No Senado, relator questiona urgência de aprovação do projeto de lei de florestas
2005-09-09
Um prazo de 45 dias, no máximo. Esse é o tempo que o Senado tem para aprovar - ou não - o projeto de Lei (PL) 4776, que regulamenta o uso sustentável das florestas públicas brasileiras. Esse período é insuficiente, para o senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR), relator do PL na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Há mais de duas semanas, o plenário do Senado aprovou o regime de urgência para a votação.
— Eu estou contra a urgência constitucional - afirmou o senador. Essa é também opinião do jornalista ambiental Washington Novaes.
— Não sou contra a idéia de disciplinarmos o uso das nossas florestas e darmos algum tipo de visão moderna a essa questão. Mas não é um projeto de uma simplicidade tamanha que se possa apreciar em tão pouco tempo - complementou o relator.
Ele disse que vai trabalhar no sentido de apresentar as suas sugestões a respeito dos aspectos legal, econômico e ambiental da nova lei. Mas contou que vai expor bem forte a questão do foco federativo. Para Cavalcanti, numa primeira leitura, — dá para perceber que está havendo uma hipertrofia do governo federal em detrimento dos governos estaduais.
Por princípio, o que o PL traz, segundo o diretor de Florestas do Ministério do Meio Ambiente, Tasso Azevedo, é um instrumento legal para que os municípios sejam beneficiados diretamente.
— Gado e soja não geram arrecadação direta para o município. Floresta sim - observa o diretor.
Antes da aprovação do regime de urgência, Cavalcanti disse que planejava um roteiro de audiências públicas com os governadores dos estados, a Confederação Nacional da Agricultura, Confederação Nacional das Indústrias e também com o Ministério da Defesa.
— Já que essas florestas na sua grande parte estão dentro da faixa de fronteira não pode, segundo a própria Constituição, ser feito nada nessas áreas que não seja depois da audiência do Conselho de Defesa Nacional - explicou Cavalcanti.
Cavalcanti apontou ainda que não viu no projeto uma definição clara sobre a participação das comunidades das regiões florestais nas concessões.
— As informações preliminares de que eu tenho desse projeto é que ele não atende, por exemplo, aos pequenos empresários, aos pequenos madeireiros que estão localizados ali há décadas. É uma coisa que eu considero nociva ao Brasil - disse.
— Se vamos abrir para grandes empresas, que são as grandes empresas internacionais, nós não vamos atender os nossos pequenos empresários.
No PL, há um artigo com a idéia de que, antes da concessão, deve-se verificar a possibilidade de destinação para o manejo comunitário. Azevedo contou que a ausência de mais artigos sobre o assunto aconteceu por causa de uma resolução dos próprios movimentos sociais e das comunidades consultadas.
— Eles me falaram o seguinte: a gente não quer margem no PL para se questionar quais são os nossos direitos previstos na Constituição; queremos a garantia de que os nossos sistemas serão considerados antes de se fazer a concessão - relatou Azevedo.
Para relator da Agenda 21, projeto não segue lógica de exploração inteligente
O projeto de lei que regula a gestão pública de florestas (PL 4776) não está dentro de um novo modelo de exploração responsável da Amazônia. A avaliação é do jornalista Washington Novaes, ex-secretário de Meio Ambiente e Ciência e Tecnologia do Distrito Federal e um dos relatores da Agenda 21 brasileira (plataforma de propostas para o desenvolvimento sustentável do país ao longo deste século, que foi definida a partir da Agenda 21 Global, aprovada na ECO 92).
Em vez de retirar árvores da floresta, Novaes pede que seja feito um projeto amplo de desenvolvimento sustentável e inteligente da região. Para seguir esse caminho, o jornalista sugere que a Amazônia seja pesquisada, e não explorada.
— Nós temos de nos convencer de que biodiversidade é a maior riqueza do país, porque é daí que virão os novos remédios, novos alimentos, novos materiais para substituir os produtos não-renováveis - argumenta.
Na visão de Novaes, o país não deveria estar preocupado em retirar árvores da floresta, e sim em identificar espécies que possam ser reproduzidas fora do ambiente da Amazônia. O jornalista cita o caso de alguns produtos que obtiveram sucesso econômico ao serem cultivados fora do ambiente da floresta.
— Um exemplo é a pupunha, que é uma árvore com muitos espinhos - cita. — O Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia [Inpa] demorou anos para desenvolver um tipo de pupunha bem mais manejável, com poucos espinhos.
Segundo ele, hoje, a pupunha responde por praticamente 90% da produção de palmito do país. Vem substituindo o palmito jussara, que está praticamente esgotado.
— Mas a gente não sabe quase nada da Amazônia porque nosso investimento em pesquisa da região é muito pequeno - alerta. Washington Novaes afirma que, dos quase 30 mil doutores do país, menos de mil estão trabalhando na Amazônia.
— E se nós destruirmos a Amazônia, vamos destruir essa biodiversidade antes mesmo de conhecê-la.
Além da variedade de palmito, Novaes cita o caso do açaí, cupuaçu e guaraná, como produtos identificados na Amazônia, mas cultivados fora de seu ambiente.
— E isso são poucas coisas, temos muito mais na área de medicamentos - observa.
Na opinião de Novaes, o projeto que pretende disseminar a prática do manejo florestal ainda não está dentro de um novo modelo de desenvolvimento sustentável. Ele aponta que, sem fiscalização e com baixo retorno financeiro, o manejo não sairá do papel e servirá, indiretamente, como um incentivo ao desmatamento.
Novaes afirma que, ao centrar a exploração da Amazônia na retirada de madeira, o governo mantém a linha de fazer exportações de matéria-prima ou de produtos de baixo valor, como alumínio, madeira, soja, carne e minérios.
Sem fiscalização, projeto irá facilitar desmatamento, afirma especialista
— A fiscalização na Amazônia é uma ficção - lamenta o jornalista ambiental Washington Novaes. Ex-secretário de Meio Ambiente e Ciência e Tecnologia do Distrito Federal, Novaes é um dos principais especialistas do país da questão ambiental.
Ele não vê com otimismo o futuro do projeto de lei que pretende disseminar a prática do manejo sustentável nas florestas nacionais, PL 4776. Segundo Novaes, o projeto não segue um modelo geral de exploração inteligente da Amazônia. Ele elogia o modelo para a região, inscrito no Projeto Amazônia Sustentável, apresentado pelo governo federal.
— Teoricamente, tem muitos méritos e muitas direções corretas. Mas a prática não tem acompanhado exatamente o que está lá - diz.
Na opinião de Novaes, o mesmo tende a acontecer com o projeto que regula a gestão pública de florestas. Sem um aumento da fiscalização, a concessão de uma terra pública para exploração pode ser apenas um incentivo à depredação.
— Não há sinal de melhoras na fiscalização, por isso não há razão para ser otimista.
A preocupação de Novaes é sustentada por exemplos internacionais.
— Não há um só caso de país que tenha entrado por esse caminho e tenha dado certo, seja na América Latina, Ásia e África - diz. O jornalista cita o estudo do pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia Niro Higui para mostrar que, em outros países que aplicaram o mesmo projeto, acabou havendo uma sobre-exploração, com redução de suas florestas sem resultados econômicos significativos. (Radiobras, 08/09)