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2005-09-22
A floresta que o ecologista Chico Mendes defendeu sacrificando a própria vida está em chamas. Seringueiros choram a destruição das árvores, de onde sempre tiraram o sustento. Seringueiras, castanheiras, roçados e pastagens vão sendo consumidos pelo fogo que escapou do controle nas queimadas de pastagens e derrubadas feitas para o plantio pelos pequenos e grandes produtores.

O fogo, que não atinge mais de um metro de altura, vai queimando, sem pressa, as folhas e galhos que forram o chão da floresta bruta. A chama forma cordões contínuos que se estendem por quilômetros. Por toda parte, jabutis, macacos, tatus, preguiças e outros animais estão sendo mortos pelo primeiro incêndio florestal já registrado no Acre.

A informação dada pelos seringueiros é de que os primeiros focos de incêndio começaram a ser notados há cerca de 40 dias e que só agora seus focos estão entrando na Reserva Extrativista Chico Mendes, a maior do Brasil.

A falta de chuva e as mudanças no clima, cuja umidade do ar está na faixa dos 30%, quando o normal para esta época estaria entre 60 a 80%, além de vendavais constantes, ajudam o fogo a se espalhar pela floresta. Como se não bastasse, colonos, posseiros e fazendeiros teimam em atear fogo em seus roçados e pastos, apesar da proibição.

Vinte soldados do Corpo de Bombeiros lutam como podem contra o fogo que está sendo combatido manualmente com o uso de abafadores e de bombas costais, com as quais atiram jatos de água nos braseiros dos tocos e galhos. Árvores ocas e secas que incendeiam e atiram faíscas ao vento estão sendo derrubadas para que não possam reacender os focos já apagados.

Dezenas de focos de incêndio

Ninguém sabe ao certo quantos focos de incêndio existem nas florestas de Xapuri, mas eles vêm se multiplicando a cada dia. A cada hora chegam ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri os seringueiros dando conta de que o fogo está consumindo a floresta nos seringais Filipinas, onde vivem 50 famílias, Sibéria que tem 20 famílias, Boa Vista com 58, Lua Cheia, com oito, Porto Franco, com 20 famílias, e Projeto de Assentamento Extrativista Tupã, onde vivem 60 famílias.

Um grande incêndio também estaria consumindo o seringal Espalha, que já pertence ao município de Sena Madureira e está localizado a dois dias de caminhada de Xapuri.

— Pelo que a gente sabe, o primeiro incêndio começou pela região do seringal Porto Franco há uns 40 dias, quando um rapaz foi queimar uma casa de caba numa derrubada. De lá para cá o fogo atravessou para o Boa Vista e outros ao longo de mais de oito quilômetros por pelo menos dois quilômetros de largura. Ele vai devagar, mas não pára - explicou Pedro Celestino da Silva, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri.

Seringueiros vêem incêndio como castigo
— Eu maldo que isso é o fim dos tempos. A humanidade tem desrespeitado muito a natureza e agora está aí o resultado, e só Deus sabe onde é que isso vai parar.

A afirmação foi feita pelo seringueiro Antônio Lopes, 64, que aos cinco anos chegou ao Acre vindo do Ceará com o pai para cortar seringa na região do rio Iaco.

Ele mora na colocação Redenção, no seringal Floresta, e viu o fogo consumir pelo menos 30 de seus 34 hectares de pasto deixando 86 cabeças de gado sem ter o que comer.

— Faz mais de um mês que esse fogo começou. É misterioso, ninguém sabe direito onde começa, o certo é que chegou aqui. Nunca vi uma seca tão grande, o fogo entra pelas tabocas e elas começam a explodir, parece um tiroteio de guerra com metralhadora e tudo.

Aldelice Souza de Lima, 43, não conseguia esconder a apreensão com relação ao incêndio que está destruindo a floresta. Ela mora na colocação Bom Princípio I, no seringal Floresta, a primeira dentro da Reserva Extrativista Chico Mendes.

— Moro a dez minutos de onde o fogo está, no ramal da Pimenteira, e se ele entrar aqui vai queimar as mais de 800 seringueiras que nós temos e estamos preparando para vender o leite à fábrica de camisinhas que estão montando em Xapuri. Quando o fogo pega a seringueira ela nunca mais dá leite que preste - lamentou.

O seringueiro José de Oliveira, 71 anos, pai de 17 filhos, morador da colocação Cubiu, no seringal Floresta, recorda que nos últimos anos o fogo começou a passar das derrubadas mata adentro, mas não avançava muito.

— Neste ano não chove, as fruteiras estão morrendo, o ar está seco e o fogo corre por dento da mata. Só nesta ponta que queimou perdi 50 seringueiras. Os bichos estão sofrendo, jabuti morre mais fácil porque tem carreira pouca. Só numa colocação acharam mais de 40 deles queimados.

O fazendeiro Fábio de Almeida, 25 anos, proprietário da São Jorge, propriedade localizada na entrada do ramal Pimenteira, viu o fogo consumir seus 130 hectares de pasto, deixando 250 cabeças de gado sem ter o que comer.

— Só sobrou cinza, além do prejuízo das estacas e outras coisas que foram destruídas pelo fogo. Mas o que eu quero saber é o que será feito com esse pessoal irresponsável que foi fazer queimada com um tempo desses. Esse pessoal precisa ser punido - revolta-se.

O gerente de desmate e queima do Instituto do Meio Ambiente do Acre (Imac), Ivo Péricles, foi a Xapuri conferir pessoalmente a situação dos incêndios para poder programar o esquema de combate ao fogo.

— Nossa maior preocupação nesse momento é o de que os incêndios estão se espalhando porque as pessoas simplesmente ignoram a proibição de queimar. Como as multas não estão adiantando, é preciso que sejam punidas com mais rigor porque estão praticando um crime ambiental - declarou.

Comprado com recursos liberados pelo financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) o caminhão Mercedes Benz, mais conhecido como Autobomba Tanque Florestal (ABTF), além de ter tração nas quatro rodas e ter sido criado especialmente para combater incêndios florestais, está sendo inaugurado pelo Corpo de Bombeiros em Xapuri.

A viatura vai ficar com o pelotão de combate a incên-dios florestais que será construído ainda neste ano. Na semana que vem chegam a Rio Branco os especialistas em combate a incêndios florestais da Defesa Civil Nacional. Ontem foi realizado o teste físico com os soldados do Corpo de Bombeiros, Polícia Militar e soldados do Exército, que receberão um curso de duas semanas.

— Esta viatura é muito boa. Carrega quatro mil litros de água e tem bombas especiais para combater incêndio na floresta. O problema é que esses incêndios estão muito dentro da mata, onde não dá para chegar com ele. Por isso a maior parte do combate ao fogo está sendo feita manualmente, mas estamos vencendo - explicou o tenente Glácio, que está no comando de 19 soldados e vem contando com a ajuda dos seringueiros que atuam como voluntários.

Munidos de uma boa viatura e boa vontade, os bombeiros não estão recebendo apoio da prefeitura, nem mesmo o básico de outros órgãos oficiais. Tanto que quando retornaram do combate ao fogo na noite de segunda-feira não havia nem mesmo um alojamento para passarem a noite. Também não há esquema de distribuição de alimentos para os que estão combatendo o fogo.

A balsa que usaram para atravessar o rio Acre do centro de Xapuri ao bairro Sibéria afundou. A maioria das pontes e bueiros mal suporta a passagem do caminhão-tanque que se desloca para combater os focos de incêndio. (Página 20 – Acre, 21/09)

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