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2005-09-12
À noitinha, as águas lentamente ganham vida. Um após outro, os jacarés começam a levantar suas cabeças cascudas acima da superfície. Logo, este canal isolado e arborizado que desemboca no Amazonas está cheio de jacarés de até cinco metros. Seus mergulhos, barulhos e movimentos reverberam por toda a noite.

Apenas uma geração atrás, os crocodilianos brasileiros, primos dos jacarés americanos, foram quase levados à extinção pela demanda de couro e carne, até que o governo proibiu sua caça. Mas os esforços para proteger o jacaré-açú e o jacaretinga (ou jacaré-de-óculos) foram tão bem sucedidos que sua população explodiu e se tornaram pragas e, de acordo com alguns, uma ameaça.

A população ribeirinha reclama que os jacarés devoram seu gado e animais de estimação e estão pedindo o direito de voltar a caçar. Até mesmo crianças pequenas são ocasionalmente atacadas nas margens dos rios, levando jornais e estações de rádio locais a dizerem que as autoridades distantes em Brasília não sabem de nada da dura realidade da vida ribeirinha.

Os protestos mais altos e constantes, entretanto, vêm de pescadores em áreas como esta, a 600 km a oeste de Manaus, capital do Estado do Amazonas. Eles reclamam que os jacarés destroem suas redes, que podem custar entre US$ 50 e US$ 200 (entre R$ 120 e R$ 480), e consomem grandes quantidades do peixe que precisam para vender e alimentar suas famílias.

— Toda vez que você sai, eles atrapalham. Mas se você se atrever a matar um, e um agente ambiental lhe pegar, é você que tem que pagar multa-, disse Ademar Nunes Nogueira, 41, que pesca desde os 10.

Até em Manaus, uma cidade de 1,5 milhão de habitantes, os jacarés atualmente são uma presença verdadeira e não só uma lenda urbana. — Tem jacaretinga vivendo nos esgotos de Manaus-, disse William Magnusson, especialista do Instituto Nacional de Pesquisa Amazônica. — Eles se adaptam a tudo.

A explosão da espécie também se tornou uma questão política no Amazonas. Partidos em campanha prometem que vão liberar a caça. — O argumento é que, se estão fazendo nos EUA, por que não podemos fazer aqui? - disse Ronis da Silveira, professor de biologia da Universidade Federal do Amazonas, especialista em jacarés.

Ninguém sabe exatamente quantos jacarés navegam pelas águas amazônicas. Eduardo Braga (PPS), governador do Amazonas, respondeu em uma entrevista à revista Época: — A única coisa que posso dizer é que a presença do jacaré é intimidadora e imensamente maior do que a população humana do Estado, de 2,8 milhões.

Os animais se tornaram tão abundantes que alguns pescadores começaram a usar carne de jacaré como isca para pegar um bagre chamado de urubu das águas. Os brasileiros se recusam a comer a carne do peixe, que é exportada rio acima para a Colômbia, onde é considerada uma iguaria.

Magnusson estima que a população de jacarés seja de dezenas de milhões. Mesmo assim, as autoridades do governo defendem a proibição, argumentando que se a caça fosse liberada, as mesmas práticas predatórias que quase levaram o animal à extinção retornariam. Elas dizem que a campanha para a liberação reflete o desejo dos pescadores de ganhar mais dinheiro, além de um preconceito advindo do temor ancestral do homem pelos répteis.

— Os mosquitos transmitem malária, que mata muito mais gente que os jacarés. Acho que é preciso levar a semiótica disso tudo em conta-, disse Henrique Pereira dos Santos, diretor regional da agência ambiental do governo.

Talvez a maior concentração de jacarés em todo o mundo seja a da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá. — Nesta época do ano, tem alguns lugares onde a concentração de jacarés é tão grande que, se ficassem parados, você poderia atravessar o rio pisando em seus dorsos-, disse Magnusson.

Na reserva, que é sustentada em parte pela Sociedade de Conservação da Natureza, o governo atualmente permite a caça limitada de jacarés. Um centímetro linear da pele do valorizado jacaré-açú pode valer até US$ 10 (cerca de R$ 24) no mercado internacional, se bem cortada, e a carne chega a R$ 1,60 por kg.

A pele do jacaré-de-óculos sai por cerca de R$ 80 por metro quadrado. Mas o programa ainda é experimental, e os pesquisadores têm dúvidas quanto a estendê-lo para outros lugares.

— Você não pode permitir a caça em toda parte, somente em áreas específicas e em certas épocas do ano, onde e quando as concentrações são maiores-, advertiu o professor da Silveira, envolvido no projeto. — É preciso ser seletivo, e ao mesmo tempo convencer aos moradores da região que estão ganhando alguma coisa, um valor econômico, que o jacaré não é só uma peste.

Uma abordagem seletiva, porém, não agrada a Sebastião Batista Pereira, 46, colono que mora em um barraco na beira do rio um pouco mais abaixo. Quando os níveis de água chegaram quase até sua porta na última estação de chuvas, um jacaré fugiu com um porco que tinha acabado de comprar, enquanto outro se aproximou perigosamente de sua mãe de 78 anos e seu filho mais moço enquanto se banhavam na beira do rio.

— Olha, não caço o animal para tirar sua carne ou pele para vender na cidade-, disse Pereira. — Isso seria um abuso e uma violação da lei. Mas eu digo isso na frente de qualquer autoridade: se encontrar uma cobra ou um jacaré no caminho, vou matar. O que vale mais, a vida dos meus filhos ou de algum animal, e um bicho violento e selvagem como esse? (New York Times, 06/09)

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