a Natureza (UICN) apontaram o Brasil como detentor de 110 espécies de anfíbios ameaçadas de extinção, mas especialistas brasileiros reivindicam a inclusão de somente 24. A discrepância se deve em parte à adição, na lista internacional, de espécies que contam com pouca informação científica.
— Muitos dos animais que eles dizem estarem ameaçados são, na nossa experiência, muito comuns - afirma Célio Haddad, do departamento de Zoologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro. A controvérsia foi publicada na edição de hoje da revista científica Science.
Um levantamento oficial das espécies ameaçadas no Brasil foi promovido pelo Ministério do Meio Ambiente e coordenado pela Fundação Biodiversitas, o que resultou na Lista da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção. Sugestões de 18 especialistas foram analisadas por um grupo coordenado por Haddad. Ao invés de utilizar essa lista, a Avaliação Global de Anfíbios (GAA, sigla em inglês) promoveu outro encontro de especialistas brasileiros, chegando a uma outra relação de animais ameaçados que difere da lista nacional.
A partir deste levantamento, outras alterações foram feitas para garantir a coerência de critérios entre os bancos de dados das diferentes regiões e que resultariam na análise publicada por Simon Stuart e colaboradores no final de 2004 na Science (306, no 5702).
Segundo os critérios da UICN, quando uma espécie tem distribuição circunscrita ou não é encontrada por um longo período, ela pode ser classificada como ameaçada. Na Mata Atlântica é comum acreditar que os anfíbios estão intrinsecamente ameaçados, visto que foram coletados em áreas restritas e 92% do bioma já foi destruído.
No entanto, Haddad diz que a maior diversidade biológica se concentra em áreas mais acidentadas, menos adequadas à ocupação humana. Além disso, a adaptação dos anfíbios a microclimas específicos não significa que sua distribuição seja restrita, pois uma espécie pode ocorrer em diversas áreas, desde que se procure no ambiente adequado.
A preocupação específica com extinção de anfíbios é justificada, uma vez que esses animais são considerados indicadores biológicos de áreas a serem preservadas. No Brasil eles causam preocupação, pois sua diversidade é alta, sobretudo na Mata Atlântica, onde há altos índices de endemismo (espécies restritas ao bioma).
Stuart explica que há duas perspectivas possíveis ao definir-se espécies ameaçadas: uma baseada em evidência e outra em precaução. A primeira estratégia, que só inclui na lista espécies para a qual se tenha informações claras sobre seu estado de conservação, corre o risco de omitir espécies que poderiam extinguir-se antes que se detecte seu declínio. Por outro lado, a precaução pode levar ao exagero. Segundo o especialista, a UICN prefere adotar uma atitude de precaução, porém realista.
Embora essa postura seja cautelosa e pode incitar à proteção dessas espécies, os especialistas brasileiros discordam dela. Haddad alerta que a inclusão de espécies em listas vermelhas não pode ser feita às cegas, pois sua aparente escassez reflete, principalmente, falta de estudo em campo. Um exemplo é a rãzinha-da-praia (Physalaemus atlanticus), na lista de anfíbios ameaçados, mas que é bastante comum ao longo da costa da região Sudeste (de Santos até Parati), tanto em áreas preservadas como alteradas. A espécie só foi descrita em 2004 e o pouco conhecimento científico acabou, de acordo com Haddad, refletindo uma condição irreal de conservação.
De acordo com o especialista brasileiro, a inclusão em listas vermelhas, até agora, não resultou na maior proteção de sapos, rãs e pererecas no país. Novas áreas de proteção não foram criadas na Mata Atlântica apesar do rápido declínio de espécies alardeado pela UICN, e em poucos casos o financiamento de pesquisas é designado ao estudo de animais ameaçados. Um desses casos é o de Cínthia Brasileiro, pesquisadora da Unicamp, que obteve financiamento pela Fundação Biodiversitas para seu estudo da perereca-de-alcatrazes (Scinax alcatraz), que só existe na ilha de Alcatrazes e corre risco de extinção. (ComCiência, 23/09)