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2005-09-09
O Brasil começa a despontar num mercado que cresce a um ritmo de 200% ao ano. É a venda de crédito de carbono, negócio criado a partir da entrada em vigor do Protocolo de Kioto, em fevereiro passado. O país já ocupa a segunda posição entre os que mais venderam crédito de carbono, atrás apenas da Índia, e tem cerca de um terço dos projetos na fila para certificação pela Organização das Nações Unidas (ONU).

A estimativa do Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (NAE) é de que o mercado de carbono movimentará, até 2012, cerca de US$ 30 bilhões por ano. E o Brasil poderá abocanhar pelo menos 10% desses recursos. Para a ICF Consulting, cerca de US$ 1 bilhão por ano poderão vir para o Brasil até 2012, quando acaba o primeiro período de compromissos dos países ricos em Kioto.

O chamado mecanismo de desenvolvimento limpo é simples: empresas de países em desenvolvimento que reduzem a emissão de gases do efeito estufa vendem esses créditos a firmas ou governos de nações ricas, obrigados pelo protocolo a se tornar menos poluentes até 2012. E o dinheiro já começa a chegar.

Em agosto, a empresa paulista Essencis - controlada pela Camargo Corrêa e pela Suez Ambiental - fez uma venda recorde de 2,82 milhões de toneladas de dióxido de carbono para a japonesa J-Power. O valor da operação não foi revelado, mas é estimado em pelo menos US$ 7 milhões, já que o preço da tonelada de gás carbônico varia hoje de US$ 3 a US$ 7.

Há outros 70 projetos brasileiros em diferentes etapas do processo de certificação. A demanda por crédito de carbono, porém, é tão grande que muitas vendas são feitas antes mesmo do aval da ONU. Só via Banco Mundial, o Brasil já obteve US$ 5,3 milhões e tem outros US$ 4,38 milhões para serem aprovados.

As oportunidades para as empresas brasileiras no mercado limpo vão desde a siderurgia à agricultura, passando pela produção de papel e celulose, a indústria química e a construção de pequenas hidrelétricas. Há mercado ainda para aterros sanitários municipais, pois o melhor aproveitamento do lixo orgânico é fonte poderosa de créditos de carbono.

Preços subiram 10% desde 2003
As nações ricas também lucram. Na Holanda, o custo médio para reduzir as emissões nocivas é de US$ 25 a US$ 50 por tonelada de dióxido de carbono. É mais barato, portanto, comprar créditos dos países em desenvolvimento, a partir de US$ 3. E esses preços já subiram pelo menos 10% desde 2003.

— À medida que chegarmos perto de 2012, a tendência é o preço subir - explica Marcelo Rocha, pesquisador do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/USP) e consultor ambiental.

O mercado e os preços são crescentes, reforça Marcelo Poppe, um dos autores de estudo do NAE sobre as oportunidades do Brasil. Mas isto pode ser dificultado pelos altos custos dos projetos, a falta de articulação com programas públicos nacionais como Proinfa e Probiodiesel, e a insuficiência de clareza na definição da titularidade dos créditos, acrescenta Poppe.

Quem quiser aproveitar as vantagens do mercado precisa acelerar o passo. Não há compromissos firmados ainda para o período posterior a 2012. Nuno Cunha e Silva, da EcoSecurities, teme que, por conta das queimadas na Amazônia e da pressão dos países ricos, o Brasil também venha a ter que cumprir metas de redução das emissões e não possa participar deste lucrativo mercado.

O diretor-presidente da paulista Essencis, Carlos Roberto Fernandes, administra o aterro sanitário de Caieiras, a 35 quilômetros de São Paulo, com 3,5 milhões de metros quadrados de lixo e o maior centro de tratamento de resíduos da América Latina. Seu projeto para reduzir a emissão de metano - 21 vezes mais nocivo do que o dióxido de carbono - foi disputado por 12 compradores. Este mês, a Essencis negociou 2,8 milhões de toneladas de créditos para a japonesa J-Power, maior compra individual feita por empresa daquele país.

A Essencis não revela o valor do negócio, mas a operação, que corresponde a apenas 20% do potencial de créditos do projeto, já foi suficiente para arcar com os US$ 3 milhões do investimento que será feito para reduzir a emissão de metano. Metade será paga agora e o restante a partir de 2006, quando o projeto já estiver certificado pela ONU.

— O que detectamos ao sermos procurados pelos diversos compradores é que há poucos projetos de qualidade no mercado - conta o diretor-presidente da empresa.

Para as empresas brasileiras, muitas vezes o retorno vai além da simples receita com a venda dos créditos de carbono. A siderúrgica mineira Plantar, que produz ferro gusa, foi uma das pioneiras neste mercado e, em 2002, obteve US$ 5,3 milhões do Banco Mundial para substituir o coque usado como combustível por carvão vegetal oriundo de floresta plantada, ou seja, energia renovável. Em troca, terá que entregar 1,5 milhão de toneladas de créditos de carbono.

Os recursos do Banco Mundial não cobrem o investimento de R$ 65 milhões que será feito nos próximos sete anos. Mas, segundo Geraldo Moura, diretor da Plantar, o projeto abriu as portas para que a empresa pudesse obter um financiamento de longo prazo no banco holandês Rabobank.

País defende direitos para reflorestamento
A participação do Brasil no mercado de créditos de carbono pode ir à estratosfera caso a ONU reconheça uma metodologia que torne elegíveis a créditos os projetos de reflorestamento. O argumento dos que pleiteiam esse direito é de que as árvores, em seu processo de crescimento, absorvem - ou seqüestram - dióxido de carbono da atmosfera. Além disso, o tema consta do Protocolo de Kioto.

Mas a tese é polêmica no meio científico, já que as árvores, ao morrer, também produzem matéria orgânica que emite metano. Até agora, a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (Unfccc, sigla em inglês do órgão responsável na ONU pela implementação do Protocolo de Kioto) não aprovou nenhuma metodologia sobre seqüestro de carbono.

O potencial de ganho para o Brasil é enorme nas indústrias de papel e celulose, que plantam eucalipto, e na siderúrgica, que poderia substituir o coque por carvão vegetal de áreas reflorestadas. Nestes setores, o país tem indústrias de ponta, competitivas.

Mas também há oportunidades em outras áreas. A geradora de energia AES Tietê propôs ao Unfccc uma metodologia para reconhecer o reflorestamento de matas nativas. Vai replantar dez mil hectares, nos próximos seis anos, nas margens do Rio Tietê, para manter a sustentabilidade ambiental dos reservatórios e garantir o aproveitamento energético.

Empresas criticam demora do governo
Hoje, diz a Cepea/USP, há outras dez propostas em análise na Unfccc, de diferentes países, sobre projetos de reflorestamento. O diretor de gestão de Meio Ambiente e Mercado de Carbono da AES Tietê, Demóstenes Barbosa da Silva confia que até outubro a ONU aprovará regra para reflorestamento. Segundo ele, o projeto da AES resultaria na absorção de três milhões de toneladas de dióxido de carbono em 20 anos.

A Aracruz - que já negocia a venda de créditos de carbono graças a um projeto que reduziu a queima de combustíveis no transporte de troncos de árvore - também espera que a Unfccc aprove logo uma metodologia para as florestas plantadas.

— Daqui a pouco acaba o primeiro período de compromissos do protocolo, até 2012, e ainda não temos metodologia - queixa-se o gerente de Meio Ambiente da empresa, Ricardo Mastroti.

Mas não só a ONU é alvo de críticas. Empresários e consultores reclamam da demora do governo brasileiro em dar seu aval, exigência do protocolo de Kioto. Marco Antônio Fujihara, diretor de Sustentabilidade da consultoria PricewaterhouseCoopers, acredita que o Brasil pode estar perdendo oportunidades:

— É preciso transformar nossa vantagem comparativa em vantagem competitiva.

O Ministério da Ciência e Tecnologia, que coordena o comitê interministerial responsável pelo tema, afirma que os projetos que cumprem os requisitos são aprovados em no máximo um mês. (O Globo, 08/09)

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