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2005-09-05
Após 75 minutos de escalada rumo ao topo de um morro no paraíso ecológico da Juréia, o verde da mata atlântica se transforma numa mistura de cinza, marrom e preto. A floresta dá lugar a uma imensa clareira com árvores centenárias ao chão, queimadas.

O cenário desmatado tem quase o equivalente a três campos de futebol. Destruído nos últimos meses, aumentou o débito com a Estação Ecológica Juréia-Itatins, que já chega a 190 campos desde 2004.

A região é considerada Sítio do Patrimônio Natural Mundial pela Unesco. Localizada no Vale do Ribeira (SP), possui uma área total de 80 mil hectares que atinge quatro municípios diferentes: Miracatu, Itariri, Peruíbe e Iguape.

Em tese, apenas pesquisadores e grupos autorizados pelo Instituto Florestal (IF) podem fazer uso do local, além das famílias que já moravam ali antes da criação da estação ecológica, em 1987. Segundo o último levantamento, em 1990, seriam 365, todas elas em precárias condições de vida. Mas suspeita-se de que fazendeiros situados em seu entorno têm invadido a área para ampliar o cultivo da monocultura da banana. Tanto que, em meio ao cinza-marrom-preto da clareira, já é possível visualizar pés de banana em crescimento.

Por meio de sobrevôos e trabalhos de campo, o IF tenta mapear e combater a devastação na Juréia. Trabalho difícil para quem possui apenas 43 funcionários no local, sendo 32 vigias. Muitos moradores auxiliam na vigilância.

— Não é justo que os moradores da área sejam proibidos de tudo e pessoas de fora acabem desmatando. Exijo que as autoridades façam o reflorestamento - disse o agricultor Roberto Oyaizu, 48.

Ele diz que, em razão dos desmatamentos, uma nascente já secou e outra está nesse mesmo caminho. Segundo Oyaizu, os moradores só perceberam esse último ponto de desmatado porque os criminosos, além de cortar a vegetação, colocaram fogo.

Segundo o engenheiro florestal Joaquim de Marco Neto, responsável do IF pela Juréia, a área sofre grande pressão externa (das cidades do entorno e fazendeiros) e interna (dos moradores do local).

De acordo com ele, suspeita-se de que pessoas de São Paulo e Santos contratem os moradores da região para desmatar o local com a promessa de que depois trabalharão como meeiros na comercialização da banana.

Os assentados em Vista Grande, região limítrofe à estação, também são suspeitos de tentar ampliar sua área de plantio de banana para dentro da Juréia.

Fiscalização
Na entrada da estação pelo bairro Despraiado há placas com o seu nome. Porém, não há nenhum guarda-parque no local - a casa que era usada como base está completamente abandonada. Segundo o engenheiro, isso se deve à falta de pessoal no IF. Ele estima que, para melhorar a fiscalização, deveria haver mais quatro postos de vigilância dentro da estação. E considera Despraiado o ponto prioritário para uma base.

O governador Geraldo Alckmin (PSDB) autorizou em julho a realização de um concurso público para a contratação de 120 vigias para o preenchimento de cargos vagos no IF - mas não está definido ainda quantos dos futuros contratados irão para a Juréia.

Na opinião do diretor da SOS Mata Atlântica, Mario Mantovani, como os guarda-parques não podem andar armados, só sua presença não resolveria o problema.

— A barra é pesada na Juréia. A falta do poder público na região fez com que isso ocorresse. Agora, é preciso uma ação emergencial, fazer uma fiscalização maior e, principalmente, um trabalho de inteligência para descobrir os mandantes dos desmatamentos.

Instituto Florestal quer ação turística na Juréia
O Instituto Florestal deve propor ainda neste mês a transformação de algumas áreas da Estação Ecológica Juréia-Itatins em parques naturais. Numa estação, o objetivo é preservar um ecossistema e permitir a realização de pesquisas - há atualmente mais de 80 em curso na Juréia. Por isso, existem muitas restrições para seu uso. Já o parque prevê a recreação pública em espaços naturais e atividades de visitação poderiam ser regulamentadas.

— Poderíamos fazer um centro de visitantes, criar trilhas, abrir praias e cachoeiras para turistas - afirmou o diretor de reservas e parques do Instituto Florestal, Luiz Roberto de Oliveira.

Segundo ele, a região da Barra do Una e cachoeiras como a do Guilherme têm visitação já consolidada. E a especulação imobiliária é uma das grandes ameaças à estação ecológica.

— O interesse em explorar turisticamente o lugar não pode ser descartado. São 46 km de costa, com muitas praias virgens, a 150 km de São Paulo - afirmou Joaquim de Marco Neto, responsável pela estação.

A alteração de áreas em parques, entretanto, dependeria da criação de uma lei.

Uso sustentável
Os moradores da Juréia querem, em vez da criação de parques, a aprovação de um projeto de lei que propõe a transformação de áreas da Juréia em reservas de desenvolvimento sustentável.

Dessa forma, eles teriam mais liberdade para trabalhar no local. — A população poderia fazer o manejo da caxeta, cuja madeira é usada em artesanato, e palmito - disse o presidente da União dos Moradores da Juréia, Arnaldo Rodrigues das Neves Júnior. Ele afirmou que se sentiu traído com a sugestão do IF de transformar algumas áreas em parque. Oliveira, entretanto, critica o projeto das reservas.

— Ele transforma metade da área da Juréia em área de desenvolvimento sustentável. Os locais escolhidos são justamente os mais conservados da estação. E ainda não está claro de que forma os moradores poderiam utilizar a terra - disse. (Folha de S.Paulo, 04/09)

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