Pesque-pague cria superpeixes invasores
2005-09-12
A listinha compilada por Fábio Porto-Foresti, pesquisador da Unesp (Universidade Estadual Paulista) de Bauru, parece resultado daquelas brincadeiras de criança em que a diversão é juntar dois nomes de bicho, como em leãofante. Acontece que peixes como piaupara (mistura de piauçu com piapara), cachapira (híbrido de cachara e pirarara) e muitos outros são bem reais. Pior: podem representar a mais nova ameaça à fauna dos rios do Brasil.
Porto-Foresti detalhou os resultados de sua pesquisa com os híbridos durante o 51º Congresso Brasileiro de Genética, que começou ontem em Águas de Lindóia (interior de São Paulo). Ele deixa claro que ainda se sabe muito pouco sobre os efeitos ambientais dos peixes mestiços.
— Eles provavelmente agiriam como uma espécie invasora - compara. Não é pouco: estima-se que as espécies invasoras sejam a segunda principal causa de extinções no planeta.
O pesquisador da Unesp explica que essas misturas um tanto bizarras -as quais, nos levantamentos realizados por ele e sua equipe até agora, podem corresponder a até dez variedades novas- se devem, em grande parte, a uma inocente diversão de fim de semana: os pesque-pagues. Esses estabelecimentos proliferaram no interior de São Paulo durante a década passada, e a competição fez com que eles buscassem novos jeitos de atrair o cliente.
— Peixes diferentes, como esses híbridos, acabam sendo um grande atrativo para o pescador - conta Porto-Foresti. Ao contrário do tambacu (mistura de tambaqui com pacu), híbrido que foi desenvolvido especificamente para piscicultura por pesquisadores, os que ele e seus colegas estão identificando acabaram surgindo de forma bem mais caótica.
Juntando as sobras
— No caso da cachapira, por exemplo, o que aconteceu muitas vezes foi que as pessoas faziam a reprodução em cativeiro e, por algum motivo, sobravam óvulos de cachara sem serem fecundados pelo macho da espécie. Com a facilidade de misturar as células sexuais, já que a reprodução é feita pela água, eles simplesmente decidiam aproveitar as sobras juntando os dois - conta.
Nesse caso, trata-se dois gêneros e espécies diferentes (Pseudoplatystoma fasciatum e Phractocecphalus hemeliopterus, respectivamente). A equipe de Bauru já achou outros casos de mistura entre gêneros diferentes, assim como a hibridização de espécies distintas do mesmo gênero (o gênero é designado pela primeira palavra do nome científico).
Se a coisa ficasse restrita aos pesque-pagues, seria só mais uma curiosidade inócua para pescador ver. O problema, explica o pesquisador, é se uma enchente cobre os tanques desses estabelecimentos e arrasta os híbridos para rios e lagos naturais. Misturas genéticas desse tipo têm uma característica maldita: o chamado vigor do híbrido. O espécime misto corre grande risco de ser maior, mais forte, mais adaptável e até mais sexy - com cores e barbatanas mais vistosas, por exemplo- que as espécies das quais proveio.
Ao caírem na natureza, eles podem competir com as espécies naturais por espaço, comida e mesmo fêmeas. Neste caso, se o híbrido for capaz de se reproduzir, pode acabar suplantando geneticamente a espécie original; se não, o mero fato de seduzir as fêmeas faz com que elas gastem menos tempo com machos que realmente valem a pena, ou seja, conseguem fecundar óvulos. O resultado é a diminuição da população original aparentada.
Freio na bagunça
Tudo isso, é bom que se diga, pode ser previsto com base em situações parecidas anteriores.
— Ainda não sabemos que impacto esses híbridos têm agora - diz o pesquisador da Unesp. Já se sabe que alguns de fato atingiram rios. Porto-Foresti e seus colegas estão coletando o maior número possível de híbridos e desenvolvendo ferramentas genéticas para flagrá-los, como estudos do conjunto dos cromossomos (as estruturas enoveladas que abrigam o DNA).
— Com base disso, pretendemos ajudar a desenvolver regras para o controle dos híbridos, que praticamente não existem hoje. Como é que você tira uma coisa dessas se ela cai na natureza? Ora, não tira - brinca o pesquisador da Unesp. O trabalho tem apoio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). (Folha de S.Paulo, 09/09)