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2005-09-21
O governo não terá toda a energia hidrelétrica que previa para abastecer o país a partir de 2010. O novo modelo do setor elétrico estabelece que, antes da licitação, as usinas precisam ter licenciamento ambiental prévio. Até o momento, o governo conseguiu licenciar aproximadamente 21% da energia hidrelétrica que pretende licitar até dezembro. Ontem, o governo conseguiu a liberação de mais uma usina: Simplício, no Rio de Janeiro, com capacidade de gerar 328,4 MW.

Nem todos os empreendimentos, no entanto, devem sair. Para conseguir a liberação ambiental de alguns deles, a quantidade máxima de energia que as usinas poderiam gerar terá que ser menor do que a inicialmente projetada.

A princípio, o plano do governo era licitar um lote de 17 hidrelétricas, consideradas as mais viáveis do ponto de vista ambiental, após a análise de uma lista que continha 35 empreendimentos. Desse total, a lista hoje conta com 14 usinas. Dessas, apenas quatro já foram licenciadas. Em termos de energia, o total pronto para ir a leilão é de 596,4 MW, de 2.829 MW previstos inicialmente.

Para especialistas ouvidos pela Folha, a redução da quantidade de energia hidrelétrica poderá causar aumento de custo, porque, no lugar das hidrelétricas, entrarão termelétricas, mais caras. Outra conseqüência possível é a eventual falta de energia, dependendo do crescimento da economia. Eles recomendam uma revisão da legislação ambiental.

— No ano passado, já dava para prever dificuldades em 2007 e 2008, não necessariamente racionamento. Haverá, sim, aumento do custo da energia, por conta do aumento da geração termelétrica. É preciso lembrar que o gás natural vai ficar mais caro - diz Afonso Henriques Moreira Santos, presidente da SBPE (Sociedade Brasileira de Planejamento Energético), ex-diretor da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) e ex-secretário de Energia do Ministério de Minas e Energia, cargos ocupados no governo Fernando Henrique Cardoso.

— Pode haver racionamento, se não houver contenção de consumo. O quadro é muito pior do que se imagina. Não há investimentos novos, há muitos encargos que encarecem a co-geração. É mentira que está tudo resolvido - afirma. Para ele, com a realidade ambiental de hoje, não é possível pensar apenas em hidrelétricas. Há um erro conceitual em concentrar esforços em hidrelétricas.

Limite - — Estamos no limite ambiental para hidrelétricas, é preciso aumentar o leque de oferta. Ainda há o que fazer, mas é preciso diversificar. O cenário é diferente do da década de 1970, quando se fazia a usina de qualquer maneira - diz. Apesar de afirmar que não se pode culpar setores ligados à defesa do ambiente, ele defende uma legislação mais flexível.

Para o consultor Roberto Pereira DAraújo, que já trabalhou em Furnas e na Eletrobrás, há uma contradição na sociedade no que diz respeito a usinas hidrelétricas.

— A sociedade é contraditória: quer energia, mas não quer usinas perto dela - Ele critica a posição do governo de dizer que não há problema por haver oferta de energia de outras fontes, como a biomassa.

— Há certo otimismo ou romantismo com fontes alternativas, como a eólica [vento] e a biomassa [bagaço de cana].

Ele afirma que seria achismo dizer se haverá racionamento a partir de 2010, mas também avalia que deverá haver aumento de custo.

— Ou vai faltar energia ou vai ficar cara. O que é lamentável, porque hoje o brasileiro já paga tarifas muito altas.

Para DAraújo, a legislação ambiental de hoje precisa ser revista.

— A lei está muito restritiva porque é uma reação à forma de exploração anterior, que foi autoritária, quando se fazia a usina de qualquer maneira - diz.

Governo - Para o secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, Cláudio Langone, não é necessário mudar a lei ambiental para tornar mais ágeis os licenciamentos nem é possível culpar as áreas de proteção ao ambiente por problemas futuros no abastecimento ou no custo da energia.

— Há usinas que têm licenciamento e as obras não começaram. Essa é uma questão que nós consideramos relevante discutir - afirma o especialista.

Segundo ele, o fato de a legislação criminalizar o servidor público responsável pelo licenciamento não é um problema.

— Essa argumentação é ridícula. Para nós, é totalmente irrelevante. Essa idéia de que o técnico não decide porque tem medo de ser processado é totalmente irrelevante, não é uma questão expressiva e não seria adequado propor alteração da legislação - disse.

Já o Ministério de Minas e Energia afasta os riscos levantados pelos especialistas.

— A expectativa é que a gente chegue nas 14 usinas. A previsão é a de que o licenciamento saia a tempo do leilão de dezembro - disse Márcio Pereira Zimmermann, secretário de Planejamento Energético do ministério.

Ele admitiu, no entanto, que, na falta de hidrelétricas, a demanda terá que ser atendida por outras fontes.

— Qualquer empreendimento grande, se não sai a licença, causa impacto porque você tem que atender à demanda com outra alternativa - disse. (Folha de S.Paulo, 20/09)

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