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2005-09-05
A cena se repete ao longo do dia – e pela noite adentro - com espantosa freqüência: caminhões vazios, por vezes a levar como carga uma carreta extra, cruzam a porteira que marca o início da Terra Indígena Arara do Rio Branco, entre Aripuanã e Colniza (MT). No mesmo ritmo, outros deixam a área carregados com até 20 grandes toras de madeira.

Pelo absurdo, este foi o fato que mais chamou a atenção das participantes do encontro de mulheres indígenas, realizado em uma cabana de palha erguida a menos de 200 metros da rota de exploração ilegal. O choque de realidade levantou preocupação quanto ao futuro da etnia.

— Os Araras estão entrando em um caminho sem volta. Depois da madeira, será a vez do palmito. Depois os animais irão embora. Em seu lugar, virão os invasores de terra -, lamentou a advogada Maria Cecília Filipini, assessora jurídica do Cimi por 16 anos.

Com 114 mil hectares, a área destinada aos araras fica a cerca de 45 quilômetros da sede do município de Aripuanã. Seu interior abriga áreas ainda fartas em espécies de valor comercial como o ipê e o cumaru.

Para ter acesso a elas, os madeireiros se valem de estratégias que incluem o aliciamento de lideranças e até mesmo a servidão por dívida. Os negócios são fechados em bases francamente desfavoráveis aos índios e não resultam em benefício para a comunidade.

— Essa situação não é algo que os índios conseguem administrar. Quem recebe o dinheiro da madeira não divide com os outros. Isso é um fator de desagregação, de desestabilização e de tristeza - diz.

A afirmação tem como base o resultado de processos semelhantes ocorridos em áreas de outras etnias. Ela conta ter testemunhado como, em apenas dois anos, a entrada dos madeireiros transformou uma comunidade altiva e estável em um caldeirão de conflitos internos entre as lideranças.

Segundo Maria Cecília, durante o evento foi possível perceber claramente que vários madeireiros distintos atuam no esquema. Entre os araras, a situação é motivo de controvérsia. Lideranças se apontam mutuamente como peças da engrenagem madeireira. Outros declaram sua contrariedade de forma clara, mas relatam episódios de ameaças.

A falta de apoio oficial explica em parte a opção dos índios pela venda da madeira. Não faltam projetos alternativos, mas poucos de fato são pensados a partir da ótica e da realidade indígena.

— É difícil pensar um projeto a partir da lógica dos outros - avalia.

Também contribui para o insucesso das tentativas a pouca participação das mulheres no processo. Para Maria Cecília, a visão feminina poderia ser mais bem aproveitada.

— Os homens têm uma natureza mais imediatista, enquanto as mulheres, por conta da criação dos filhos, tendem a pensar mais no futuro.

Ela enxerga na valorização dos os produtos da floresta – como a castanha do Brasil, a pupunha e o açaí – a chave para garantir renda e sustentabilidade às aldeias.

— Um município pode se comprometer, por exemplo, a incluir a castanha na merenda escolar. Todos os anos perdemos toneladas do produto.

Até mesmo a exploração da madeira, desde que amparada por um projeto de manejo sustentável e com controles rígidos, poderia ser aproveitada. Desde que não se comprometam áreas que, sem perspectiva de ampliação, terão de abrigar as próximas gerações de povos indígenas.

— O usufruto não é apenas dessa geração. Por isso, a forma como tem sido feita a exploração dos recursos naturais não é de forma alguma legal ou ética, porque compromete a sobrevivência física e cultural das etnias.

Ação dos invasores sempre foi central na história dos araras
Na longa história que conta a expulsão, dispersão e retorno dos índios araras à sua terra de origem, o papel dos invasores – em busca de minérios, borracha ou madeira – sempre foi o principal. Mas a omissão do governo também contribuiu para a quase extinção da etnia.

— Afastados de suas terras pela violência de grileiros e de capatazes de madeireiras (...) os índios Arara padeceram com a burocracia e a omissão governamental -, declara o antropólogo João Dal Poz, em trecho do livro A Etnia e a Terra (1995 - EdUfmt).

Dal Poz avalia no livro como trágica a década de 1960 para todos os grupos indígenas que então habitavam a bacia do rio Aripuanã, — acossados por seringalistas, grileiros e garimpeiros que invadiram seus territórios e promoveram inúmeros massacres.

Após a expulsão, conta o antropólogo, os araras foram se distribuindo pela região, a sobreviver de subempregos, na extração de seringa ou na pesca. Um processo tão brutal que, tão logo surgiram os primeiros movimentos pelo reconhecimento da área, no início da década de 1980, muitos enxergavam a etnia como extinta.

— A Funai (...) cogitava declarar a extinção oficial do grupo (...) um assessor da superintendência do órgão em Cuiabá argumentava em seu laudo que os Arara não teriam direito a uma área imemorial já que estavam irremediavelmente miscigenados e dispersos.

Nova sociologia ou velho racismo? É o que questiona o antropólogo, em seu livro. Segundo ele, a negação da identidade indígena aos araras revela um paradoxo.

— As mudanças culturais que no passado foram impostas aos Arara a todo custo, estão no presente sendo argüidas como contraprovas de sua identidade.

No capítulo intitulado A Terra, a Estrada e o Progresso, Dal Poz condiciona o futuro dos araras ao contexto social e econômico que se firmar da região de Aripuanã. — Em certa medida, depende do que a sociedade brasileira pensa e faz com relação aos índios, além, é claro, do que eles mesmos pensam e buscam em relação a si. (Diário de Cuiabá, 03/09)

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