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2005-09-02
Pesquisadores do instituto Imazon passaram os últimos seis meses mergulhados numa floresta de estatísticas para derrubar um mito muito enraizado: o de que a devastação é o preço do progresso. Cruzaram informações de 407 municípios da Amazônia e descobriram que o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da região é menor que a média nacional. E mais: que o desmatamento não melhorou as condições de vida da população. O IDH das cidades mais devastadas é muito semelhante ao das que mantêm a cobertura florestal preservada-, diz Danielle Celentano, uma das autoras do estudo. A pujança gerada pela exploração predatória de madeira tem fim. E, quando os recursos naturais minguam, os municípios devastados declinam.

Depois da exploração predatória, o IDH cai

Esse ciclo, conhecido como boom-colapso, dura pouco mais de 20 anos. Durante a primeira década, a abundância de madeira numa região gera empregos e renda. Atrai madeireiras, serrarias e trabalhadores de áreas vizinhas. Infla a economia local e muda o perfil da população. Mas, quando a floresta está no chão, essas empresas migram para explorar os recursos naturais de outras regiões, deixando para trás a natureza degradada, o local empobrecido e o número de habitantes multiplicado.

Outro estudo, também inédito, de José Maria Cardoso da Silva, da ONG Conservação Internacional, confirma a tese do Imazon. Silva pesquisou 57 municípios da Amazônia e chegou à mesma constatação. — O aumento do IDH nos primeiros momentos de expansão da fronteira de exploração dos recursos naturais não se mantém com o tempo e, depois, declina a níveis piores do que antes do desmatamento-, diz. As variáveis que compõem o IDH são renda, longevidade e educação. Em 2000, a média dos municípios analisados pelo Imazon era de 0,659 (14% inferior à média do país). Dos 407, três apresentavam índices acima de 0,800 - considerados satisfatórios pela ONU. São eles: Sinop e Cláudia, em Mato Grosso, e Belém, no Pará.

Mas a grande maioria sofre com a exaustão da floresta. Mãe do Rio, a 188 quilômetros de Belém, no Pará, foi completamente desmatada em 20 anos de exploração. — Estamos em crise. Cerca de 60% da população está desempregada-, diz Nina Maria de Sousa, secretária de Administração e Finanças do município. A situação é tão grave que a maioria dos habitantes, que chegaram atraídos pela madeira, depende da distribuição de cestas básicas para sobreviver. Pequenos agricultores plantam mandioca, hoje com preço baixo. Cooperativas procuram diversificar a produção. — Estamos investindo na plantação de açaí, criação de abelhas e piscicultura, conta Aires dos Reis, da Coodersus.

As conseqüências nefastas do desmatamento estão por toda parte. Mais da metade da população de Açailândia, na Amazônia maranhense, vive com menos de um salário mínimo. Nos anos 80, o município chegou a ter mais de 600 madeireiras. Agora, há cerca de 30, abastecidas com matéria-prima de vizinhos. Os fazendeiros do município derrubaram 90% da floresta e botaram gado. — Essa região só não é deserto porque virou pasto-, diz Pedro Rocha Neto, assessor de Planejamento da prefeitura. E só não está pior porque tem um pólo siderúrgico que emprega mais de 2 mil pessoas. — O processo de degradação foi estimulado pelo governo. Era praticamente um sistema de escambo. Havia incentivos fiscais para quem desmatasse. Quanto mais limpa estivesse a terra, mais valia. O preço baixo atraiu a pecuária extensiva.

A pecuária é questionada porque gera pouco emprego e concentra a renda na mão de poucos fazendeiros. — Há pastos muito produtivos. A questão é que eles dão lucro para o dono, mas não sustentam uma comunidade-, explica o economista Robert Schneider, do Banco Mundial.

A pressão é tão grande que a devastação já começa a atingir as últimas porções mais preservadas da Amazônia. A partir do fim da década de 90, a destruição se expandiu pela BR-163, a Rodovia Cuiabá-Santarém. Estima-se que 25% da produção madeireira da Amazônia esteja ao longo da área de influência dessa rodovia. Empurrados pelas lavouras de soja, grileiros de Mato Grosso começaram a invadir o sul do Amazonas. O problema no entorno do município de Apuí é tão grave que levou o governo do Amazonas a criar, no fim de 2004, a segunda maior área protegida do Brasil, para tentar se isolar do Estado vizinho. Ali haverá parques, reservas extrativistas e exploração manejada de madeira. Apesar de ter 55% do território teoricamente protegido, a população ainda tem medo. — Há grileiros expulsando gente de suas terras, sob ameaça. A violência é grande, diz o prefeito Antonio Roque Longo (PPS).

A idéia é usar experiências encorajadoras, como a de Laranjal do Jari. Encravados na região mais pobre do Amapá, trabalhadores da reserva Iratapuru extraem castanhas e copaíba que são usadas na fabricação de xampus, hidratantes, sabonetes e aromatizantes de uma famosa empresa de cosméticos e exportam amêndoas para a Europa. Apesar de pequeno, da infra-estrutura ainda precária e das condições de vida inóspitas, Laranjal do Jari está conseguindo se manter com os recursos da floresta. — Se não for assim, a Amazônia continuará à mercê de investidores que exploram e depois vão embora-, diz Roberto Smeraldi, da ONG Amigos da Terra. (Revista Época, 29/8)

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