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2005-08-31
Bernardo Cruz Souza é maranhense, mas há 18 anos mora em Minas Gerais. Depois que foi atingido pela barragem de Candonga ficou desempregado e hoje mora de favor em uma casa no município de Rio Doce. Bernardo ajuda na organização do Movimento dos Atingidos por Barragens/MAB na sua região e conta que por esse motivo sofre ameaças. Em entrevista ao Setor de Comunicação do Movimento, ele relatou a angústia ao ver sua casa sendo destruída, sua situação de vida e suas esperanças. Hoje, 30 de agosto, a barragem está sendo inaugurada pelas empresas e pelo governador do estado, mas a população local não se cala, repudia o ato e se mobiliza dizendo que já basta de ditadura aos atingidos.

Setor de Comunicação: Qual seu sentimento quando você vai ao lago da barragem?
Bernardo Cruz Souza: Antes era tudo bonito, agora eu não me conformo e infelizmente tenho que olhar e dizer: eu morava ali naquele local onde agora é o lago. Sempre que vem gente visitar eu digo: você quer ver onde a nós morava? A empresa chegou oferecendo mil maravilhas, dizendo que nós teria uma vida melhor, que os filhos iriam para a escola... Só que hoje o pessoal está passando fome, tem famílias que estão pensando em vender a casa, querendo comprar um pedacinho de terra e ir para a roça. Na Velha Soberbo era um lugarzinho feio, mas todo muito gostava. Até mesmo eu que cheguei depois fui acostumando com as pessoas.

Setor de Comunicação: Qual era a base da economia na região?
Bernardo: Muitos garimpeiros moravam ali mesmo, tiravam ouro e pedras preciosas. Tinha bastante gente que vivia da extração, mas também tinha os que plantavam para a sobrevivência. Não faltava alimentação para ninguém, hoje a maioria das pessoas atingidas está desempregada, em torno de 95%. Eu passo uma grande necessidade e posso falar que nem no nordeste, que foi a região que eu nasci, não passei tanta necessidade como estou passando nesse local, pois agora eu estou desempregado. Fazem 20 anos que eu trabalho no garimpo e graças a Deus, sempre tinha alguma coisa pra mim me manter.

Setor de Comunicação: O que os funcionários da empresa diziam quando foram para Minas construir Candonga?
Bernardo: Quando eles vieram para Minas, diziam que eram psicólogos, mas na verdade eram negociadores. Mostravam um documento pra gente dizendo que todo mundo ia receber moradia, eu lembro muito bem. Há oito anos atrás, quando eles andaram fazendo as primeiras visitas, fazendo os levantamentos, eles mostravam esse documento, não pra todo mundo, mas pra gente que procurava. Nos tiraram e botaram até em outro município. E nos diziam: espera ali ou vai pra justiça. E quem vai se meter com a justiça? Ela só vale para alguns... E como eu estava falando antes, essa necessidade, essa falta de alimentação, eu vim passar em Minas Gerais por causa da barragem. Nunca tinha me acontecido e já tenho 44 anos.

Setor de Comunicação: No dia 3 de maio do ano passado a polícia destruiu o povoado onde vocês moravam. Nos conte como foi aquela situação.
Bernardo: Na verdade a gente já estava com medo uma semana antes do dia 3. A gente tinha medo que eles poderiam nos atacar à noite, então fizemos várias barricadas, botamos madeira e fogo na estrada. Naquela semana o comandante foi na comunidade e disse que era melhor a gente sair, pois, segundo ele, aquelas terras já eram da empresa. Os policiais ficavam 24 horas por dia lá, vigiando cada passo que nós dava. Então naquele dia 3, às 5 e meia da manhã eles vieram, tinham várias viaturas, caminhões de bombeiros, cães farejadores... Também vieram autoridades, juízes, promotores. Isso pra nos tirar, mas quando foi para resolver os problemas, eles não voltaram. Algumas famílias já haviam saído, pois ficaram com muito medo. E os que restaram não queriam ficar, mas ficaram pois não tinham pra onde ir.

Setor de Comunicação: E o sentimento de ver as casas sendo destruídas pelas máquinas?
Bernardo: Isso foi horroroso. Seis meses depois daquilo eu não conseguia comer, nem dormir bem. Às vezes eu vou lá e parece que vejo tudo de novo começando. Mas quem sofreu foram as pessoas mais idosas que viram a última construção ser destruída, a igreja católica. E se não fosse chegar uma pessoa na hora, tinham destruído a igreja com todas as imagens dentro. Foi uma imensa falta de respeito, isso por volta das nove horas da noite. Quando destruíam as casas, várias pessoas passaram mal, teve uma senhora que ficou com o braço machucado por um policial, pois quando começaram a destruir a casa da mãe dela, ela ficou muito nervosa. Eu mesmo que sou forte, nessa hora fui fraco e não consegui ficar olhando. Num dia destruíram tudo e no local ainda moravam 14 famílias.

Setor de Comunicação: E agora?
Bernardo: Agora já encheu o lago e o pessoal está com a mão na cabeça, como diz o ditado. Não sabemos o que fazer. Isso sem falar que algumas famílias que receberam casas, tem que se mudar, pois as casas já estão caindo, outras estão escoradas com ferragem e paus pra não cair. E mais, há 15 dias atrás teve uma reunião numa cidade vizinha e falaram sobre proteção ao meio ambiente. Na verdade a gente já escutava falar que não teremos mais acesso ao lago, nem para pescar. Garimpar nunca mais.

Setor de Comunicação: Qual sua maior esperança?
Bernardo: A minha maior esperança é que todos tenham consciência que em qualquer região que forem construídas, as barragens só trarão problemas. Por exemplo, lá onde eu moro, só 5% dos garimpeiros foram reconhecidos. Fomos comparados com plantadores de maconha, diziam que nós tínhamos um trabalho ilegal. E os meeiros receberam uma proposta miserável e se não quisessem aquilo, teriam que entrar na justiça ou senão ficar sem nada. Mas o que eu mais quero é que um dia a gente tenha um espaço para viver, uma moradia e terra pra trabalhar, porque todas as pessoas que agora estão em Nova Soberbo estão sem terra.

Setor de Comunicação: O que significa o MAB em Candonga e o que você diria para quem construiu a barragem?
Bernardo: No início, quando o MAB chegou, foi rejeitado pelas pessoas, pois ainda não conheciam o Movimento. Mas foi rejeitado só por aquelas poucas famílias que estavam sendo indenizados. Eu sei que nós só conseguiremos as coisas se estivermos organizados no MAB. E para a Novelis e Alcan, eu diria que eles não tem nada de humanidade. Eles estão matando o povo. Tem muita gente angustiada e doente por causa da barragem. Eu não concordo com as barragens, nem que eles pagassem todo mundo direitinho, porque você perde todos os espaços para viver. (Informe do Movimento dos Atingidos por Barragens- MAB, 30/8)

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