Artigo: Ameaças aos ambientalistas
2005-09-26
Por Sílvia Franz Marcuzzo*
Risco de vida, morte, calúnia, difamação, assédio
moral, ações na Justiça... São inúmeras as ameaças a
ambientalistas. E não é apenas na Amazônia, isso
ocorre em plena área da Mata Atlântica, onde vivem 80%
da população brasileira.
O caso mais emblemático, que atraiu a atenção da mídia
internacional, foi o assassinato da Irmã Dorothy
Stang, em fevereiro deste ano, no Pará. Dez dias
depois, o defensor da Reserva Biológica do Tinguá, no
Rio de Janeiro, Dionísio Ribeiro, foi assassinado por
palmiteiros.
Há outros casos em que o perigo é iminente, onde as
ameaças ainda não se concretizaram. Tem ambientalista
que não sabe mais o que fazer para manter a própria
segurança e a dos seus familiares.
Em Santa Catarina, a perseguição, as ameaças e os
tiros abalam até a liberdade de imprensa. Em 23 de
março deste ano, o jornalista Maurício Melato Barth
teve as pernas cravejadas de balas, depois de ter
publicado em seu jornal uma matéria denunciando a
construção de um edifício em plena areia da praia, com
autorização da prefeitura do município de Itapema.
Nelson Wendel, autor do parecer técnico que aponta a
ilegalidade da obra, lembra que até hoje o jornalista
se encontra em recuperação e passa por dificuldades.
Enquanto aguardam o resultado do inquérito, Maurício e
sua família estão escondidos. O jornal teve a
circulação interrompida.
Outras situações já ocorreram há mais tempo e também
não foram solucionadas. Em agosto de 2003, Norberto
Hess, então secretário do Meio Ambiente do município
de Maraú, no Sul da Bahia, foi atacado por
caminhoneiros que transportavam madeira irregular, ao
registrar o flagrante com sua máquina fotográfica.
Levou uma surra que deixou seus braços sem movimento.
Ele se recuperou fisicamente há meses, mas o trauma
ainda permanece.
Seus agressores não foram presos, voltaram para a
fazenda onde moravam e ainda espalharam na região que
estariam prontos para pegá-lo de novo. E o pior é que
eles continuam serrando e vendendo madeira ilegal.
Hess acha que a polícia não tem interesse em resolver
a questão. O Ibama também não prendeu o caminhão com
as toras. Segundo ele, o veículo permanece abandonado
à beira de uma pequena estrada.
E quem tenta salvar espécies que serão destruídas
também sofre conseqüências inimagináveis. Em agosto
deste ano, Rodrigo Agostinho, fundador do Instituto
Vidágua, e o secretário executivo da entidade, Ivan de
Marchi, quase foram presos porque coletaram algumas
bromélias de uma área que estava sendo desmatada e as
levaram para o Jardim Botânico da cidade. A área
devastada era uma mata de transição entre a mata
atlântica e o cerrado, que foi destruída por um trator
de esteira e correntes, em Bauru, no interior de São
Paulo.
O proprietário procurou a polícia e acusou os dois
ambientalistas de furto, com base no artigo 155,
inciso IV, do Código Penal. A mata de 30 hectares foi
derrubada para a construção de um loteamento de luxo.
O dono da terra ainda mandou cópia do Boletim de
Ocorrência para a imprensa local, apontando-os como
ladrões. E em São Francisco de Paula, no Rio Grande do
Sul, o proprietário de uma Reserva Particular de
Patrimônio Natural e os pesquisadores de sua área
também estão ameaçados de morte. Rogério Mongelos,
Lisiane Becker, responsável técnica da Unidade de
Conservação, e demais integrantes da equipe foram
obrigados a suspender as pesquisas na região porque um
vizinho, que costuma derrubar a mata e alargar
estradas por sua própria conta, não deseja a
realização do levantamento.
As ameaças se agravaram porque o grupo está tentando
retomar os trabalhos, suspensos há cerca de dois anos.
Esse vizinho disse diretamente aos pesquisadores que
iria passar o facão em quem voltasse ao local, isto
é, na própria RPPN, distante sete quilômetros de
Taquara, na região metropolitana de Porto Alegre.
E mesmo quem não está no meio da mata vem sofrendo
represálias. A ambientalista Miriam Prochnow e seus
familiares, que já foram sentenciados à morte e
tiveram que ser protegidos, inclusive pela Anistia
Internacional, estão sofrendo várias formas de assédio
moral. No início deste ano, ela foi chamada de
Guerrilheira Verde por uma revista de circulação
nacional, porque denunciara a fraude do Estudo de
Impacto Ambiental da Usina Hidrelétrica de Barra
Grande, na divisa entre Santa Catarina e Rio Grande do
Sul.
Hoje Miriam e outros ambientalistas de entidades como
a Associação de Preservação do Meio Ambiente do Alto
Vale do Itajaí, de Santa Catarina, o Mater Natura, a
Rede Verde e a Sociedade de Pesquisa em Vida Silvestre
(SPVS), do Paraná, estão sendo acusados de integrar
uma quadrilha ambiental. Parlamentares e políticos
ligados a madeireiros e grileiros têm difamado a
atuação da ambientalista, que ocupa pela segunda vez o
cargo de coordenadora-geral da Rede de ONGs da Mata
Atlântica.
O que ela e os demais membros de entidades querem é
simplesmente preservar o ecossistema mais ameaçado da
Mata Atlântica, a floresta com araucárias, do qual
restam menos de 3% da mata original. O grupo formado
por representantes não apenas de organizações
não-governamentais, mas também de universidades,
órgãos públicos e do setor produtivo, sabe como é
importante a criação urgente de Unidades de
Conservação em Santa Catarina e no Paraná. Florestas
como essas estão à beira da extinção e só apresentam
fragmentos representativos nesses dois estados.
Esses são apenas exemplos de algumas formas de
retaliação, que tentam forçar o silêncio, barrar a
ação de pessoas preocupadas em preservar parte dos 8%
que ainda restam da Mata Atlântica. Os protagonistas
clamam por justiça. Não apenas quando a pressão vem de
fora, das forças da comunidade internacional. Eles
ainda acreditam que, ao invés de virarem nome de praça
ou parque em algum canto deste país, é melhor
continuarem lutando em defesa do patrimônio
socioambiental do Brasil.
*SÍLVIA FRANZ MARCUZZO é jornalista. (O Globo, 23/09)