Resto humano em ração seria causa do mal da vaca louca
2005-09-14
Material para ração importado da Ásia teria ossos humanos, segundo teoria
Os primeiros casos da doença da vaca louca, encefalopatia espongiforme bovina (BSE, na sigla em inglês), podem ter sido causados por ração animal contaminada por restos mortais humanos, segundo uma teoria nova e controversa.
O estudo feito por cientistas britânicos e publicado no jornal The Lancet diz que material importado do sul da Ásia nos anos 1960 e 1970 para a fabricação de ração animal e fertilizante continha ossos e cartilagens humanas.
Se esses restos mortais estavam infectados por prions (um tipo de proteína) de doenças como CJD – doença de Creutzfeldt-Jakob, um mal do cérebro – podem ter sido a origem da encefalopatia espongiforme bovina.
Vários especialistas, porém, mostraram ceticismo em relação a essa teoria.
Os autores da teoria reconhecem que suas provas não são conclusivas, mas argumentam que ela é plausível o bastante para merecer investigação mais profunda.
O surgimento da forma humana do mal da vaca louca, conhecida como variante CJD (vCJD), está ligada ao surto de BSE.
Os prions, proteínas anormais que causam a CJD e a vCJD em seres humanos, BSE em vacas e scrapie em ovelhas, são altamente resistentes tanto à desintegração natural quanto à esterilização.
O Reino Unido importou centenas de toneladas de ossos, ossos esmagados e carcaça nos anos 1960 e 1970 para produzir fertilizantes e ração para gado.
Cerca de 50% dessas importações saíram de Bangladesh, Índia e Paquistão, onde a coleta de ossos e carcaças no interior e em rios é uma prática comercial estabelecida.
A prática funeral hindu determina que os restos humanos sejam despejados em um rio, de preferência o Ganges.
Idealmente, o corpo deve ser cremado, mas muitas pessoas não têm recursos para pagar madeira suficiente para a cremação, segundo os autores da teoria.
Em alguns casos seria suficiente esfumaçar a pélvis, no caso das mulheres, e o torso, no caso dos homens. Muitas vezes, cadáveres intactos são jogados no Ganges.
–Existe uma série de preocupações de saúde pública em relação à poluição do Ganges–, disse à BBC o professor Alan Colchester, chefe de equipe que elaborou a teoria da contaminação das rações animais.
–Mas em meio ao reconhecimento de problemas potenciais, não acho que alguém pensou no risco, raro mas muito importante, criado pelo cadáver de alguém que morreu de uma versão de CJD–, acrescenta.
Já houve relatos de casos de restos mortais de seres humanos terem sido encontrados em material entregue às fábricas de processamento. Nos anos 1960 foi confirmado um caso de material humano em carregamentos de ossos embarcados em portos da Ásia para a França.
Um porta-voz do Departamento de Meio Ambiente, Alimentação e Assuntos Rurais da Grã-Bretanha disse que essa teoria se assemelha à de um relatório de 2001 que apresentava a hipótese de que a origem da BSE era scrapie (versão ovina da doença).
O departamento está aberto a novas descobertas, segundo a porta-voz.
–Certamente é uma possibilidade que não se pode descartar completamente, mas eu diria que ela está bem baixa na escala de probabilidades–, disse à BBC o professor da Universidade de Bath David Brown, especialista em doenças causadas por prions.
O professor Colchester estima que cerca de 120 hindus morrerm de CJD a cada ano.
O professor Brown, porém, observa que os mais pobres, que correspondem a muitos dos corpos no Ganges, têm expectativa de vida mais baixa. As doenças de prions surgem predominantemente em pessoas mais velhas.
Para o professor Susarla Shankar, chefe de Neurologia do Instituto Nacional de Doenças Mentais e Neurociências de Bangalore, na Índia, a teoria não se sustenta.
–Se fosse assim, deveríamos encontrar mais casos de BSE no gado na Índia. No momento, o centro de controle não registra um único caso–, disse ele.
A coleta de ossos é uma prática tradicional, segundo ele, mas mesmo que algum resto humano chegasse à ração animal as conseqüências seriam reduzidas.
Pesquisa em laboratório mostrou, porém, que é necessária uma quantidade mínima de tecido cerebral contaminado para transmitir a forma humana CJD a primatas não-humanos.
Em 1980 foi evidenciado que a forma infecciosa dessas proteínas pode sobreviver uma cadeia inteira de processamento que leva à produção de ração animal.
O uso de ração animal para alimentar animais de fazenda está proibido desde 1996 na Europa e as regulamentações de alimentos de origem animal foram apertadas.
Mesmo assim, casos esporádicos de BSE foram registrados na Grã-Bretanha e outros países da Europa depois disso e não há explicação para eles.
A incidência da doença vem caindo e especialistas esperam que a BSE possa ser erradicada se forem mantidas as medidas sanitárias adotadas para controlar a doença.(BBC News, 13/9)