A falsa boa notícia na Amazônia
2005-09-02
A maior floresta tropical do planeta enfrenta um momento decisivo em sua história. O desmatamento acumulado nos últimos anos chegou a patamares tão elevados - são 313 mil quilômetros quadrados de devastação, o equivalente a uma Itália inteira - que é chegado o momento de o país fazer uma escolha.
Enquanto o governo tenta faturar politicamente uma redução no ritmo da destruição, especialistas avisam que o alívio é temporário e pode ser explicado tanto pelas medidas governamentais como pelas forças do mercado. O processo de invasão de terras públicas e a exploração predatória de madeira podem voltar, com força total, a qualquer momento. Estudo inédito do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), com base em imagens de satélite, revela que foram desmatados 15.909 quilômetros quadrados no último período medido, que vai de agosto de 2004 a julho deste ano. É 40% menos que a taxa recorde do período anterior, mas não há tempo para ilusões. Esse ritmo ainda é tão impressionante que, em uma década, igualará o volume de árvores derrubadas em 478 anos - desde a chegada de Pedro Álvares Cabral até o último ano do governo Geisel.
Quem puxa os índices de desmatamento é o Estado de Mato Grosso. Responde por 59,9% da devastação de toda a Amazônia. Sozinho, ele eliminou 9.527 quilômetros quadrados de floresta. Os milhares de hectares que todo ano viram pasto ainda chocam o mundo. Até porque essa destruição, diferentemente do que se costuma dizer, não traz progresso. Pesquisa inédita mostra que os municípios que mais desmatam permanecem pobres (leia à pág. 72). Nos países desenvolvidos, como nos EUA e na Europa, a marcha é invertida. Lá, as florestas estão crescendo de novo.
MOTOSSERRA
O Estado do Mato Grosso foi responsável pela maior parte do desmatamento. Ao alto, desmatamento ilegal no município mato-grossense de Sinop
A taxa de desmatamento oficial só deve ser anunciada em dezembro. Ela é obtida pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) a partir de imagens do satélite Landsat, dos EUA, que é o mais preciso. O que o Imazon fez foi usar dados preliminares do Inpe, fornecidos por dois satélites da Nasa, e desenvolver equações que corrigem as possíveis distorções. — A margem de erro da estimativa é de 661 quilômetros quadrados-, explica o geógrafo Carlos Souza, que coordenou a pesquisa.
Uma série de fatores conjunturais contribuiu para frear o desmatamento. Um deles foi a criação de áreas protegidas - último recurso para tentar salvar a floresta. Foram 12 milhões de hectares nos últimos dois anos. Dados acumulados desde a década de 70 mostram que a perda de floresta é de 1,5% em áreas protegidas, contra 12% em áreas sem proteção. O problema é que a pressão sobre esses redutos é cada vez maior. Três reservas de Rondônia já perderam mais de 60% de sua cobertura vegetal.
O setor agropecuário, um dos principais motores do desmatamento, também deu sua contribuição. O desmatamento, que começa com a grilagem de terras e a retirada da madeira, geralmente termina na pecuária extensiva.
Mas os produtores vivem uma das piores crises da História, enrolados em dívidas e sem crédito para expandir suas fronteiras. Em junho, reuniram 25 mil agricultores na Esplanada dos Ministérios numa manifestação batizada de Tratoraço: o Alerta do Campo. O setor continua em baixa.
A queda no índice deve-se também ao aumento das ações de fiscalização do governo. — Foi criada uma verdadeira operação de guerra, diz José Maria Cardoso da Silva, da Conservação Internacional. A Operação Curupira, que aconteceu em junho, no Mato Grosso, desmontou uma poderosa quadrilha de madeireiros. A ação conteve o desmatamento justamente em um mês que, segundo dados históricos, registra um índice de devastação elevado. Em relação a 2004, o desmatamento em junho deste ano foi 93% menor. Antes de ser preso, o bando chegou a destruir 43 mil hectares de floresta. Só que operações policiais como essa, embora atenuem o problema, não sustentam uma política ambiental. O Ibama atualmente tem 800 fiscais para cuidar de uma área de 5 milhões de quilômetros quadrados. Ou seja, cada funcionário tem de dar conta de 6.500 quilômetros quadrados - o equivalente a meia Irlanda do Norte para cada um.
— Os madeireiros precisam perceber que o lucro obtido com a derrubada da floresta é infinitamente menor que os dividendos conquistados com a preservação da Amazônia-, avalia Adalberto Veríssimo, do Imazon. — Mudar a forma como as pessoas enxergam a Amazônia e criar uma economia sadia para a floresta é a única forma de preservá-la-, acrescenta. Atualmente 20 milhões de pessoas vivem na região e precisam tirar seu sustento dali. Como alternativa sustentável, especialistas apostam no manejo florestal, prática que se caracteriza pela retirada seletiva e controlada de madeira. — Aquele que não desmata suas terras tem de receber um bônus por isso-, diz Mauro Armelin, da WWF-Brasil. Ele explica que os pequenos proprietários precisam de legislação florestal simplificada e de treinamento para aprender a gerir a floresta de forma sustentável.
Mas a principal falha do governo é a negligência histórica com a bagunça fundiária. O Ibama estima que 25% das terras da Amazônia sejam de propriedade particular, 33% de áreas protegidas e os 42% restantes de terras públicas griláveis. Regularizar a posse da terra é a condição mínima para atrair madeireiras sérias e afastar aventureiros.
A situação é complicada para quem quer explorar madeira sustentavelmente. Hoje, a aprovação de novos planos de manejo está suspensa. Uma portaria do Incra e do Ministério do Desenvolvimento Agrário, aprovada em dezembro de 2004, proibiu a emissão de novos registros na tentativa de vistoriar os planos já aprovados. Até então declarações de compra e venda de terrenos, muitas vezes forjadas, eram suficientes para que o Ibama desse sinal verde para a derrubada. Estão emperradas no Ibama, há mais de 90 dias, as autorizações anuais para o transporte de madeira.
O problema é que, sem força para reduzir burocracia, o órgão paralisou o setor florestal, punindo igualmente bandidos e empresas sérias. — O maior prejudicado é quem age de acordo com a lei-, diz Carlos Guerreiro, presidente do Grupo dos Produtores Florestais Certificados da Amazônia. Algumas empresas ainda trabalham com o estoque de seus pátios. Outras, sem reposição de matéria-prima, estão paralisadas. Guerreiro é dono da Gethal, que acumula prejuízo de R$ 1,5 milhão. Outra empresa certificada, a Cikel, é a maior e mais antiga madeireira da Amazônia. Está com a produção parada e teve suas terras invadidas há dois meses por madeireiros ilegais.
Estima-se que 80% das empresas que trabalham com madeira da Amazônia usem documentos frios. Existem 2 mil empresas explorando madeira na região e apenas nove possuem certificação, o que, entre outras coisas, garante a origem da madeira. —Medidas estruturais de combate ao desmatamento incluem o fortalecimento dos órgãos ambientais-, acredita Antônio Carlos Hummel, diretor de Florestas do Ibama. Falta agilidade para conter a derrubada de árvores antes que os satélites anunciem o desmatamento. — Por enquanto o Ibama chega e conta as toras que estão no chão-, diz Armelin, da WWF-Brasil.
A grande aposta das empresas regulares é o projeto de lei para gestão de florestas públicas no Brasil, que vai para o plenário do Senado em 12 de outubro. Ele prevê que madeireiras explorem, de forma sustentável, reservas florestais criadas especialmente para isso. É como funciona em países vizinhos, como Peru e Venezuela, e no mundo desenvolvido, do Canadá à Finlândia.
O que foi feito e o que falta fazer
Novas áreas protegidas - Com a trágica morte da missionária Dorothy Stang, assassinada em Anapu, Pará, em fevereiro, o governo apressou a criação de áreas protegidas. Mas o estoque de áreas disponíveis para isso é cada vez menor.
Commodities agrícolas em baixa - O setor agrícola brasileiro vive uma das piores crises da história. A desvalorização dos grãos no mercado internacional contém o desmatamento da floresta. Mas o preço das commodities vai subir de novo
Esforço de fiscalização - A Operação Curupira desfez quadrilhas que atuavam em Mato Grosso e Rondônia fraudando autorizações para a exploração de madeira. Mas é pouco viável sustentar a política ambiental com megaoperações policiais.
As principais medidas concretas que ainda falta tomar
Regularização fundiária - A maior parte da terra privada está em disputa, o que afasta madeireiras interessadas em exploração sustentável e certificada.
Nova lei florestal - Ainda está no Senado a lei que regulamenta o uso de terras públicas para exploração sustentável, desencorajando a grilagem.
A HERANÇA OFICIAL DE CADA UM
As taxas médias anuais de desmatamento em cada gestão do Ministério do Meio Ambiente colocam Marina Silva em segundo lugar. Só José Carlos Carvalho teve mais desmatamento que Marina. As médias dos últimos dez ministros - em km².
José Carlos Carvalho- Março de 2002 a dezembro de 2002- 23.931 km²..
Marina Silva- Desde janeiro de 2003 - 22.212 km².
Henrique B. Cavalcanti - Abril de 1994 a dezembro de 1994 -21.977 km².
José Sarney Filho - Janeiro de 1999 a março de 2002- 18.884 km².
Gustavo Krause- Janeiro de 1995 a dezembro de 1998 -17.732 km².
Rubens Ricupero -Dezembro de 1993 a abril de 1994 -14.896 km².
Fernando C. Jorge - Outubro de 1992 a dezembro de 1993- 14.896 km².
Flávio M. Perri - Julho de 1992 a setembro de 1992- 14.341 km².
José Goldemberg - Março de 1992 a julho de 1992- 13.786 km².
José Lutzemberger -De 1990 a 1992 -12.470 km².
(Revista Época, 29/8)