Artigo: Política ambiental de Lula
2005-09-16
Por Fernando Gabeira (*)
Quando o Lula se candidatou, pela quarta vez, à presidência, em 2002, o
Partido dos Trabalhadores já tinha uma história de luta pelo meio ambiente.
Do Acre, onde o seringueiro Chico Mendes morreu, tentando evitar o
desmatamento, ao extremo sul do país onde se denunciavam as plantações
ilegais de soja geneticamente modificada, o PT era uma referência nacional
para os que resistiam ao processo de destruição.
O conjunto dessa experiência nacional foi sistematizado num programa,
lançado às vésperas da eleição, em Santo André, no interior de São Paulo.
Lula chegou à cerimônia de helicóptero, fez um breve discurso de apoio e
levou consigo um exemplar da proposta, amadurecida ao longo de inúmeras
discussões entre os militantes.
Um dos conceitos mais importantes desse programa era o da transversalidade.
Se o meio ambiente fosse tratado como um setor estanque, sem contato com os
demais, pouco se poderia fazer. Era necessário superar a fase em que as
questões ambientais eram tratadas depois de tudo; mais ainda, era necessário
conceber um programa onde a ecologia não fosse apenas um simples enfeite,
cereja do bolo. Portanto, a idéia central era empolgar todos os setores do
governo com as preocupações ecológicas.
O conceito não nasceu apenas da observação de outras experiências, como a
dos paises nórdicos, onde existe uma sintonia maior entre a política
econômica e a ambiental. O governo anterior ao de Lula, dirigido por
Fernando Henrique Cardoso, produziu um programa de crescimento em quinze
frentes, intitulado Avança Brasil. Por desconsiderar a variável ambiental na
fase de planejamento, muitos dos projetos foram bloqueados na Justiça,
causando perda de tempo e de dinheiro.
Como naquele momento, no segundo semestre de 2002, a vitória do líder
sindical parecia assegurada, esperava-se, com certeza, o início de uma nova
era na política ambiental brasileira. Essa expectativa foi reforçada após a
vitória eleitoral, quando ele anunciou nos Estados Unidos o nome do novo
ministro para o setor: a senadora Marina Silva, do Acre, companheira de
Chico Mendes nas lutas de resistência à destruição da floresta.
Marina Silva, eleita pelo PT, já havia se destacado no Senado, vinha de uma
família de seringueiros, alfabetizou-se já adolescente, tornou-se um nome de
respeito internacional, daí o anúncio de sua escolha ter sido feito na
primeira viagem de Lula após a eleição. Ela foi contaminada por mercúrio na
juventude, um tipo de contaminação comum na Amazônia, onde existem muitos
grupos de garimpeiros usando mercúrio para separar o ouro no leito dos rios.
As peças se encaixavam com perfeição: uma história de lutas ambientais, um
bom programa e um nome para o Ministério do Meio Ambiente aclamado por
unanimidade.
Os primeiros meses de governo varreram as ilusões dos que votaram em Lula
desejando algo novo na política ambiental. A primeira medida foi autorizar a
importação de pneumáticos usados, do Paraguai e Uruguai. São paises que não
produzem pneus. Uma única fábrica uruguaia estava em crise profunda. Todos
perceberam que os dois paises do Mercosul iriam importar esses pnemáuticos
usados e redirecioná-los para o Brasil. Era uma decisão negativa para o meio
ambiente. De um ponto de vista de segurança aumentava o risco de desastres,
pois as estradas brasileiras estão semidestruidas; do ponto de vista de
saúde, aumentava o número de pneumáticos velhos jogados nas ruas,
armazenando água de chuva e atraindo o mosquito que propaga a dengue.
Finalmente, era péssimo para as fábricas de pneumáticos brasileiros que não
abririam novos postos, no mesmo ritmo de antes.
Aquilo ainda era pouco para duvidar da política do Partido dos
Trabalhadores. Afinal, uma só medida equivocada pode ser um acidente de
percurso. Numa viagem à região do Pantanal de Mato Grosso, uma espécie de
santuário ecológico para onde convergem turistas nacionais e estrangeiros,
Lula fez um discurso defendendo a industrialização daquela área.
O impacto desse discurso foi grande entre os que conhecem o Pantanal de Mato
Grosso (¹), um ecossistema frágil, com rios ameaçados, constantemente
invadidos por caçadores de pele de jacaré. Todos imaginavam a região
crescendo dentro de um projeto de desenvolvimento sustentável, adaptado a
sua singularidade. Em termos de proporções foi tão forte quanto a decisão de
George Bush de explorar petróleo no Alasca.
Discursos, medidas isoladas como a de importacão de pneumáticos usados ainda
não eram o bastante para convencer que algo havia mudado essencialmente na
trajetória do Partido dos Trabalhadores. Somente no segundo semestre de 2003
surgiu a decisão que liquidava com todas as dúvidas. O governo Lula decidiu
legalizar, através de uma medida unilateral, as plantações clandestinas de
soja geneticamente modificada, no sul do país.
O programa de governo previa uma moratória na plantação de transgênicos no
Brasil até que se concluíssem os estudos sobre sua repercussão no meio
ambiente e saúde humana. A Constituição previa que medida desse tipo,
liberação de transgênicos no ecossistema, só poderia se realizar depois de
um estudo de impacto ambiental.
As sementes, contrabandeadas da Argentina, davam a vitória à multinacional
Monsanto, que já estava dentro do país, lutando para dominar o mercado, não
apenas com suas sementes mas também com seu defensivo, na base de glifosato.
Sem estudo de impacto ambiental, sem sequer levar à prática a diretiva,
aprovada no Parlamento, de rotular os produtos geneticamente modificados, o
Brasil entrou numa nova e incerta fase. Tanto os produtores de soja
convencional como os de soja orgânica temiam pela contaminação de seus
produtos. Um estado brasileiro, o Paraná, chegou a se declarar livre de
produtos geneticamente modificados, impedindo que transitassem pelo seu
porto.
Lula conhecia a delicadeza do tema. Ele o discutiu inúmeras vezes, não
apenas com ecologistas mas também com o Movimento dos Sem Terra. Ele
conhecia tão bem a dimensão do seu recuo que resolveu sair do país no
momento em que a medida provisória seria assinada. Desta forma, a
responsabilidade oficial pela medida ficou com o Vice-Presidente da
República, José de Alencar. Industrial do ramo têxtil, José de Alencar
afirmou que se sentia um pobre homem do interior tendo de decidir um tema de
tal complexidade.
Meses depois, pressionando um Congresso bastante flexível à sua orientação,
o governo aprovou uma lei de biossegurança que garante a entrada dos
produtos geneticamente modificados, desde que examinados por uma comissão de
cientistas, de um modo geral, simpática à engenharia genética.
Para aprovar a plantação de transgênicos, o governo colocou no mesmo projeto
de lei a aprovação de pesquisas científicas com células tronco, mobilizando
centenas de portadores de doenças graves, esperançosos de uma cura pela
genética. O debate acabou sendo polarizado em torno das pesquisas com
células tronco, algo distinto de alimentos geneticamente modificados. A
oposição à pesquisa com células tronco estava limitada a alguns grupos
religiosos, católicos e evangélicos, assim mesmo os mais radicais.
Com suas dimensões o Brasil tem condições de abrigar transgênicos,
convencionais e orgânicos, em sua produção agrícola. Entretanto, assim como
no nuclear, o governo não tem recursos para importar uma tecnologia mais as
medidas de segurança que requer. No caso dos transgênicos, a incapacidade de
rotular, de segregar, de transportar isoladamente, pode comprometer o
objetivo de produzir outras modalidades de alimentos, pelo potencial de
contaminação.
Quando se formou uma aliança entre os verdes de dentro e fora do PT com os
líderes sindicais, o modelo que estava na cabeça de todos era uma coligação
verde-vermelha, que estava no poder na Alemanha, ou mesmo a que passou pelo
governo da França, durante Lionel Jospin.
Dentro desse modelo, os trabalhadores representariam o lado vermelho, a
social-democracia, embora as características do PT não sejam idênticas às
dos partidos europeus, exceto na sua fase mais heróica, quando conduziram
países como a Suécia, na difícil fase do pós-guerra.
A grande surpresa foi constatar que os dirigentes do PT, uma vez instalados
no poder, não se comportavam diante da questão ambiental como
social-democratas. Sua visão de mundo, nesse aspecto particular,
assemelhava-se mais a dos partidos comunistas do leste europeu, que pregavam
um crescimento a todo vapor, independente de suas conseqüências.
De uma certa forma, isto era compreensível. Um partido forjado nas lutas por
emprego e crescimento econômico teria uma tendência natural a enfatizar o
desenvolvimento. Mas o que ninguém esperava era que fossem subestimar a
variável ambiental.
Um argumento importante para suavizar o desempenho do Partido dos
Trabalhadores é se afastar desses episódios isolados, e examinar, com
frieza, como se comportou diante de dois grandes problemas ambientais no
Brasil: o desmatamento na Amazônia e falta de saneamento básico nos grandes
centros urbanos do país.
Também nesses dois campos, não foram registrados avanços. Os índices de
desmatamento anuais rondam os 26 mil quilômetros quadrados, uma extensão que
o próprio governo considera intolerável e que tende a crescer com o próprio
ritmo da economia brasileira.
O saneamento básico, cuja ausência repercute na vida de nove milhões de
crianças brasileiras, iria ser regulamentado por lei. Mas o governo não
conseguiu, em quase três anos, formular uma proposta definitiva ao
Parlamento. As últimas pesquisas do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatistica), realizadas em 5500 municípios brasileiros, indicam que o
problema foi considerado o mais grave de todos, por 53 por cento dos
prefeitos.
A hesitação do governo diante do tema deriva também das contradições entre
as diferentes correntes de governo. Há dúvidas se o serviço de saneamento
deve ser particular ou estatal. Há dúvidas também sobre quem se encarregará
dele, se o Estado da Federação, se são os Municípios ou consórcios de
Municípios.
Considerando que este é um problema que a Inglaterra resolveu no curso de
sua revolução industrial, o Brasil, equacionando-se a partir de agora, já
estará muito atrasado.
Cerca de 70 por cento das doenças atendidas em hospitais brasileiros derivam
de contaminação hídrica. A própria Organização Mundial de Saúde já teria
advertido o país de que cada dólar investido em saneamento público
representa uma economia de quatro dólares nos gastos com saúde.
Nessa questão nacional, portanto, estagnou-se perigosamente. Na
internacional, isto é, no maior problema ecológico do planeta, as mudanças
climáticas, houve um retrocesso. O Brasil, que teve um importante papel no
debate que levou ao Protocolo de Quioto, desfez sua equipe de negociadores.
E isto no momento em que poderia aproveitar de sua intervenção, criando
oportunidades para o mecanismo de desenvolvimento limpo. Este instrumento do
Protocolo foi uma sugestão da equipe brasileira e pressupõe a possibilidade
de os países mais avançados reduzirem suas cotas de emissão, através de
projetos nos países emergentes.
O mecanismo de desenvolvimento limpo foi aprovado por interesssar às partes.
Os países emergentes se beneficiariam de capitais para seus projetos, e os
mais ricos reduziriam suas emissões a um preço menor por tonelada de CO2.
As hesitações entre uma nova linha e o programa de governo, hoje quase
totalmente abandonado, estendem-se também à questão nuclear. O primeiro
ministro de Ciência de Tecnologia do governo Lula, um representante do
pequeno Partido Socialista, defendeu o direito do país a construir uma bomba
atômica.
Isso entrou em choque violento com as promessas de campanha, que defendiam
uma auditoria no programa nuclear brasileiro, para calcular os prejuízos
causados pela construção de duas usinas nucleares, em Angra dos Reis, um
balneário situado entre Rio e São Paulo. Estas usinas custaram muito ao
Brasil e funcionam com precários mecanismos de segurança, principalmente as
estradas, que não permitem uma efetiva saída da população em caso de
acidente. A estrada BR 101, durante o verão, tem mais de 100 pontos de
bloqueio potencial, por causa das chuvas e de quedas de barreiras.
Uma comissão da Câmara dos Deputados, criada para avaliar o exercício de
simulação de fuga, em caso de desastre, concluiu que as usinas nucleares
brasileiras sequer tinham, no fim de 1999, uma sirene de alarme forte o
bastante para ser ouvida pelos vizinhos. Este sinal de alarme inadequado
estava ali desde o início da década e não foi mudado por falta de recursos.
Assim como na situação das estradas, este detalhe revela a dramaticidade do
nuclear em países que conhecem apenas os recursos para erguer usinas, mas
não têm fôlego financeiro para criar as medidas de segurança, freqüentes em
países mais avançados e ainda assim questionáveis, dada à natureza do
nuclear.
No momento, trava-se uma luta dentro do governo para se construir uma
terceira usina, no mesmo lugar. Pressionado pelo Partido Verde, o governo da
Alemanha decidiu concluir o acordo nuclear com o Brasil, retirando a
possibilidade de financiar a terceira usina. A impressão que se tem é de
que, obtido financimento em outro lugar, a usina será concluída. Com a
desistência alemã, as esperanças dos que querem construir a nova usina
voltam-se para financiadores franceses.
No ano passado, o Brasil anunciou que detinha a técnica de enriquecimento de
urânio e que estava se preparando para exportar o minério nos próximos anos.
Ignorando a conjuntura internacional no pós 11 de setembro, o país atraiu o
interesse da Agência Atômica Internacional.
Além da exportação de urânio enriquecida ser perigosa num momento em que
terroristas podem construir bombas sujas, com material radioativo, o Brasil
passou a confrontar as autoridades de Viena, pois não queria mostrar seu
reator aos inspetores, argumentando que fez descobertas tecnológicas
preciosas e temia que fossem passadas aos seus concorrentes.
Depois de abandonar seu reator a grafite desenvolvido durante o período
militar, o Brasil construiu outro, desta vez com técnicos da Marinha, com o
objetivo de mover um submarino de propulsão nuclear, projeto semi-paralisado
por falta de recursos. Os avanços feitos nesse campo devem-se ao trabalho
dos técnicos que se dedicam ao projeto do submarino. A tese de que a
tecnologia brasileira contém segredos preciosos foi contestada pelo físico
José Goldenberg, um dos críticos do programa.
De qualquer maneira, a distância entre discurso de campanha e prática de
governo é abissal quando se trata do nuclear. O propósito programático era
fazer uma auditoria nas usinas já construídas para enfatizar não apenas sua
fragilidade em termos de segurança, mas sua péssima relação custo-benefício.
Esse conjunto de decisões que revelaram um outro PT, diferente do que fez a
campanha eleitoral, ficou mais agravado ainda com a política indigenista.
Durante os primeiros anos, o governo recusou-se a demarcar a terra dos
índios. Só em maio de 2005, tomou uma decisão positiva, demarcando uma área
de 1,7 milhão de hectares no Estado de Roraima, na Amazônia, área habitada
por quatro etnias.
Para que chegasse a esta decisão foi preciso uma tragédia. Por incompetência
no trabalho de assistência aos índios, 29 crianças morreram de desnutrição
na região do Mato Grosso do Sul. Pertenciam a etnia guarani-caiuá, 11 mil
pessoas vivendo uma área de apenas 2,5 mil hectares, ao lado da cidade de
Dourados.
O escândalo da morte das crianças indígenas revelou a degradação da própria
política indigenista. Uma comissão especial de deputados visitou a área
constatando que os índios são acossados por plantadores de soja que
envenenam seu ambiente, são explorados pelos comerciantes e, em grande
parte, se refugiam no alcoolismo e no suícidio para enfrentar a decadência
de sua cultura. Só este ano, 15 guarani-caiuás se enforcaram, protestando
contra as condições em que vivem.
No meio de 2005, o governo esboçou uma reação, retomando a iniciativa da
política ambiental. Assim como a demarcação das terras indígenas foi
resultado do desgaste da subnutrição infantil em etnias como os
guaranis-caiuás e xavantes, estava guardada na sua gaveta uma outra bomba:
os índices de desmatamento na Amazônia, em 2004.
Apesar do governo de centro-esquerda, apesar de uma ministra que veio da
própria floresta, o desmatamento, em 2004, como já indicado acima, foi de
26 mil km2, registrando um acréscimo e aproximando-se do recorde histórico,
29 mil km2 em 1999.
Diante desta situação, só restava a ofensiva, para atenuar o desgaste. O
governo enviou, então, para o Congresso um projeto de lei regulamentando a
concessão de florestas públicas para uso sustentável por madeireiras
nacionais e estrangeiras. As concessões serão autorizadas por um prazo de
até 60 anos e o argumento do governo é de que, sem elas, o processo de
desmatamento vai prosseguir, sem vantagens para o país e, sobretudo, de
forma não sustentável.
O projeto foi bem recebido por entidades não governamentais e tudo indica
que sua aprovação ainda será feita, antes do final de 2005. Não há garantia
de êxito, pois em outros países a mesma proposta fracassou. No entanto, com
os recursos tecnológicos para monitoramento, o Brasil tem condições de
garantir o êxito das concessões.
O país dispõe, além de controle de satélites, um sistema de vigilância da
Amazônia (SIVAM), aparato que custou US$ 1,4 bilhão, contendo aviões
próprios, supercomputadores, radares. Esse aparato, potencialmente, é hoje o
instrumento mais poderoso para monitorar a região e está disponível para
outros países que compartilham a Amazônia.
Se considerarmos o fato de que o governo entra agora numa fase eleitoral e
deve se submeter às urnas em 2006, é muito possível que exista uma tentativa
de recuperar a confiança de ecologistas e simpatizantes que votaram no
Partido dos Trabalhadores esperando uma mudança.
O grande problema é que promessas foram feitas em 2002. É possível que novas
promessas enfrentem um certo ceticismo, mas a verdade é que, com um novo
mandato de quatro anos, caso eleito, Lula terá chance de começar de novo.
A tendência, a julgar pelo momento, é usar a questão ambiental para ganhar
votos, não necessariamente dos ambientalistas ou simpatizantes. Um dos
principais temas de campanha será o projeto de Lula de transpor as águas do
Rio São Fancisco para levar água ao semiárido nordestino.
Este projeto tem a oposição do movimento ecológico, divide os técnicos e
inclusive os estados por onde passa o rio. O São Francisco, que nasce em
Minas Gerais, na Serra da Canastra, e desemboca no oceano, já no estado de
Alagoas, no nordeste do país, percorre 2.800 quilômetros, com uma bacia de
640 mil km2.
Considerada a maior obra do governo, se realizada, a transposição do Rio São
Francisco, rio da unidade nacional, pode, dependendo do curso dos debates,
transformar-se no grande tema da campanha da reeleição de Lula. Só que,
quatro anos depois de ter se apresentado com um programa ecologicamente
correto, o tema reaparece no seu discurso de forma simetricamente oposta.
Agora, o significado é o de suplantar os obstáculos ambientais, garantir
água e progresso para uma região semiárida.
O conjunto de seus pronunciamentos revela um presidente focado no
crescimento econômico e no comércio internacional. Assim como se mostrou
disposto a abrir mão de seu programa ambiental, no plano interno, reduziu
também suas aspirações de direitos humanos em escala internacional.
Tanto a questão ambiental como a de direitos humanos tendem a ocupar um
lugar modesto diante da tarefa de atrair capitais e aumentar a exportação
dos produtos brasileiros. Daí a tolerância com o avanço de plantação de soja
na Amazônia, ameaçando ecossistemas e poluindo importantes bacias fluviais,
como a do Xingu; daí a decisão de considerar a China uma economia de
mercado.
A relação com a China é decisiva para o Brasil, pois foi o desastre
ambiental nas províncias do norte, provocado pelo superbombeamento da água
disponível, que reduziu sua produção de grãos e a forçou a buscar mais ainda
o mercado internacional. Estimulados pelos preços internacionais e pelas
necessidades da China, os produtores brasileiros avançam pela Amazônia,
ameaçando não apenas a biodiversidade das matas, mas também as etnias que
ocupam a floresta.
A eleição de Lula significou um esforço para a colocação dos trabalhadores
no governo. Sua perspectiva está ancorada nas aspirações dos operários
fabris, principalmente daqueles da indústria automobilística, para quem a
grande ameaça é queda de produção e fechamento de postos de trabalho.
Os trabalhadores intelectuais, que se juntaram ao PT numa esperança de
convergência em torno da justiça social e da preservação do meio ambiente,
foram lançados ao mar, nessa travessia em busca da aprovação de credores
internacionais e crescimento físico da base produtiva.
O acúmulo de três décadas de debates sobre o meio ambiente, inclusive com a
grande conferência da ONU, em 92, no Rio, não foi perdido para o Brasil.
Embora relegado a segundo plano pelo governo Lula, continua vivo na
sociedade.
Movimentos sociais, às vezes, consomem algum tempo para compreender que o
aliado de ontem pode se tornar o adversário de agora. Era tão grande o
desejo de evolução linear que muitos parecem ainda sonhar, como na frase do
escritor brasileiro Fernando Sabino: no final tudo dá certo; se não deu, é
porque ainda não chegamos ao final.
São as incertezas do próprio processo econômico que podem conduzir,
principalmente, o governo a uma revisão de sua prática ambiental. Isto já
acontece no campo energético, onde a exemplo da Alemanha, foi aprovada uma
lei de estímulo às fontes alternativas renováveis, principalmente a solar em
algumas de suas modalidades, como a eólica e uso da biomassa.
O Presidente Lula interpretou o problema do aquecimento global e altos
custos do petróleo como uma possibilidade para a biomassa brasileira. Daí um
programa de incentivo à produção de biodiesel (na base do óleo da mamona),
mas também um grande esforço para colocar o álcool no mercado internacional,
seja para carros com motor flexível, seja para a mistura do etanol com a
gasolina.
Nesse movimento rumo à energia solar, ele revelou a verdadeira natureza de
seu governo. Não há nenhuma hostilidade ao meio ambiente. Toda vez que
servir aos propósitos de abrir empregos e ampliar a exportação será levado
em conta. Quando for um obstáculo ao crescimento econômico, só com muita
pressão social seus defensores conseguirão demover o governo.
Nesse sentido, as possibilidades estão abertas. Embora tenha tido algumas
tentações autoritárias de controlar a mídia, através de uma lei de imprensa;
a televisão, através de normas para o audiovisual; e a linguagem cotidiana,
através de uma cartilha politicamente correta, o governo é permeável às
pressões, tem recuado quando não consegue sustentar seus erros. Isto quer
dizer que está muito longe de ser uma novidade, mas significa uma
continuidade no processo democrático brasileiro, iniciado com a queda da
ditadura militar.
As promessas de mudança ao cabo dos primeiros anos começam a ser reavaliadas
com serenidade. Eram promessas de uma esquerda que passou muito tempo longe
do poder e trabalhava com uma idéia do Estado superior à sua realidade. Não
se contabilizou, na campanha eleitoral, a redução do Estado nacional, sua
perda de importância no mundo globalizado, nem a escassa autonomia do
político no momento em que o grande esforço é sempre para tranqüilizar os
mercados.
Isto não reduz a responsabilidade dos políticos, mas significa também que
todos exageram um pouco quando sonharam em mudar o Brasil, mudando uma
coligação no governo. Os que lutaram 25 anos para colocar uma nova
composição à frente do país têm de se resignar a considerar, no mínimo, uma
atualização de seus sonhos.
Nota:
(1) O Pantanal do Mato Grosso é uma região de 200 mil km2 e cerca de meio
milhão de habitantes. A Unesco reconheceu a região, um das mais exuberantes
do planeta, como Reserva da Biosfera, em 2000. De um ponto de vista
hidrográfico faz parte da Bacia do Paraguai, constituindo-se numa planície
de áreas alagadas, um mar interior como o descreve a denominação nativa:
Xaraés. Só de aves, há 650 espécies catalogadas, perfazendo mais de 30 por
cento das espécies registradas no Brasil.
* Fernando Gabeira é deputado federal pelo Partido Verde