Especialistas concluem evento Governança e Sustentabilidade Ambiental
2005-09-02
O evento Governança e Sustentabilidade Ambiental, promovido pelo Senac de São Paulo, entre os dias 29 e 31 de agosto, foi concluído com um painel de consolidação das discussões dos três dias. Participaram da mesa o economista Daniel Igliori, o ambientalista Fábio Feldmann, o filósofo José de Ávila Coimbra, o professor da PUC Ladislau Dowbor, a geógrafa Stela Goldenstein, o engenheiro civil Rubens Born e Renato Arnaldo Tagnin, professor do Centro Universitário Senac. Cláudio Luiz de Souza Silva, gerente de desenvolvimento do Senac, ficou responsável pela presidência da mesa.
Cada um dos participantes fez um relato dos pontos mais importantes apresentados nas mesas que eles presidiram nos dias anteriores, tentando relacioná-las com os demais debates do evento. Assim, Fábio Feldmann, que presidiu a mesa Marco Político-Institucional, falou da importância de se trabalhar com uma visão multidisciplinar quando se pensa os temas da governança e do meio ambiente. Ele classificou a governança como um tema inovador e comparou-o a um software de computador. Ao invés de se pensar tanto no hardware (os atores envolvidos), ele sugeriu que se reflita mais sobre o software, ou seja, sobre como operacionalizar a articulação dos atores, a fim de se propor soluções para os problemas ambientais.
Stela Goldenstein, presidente da mesa Processo Decisório: Transparência, lamentou que a crise política atual não tenha sido objeto de discussões durante o evento. Ela afirmou que teria sido um bom momento para se discutir o assunto, já que a questão também passa pelo tema da governança. A geógrafa disse acreditar que as utopias são necessárias, pois que movem as gerações. Para ela, algumas organizações sociais colocaram uma cunha de utopia nos programas de governo relativos à gestão dos recursos hídricos. No entanto, esse é um projeto que não está pronto. Por isso, fez um apelo aos jovens da platéia para que participem, cobrem, interajam, fiscalizem, acompanhem para o resto da vida esse processo.
Em sua opinião, essa tarefa coletiva não pode ser delegada a terceiros, nem aos governos, porque isso implica abrir mão do futuro. Ela acrescentou que a governança e a sustentabilidade ambiental devem fazer parte das discussões cotidianas das pessoas.
José Ávila, que ficou responsável pelo painel especial com relatos de experiências sobre o manejo sustentável da água, disse que é fundamental resgatar o histórico das iniciativas já desenvolvidas. Ele lamentou a destruição de muitos relatórios de experiências e sugeriu que talvez a Agência Nacional das Águas ou o Ministério do Meio Ambiente pudessem assumir a tarefa de registro.
Outro item apontado por Ávila foi a necessidade de se criar uma nova cultura, a da consciência ecológica. Para isso, apontou que é preciso compreender o aspecto sistêmico dos recursos hídricos, valorizar técnicas e saberes tradicionais, criar uma cultura de cidadania ambiental, a fim de evitar que o poder público assuma o monopólio do desenvolvimento sustentável e da governança dos recursos hídricos. Também pontuou que o melhor espaço para a participação da sociedade civil na gestão desses recursos são os comitês de bacias hidrográficas.
Danilo Igliori, presidente da mesa Dimensões Econômicas e Financeiras, explicou que, ao olhar para as múltiplas questões sobre a água, é preciso observar que elas não passam apenas pela dimensão econômica, mas que essa dimensão não pode ser deixada de lado.O economista afirmou que, por um lado, a água é bem essencial e, por isso, deve fundamental que o Estado garanta o acesso à água potável para todos os cidadãos. No entanto, a água tem uma outra dimensão. É também um bem econômico, escasso. E é aí que começam os problemas. Segundo Igliori, grande parte dos conflitos relativos aos recursos hídricos está associada ao uso da água por parte de quem já tem acesso a ela, por isso é fundamental o debate sobre a eficiência e racionalidade do uso da água.
Ele explicou que, antigamente, o Estado era responsável por prover e regular o uso da água. Com o movimento de privatização nos anos 90, o governo passou a ser questionado como o principal provedor e regulador dos recursos e as empresas passaram a assumir parte dessas responsabilidades. No entanto, no final dos anos 90, as evidências empíricas mostraram que isso não era tão simples. De acordo com o economista, o cenário atual aponta para soluções mistas, envolvendo o Estado, empresas privadas e organizações sociais nessa gestão. Ele ressaltou que não há regra geral para o problema; é preciso olhar caso a caso, já que os interesses variam e são contraditórios. De qualquer forma, ele destacou a importância de a sociedade civil participar, pressionando governos e órgãos reguladores, e criando mecanismos para solucionar conflitos.
Ladislau Dowbor, que presidiu a mesa Instrumentos de Gestão, afirmou que, quando se pensa na água, procurar a maximização de interesses individuais é encontrar a guerra. Por isso, ele avalia que o mercado não é regulador adequado para gerir esse bem. Por outro lado, o Estado não consegue fazer a regulação fina, entrar em todas as comunidades. Assim, é preciso construir novas formas de gestão mais complexas e participativas, visando a resolução dos conflitos de interesses. Para o professor, é fundamental a elaboração de um novo paradigma, baseado na cooperação. Mas como isso depende do acesso a informações. Por isso, ele considera preciso que os analistas desagreguem os dados gerados por grandes institutos de pesquisa, como o IBGE, de forma a traduzir esses números para as pessoas a consigam utilizar essas informações e se articular localmente, criando consensos. Dowbor ainda disse que já existem espaços institucionais criados para a participação da sociedade, como os comitês de bacias hidrográficas, mas que é preciso dar a eles uma capacidade decisória efetiva. - O que funciona é a sociedade civil organizada porque ela cobra das empresas e do Estado -, insistiu.
Rubens Born, presidente da última mesa de debates do evento, Espaços de participação, articulação e assimetria dos atores, advertiu que não se discutiu como se deveria os espaços de participação da sociedade e a crise de governança na esfera internacional. Para ele, espaços globais como a Organização Mundial do Comércio (OMC) e as convenções internacionais deveriam chamar mais a atenção da sociedade civil, que deveria ser capacitada para atuar no âmbito internacional. A governança no interior da própria sociedade civil, com transparência, diálogo e participação também deveria ser uma preocupação. O professor de Tecnologia em Gestão Ambiental, Renato Tagnin falou de suas observações com participante do evento. Para ele, o conceito de governança deve ser mais depurado e traduzido para a mídia, técnicos e organizações, a fim de promover o envolvimento de todos. O professor do Senac lembrou a necessidade de se aproximar as questões debatidas no âmbito global com a dimensão local. Ele acredita que, só assim, as pessoas vão saber como agir. Além disso, citou o potencial ainda desconhecido das redes sociais que, na sua opinião, podem e devem ser utilizadas para criar novas soluções. E ponderou que a questão da água, agravada pelas mudanças climáticas, é urgente, pois o ritmo da degradação é muito acelerado, o que exige a tomada de ações imediatas.
O gerente do Senac, Cláudio Luiz de Souza Silva, encerrou o evento, dizendo que as discussões deste ano servirão de base para a elaboração de um novo evento sobre governança, de que deve ser realizado daqui a dois anos. Ele afirmou que esse tema deve fazer parte do dia-a-dia das atividades e discussões do Senac, que pretende colaborar para construir formas mais adequadas de participação da sociedade. Cláudio ainda pontuou que as discussões do seminário, as apresentações dos palestrantes e novos informações estarão disponíveis no site e também no portal setor3. (Senac SP, 01/09)