Audiência sobre hidrelétrica de Dardanelos ocorre mesmo com irregularidades no EIA-Rima
2005-08-31
A Audiência Pública para debater o Aproveitamento Hidrelétrico (AHE) Dardanelos, no qual se propõe a construção de uma Usina Hidrelétrica (UH) na região do complexo das cachoeiras das Andorinhas e de Dardanelos, no município de Aripuanã, no norte de Mato Grosso, aconteceu no sabádo (27/08) apesar de uma medida cautelar do Ministério Público Estadual, ter apontado irregularidades no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e no Relatório de Impacto Ambiental (Rima) da obra.
Segundo informações do professor da Universidade Federal de Mato Grosso, o ecólogo Francisco Arruda, que integrou uma equipe de técnicos contratados pelo Ministério Público Estadual (MPE) para participar da Audiência Pública, os impactos gerados pela construção da Usina poderão ser a verdadeira sentença de morte de uma das cachoeiras mais belas do Estado, pois a obra prevê a redução da vazão média do rio durante sete meses do ano – no período da estiagem – de 30 metros cúbicos por segundo, para seis metros cúbicos por segundo.
— Durante esse período as cachoeiras das Andorinhas e de Dardanelos, que formam o complexo, irão se transformar em dois filetes de água, pois conforme o relatório divulgado durante a Audiência Pública, a obra prevê a distribuição da vazão do rio em 13,5 m3/s para a Usina de Faxinal, restando apenas 12 metros cúbicos que serão distribuídos entre as cachoeiras e uma Pequena Central Elétrica (PCH) da Rede Cemat -, explicou Machado.
A construção da Usina Hidrelétrica de Dardanelos vem sendo estudada desde 1993, e segundo dados da Eletronorte - uma das proponentes do projeto - o diferencial do empreendimento é a ausência de formação de lago, pois a energia a ser gerada provém do aproveito da queda natural existente nos saltos e cachoeiras de cerca de 130 metros de altura. Embora a Eletronorte afirme ser a AHE Dardanelos um empreendimento de baixo impacto ambiental, as informações contidas no Relatório de Impacto Ambiental (Rima) apresentados durante a audiência pública demonstram que irá ocorrer uma grande transformação da paisagem natural da região, causada pelo desvio de parte do curso do rio Aripuanã para abastecimento das turbinas da Usina.
— Não tem como afirmar que não irão ocorrer grandes alterações, se dos 83 impactos apresentados apenas oito são positivos e 72 negativos, alguns irreversíveis como o desaparecimento de algumas espécies de anfíbios e de andorinhas que vivem no complexo das cachoeiras -, explicou o ecólogo.
Com base em várias irregularidades e na ausência de informações no EIA/RIma foi proposta na sexta-feira (26) uma ação de cancelamento da Audiência Pública pelo promotor de Justiça de Aripuanã, Kledson Dionysio de Oliveria, contra a Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema), o governo do Estado, Centrais Elétricas do Norte do Brasil S/A – Eletronorte, Construtora Norberto Odebrecht, Leme Engenharia e PCE – Projetos e Consultorias de Engenhara Ltda.
Segundo informações do promotor, entre as irregularidades do EIA/Rima está a falta de uma avaliação objetiva dos reais impactos do empreendimento.
— Os estudos apresentados vão contra os dispositivos da resolução Conama 001/86, que regula a realização de EIA/Rima para empreendimentos deste porte, sendo que o documento entregue ao MP não segue nem sequer as exigências mínimas da Lei, como a existência de informações suficientes para que a população possa decidir sobre a construção do empreendimento. Também não há nos estudos a previsão do impacto gerado pela construção das linhas de transmissão que deverão ser instaladas para a distribuição da energia gerada com a instalação da Usina. Outro problema apontado foi a falta de notificação da Sema ao Ministério Público Estadual, pois só viemos a saber da realização da audiência pública através da Eletronorte, o que também está em desacordo com a lei -, explicou o promotor.
Apesar da medida cautelar ter sido proposta, a juíza da Comarca de Aripuanã Aline Luciane não acatou o pedido do MP, decidindo pela realização da audiência pública. A alegação para o indeferimento do pedido foi de que as irregularidades do EIA/Rima deveriam ser discutidas durante a realização da audiência.
Na avaliação dos técnicos que participaram da audiência, a presença da equipe contratada pelo Ministério Público foi o suficiente para elucidar à população os danos que não estavam claros no EIA/Rima.
— Conseguimos através de muitos questionamentos levantar os pontos que estavam sendo deixados de lado, mas no caso, como a audiência é um mero instrumento consultivo, a decisão final ficará a cargo da Sema e da população que poderá através do Ministério Público requerer outras audiências para maiores esclarecimentos -, conclui Arruda.
Segundo dados da Eletronorte o orçamento da construção da AHE Dardanelos é de cerca de R$ 596 milhões, investidos para a geração de 261 MW de energia. Valor este que também desconsidera o investimento necessário para a instalação das Linhas de Transmissão, necessárias para conectar a energia gerada pela Usina ao sistema nacional de energia, distante 540 quilômetros do empreendimento.
Ao ser questionada sobre o objetivo do investimento em Aripuanã, o superintendente regional de engenharia da Eletronorte em Mato Grosso, Hélio César Monti, explicou que a construção da AHE Dardanelos faz parte dos planos de expansão de oferta contidos no Plano Nacional de Energia do Brasil.
— É um dos compromissos do governo federal agregar anualmente cerca de 3,5 mil megawts de energia ao sistema nacional, para podermos suprir a demanda do crescimento econômico do país. Também estamos investindo na região para promover a inserção regional, chamando a atenção de investidores para a promoção de projetos sócio-econômicos de desenvolvimento -, afirmou.
A exploração de ouro, diamante, e zinco, é um dos empreendimentos econômicos que poderão ser instalados na região com o advento da Usina, embora não esteja contido no Rima qualquer indicação do futuro impacto desse tipo de empreendimento na área de influência da Usina.
Destruição das cachoeiras
A possível destruição da cachoeira de Dardanelos através de modificações radicais em sua paisagem, pois a instalação da usina prevê que a vazão do rio Aripuanã seja rebaixada durante a seca para a 80% da mínima média histórica já observada, caindo para uma vazão de 12 metros, cúbicos por segundo, divididas entre a Cemat e as Cachoeiras, também foram previstas no Relatório de Impacto Ambiental.
Mas apesar dos técnicos responsáveis pelo projeto afirmarem no documento que esse será o principal impacto negativo da obra, não há o direcionamento de medidas paliativas concretas no relatório, que faz apenas uma menção a instalação de projetos de monitoramento da fauna e flora e promoção de atividades culturais com a população de Aripuanã, para amenizar os impactos na paisagem.
— Não dá para se descrever um futuro impacto e dispor como medida paliativa somente o monitoramento a ser feito após a instalação da obra, pois isso contraria inclusive a legislação ambiental -, explica Arruda.
Além da questão da alteração da paisagem cênica da região, considerada uma das mais belas cachoeiras de Mato Grosso e que inclui o município dentro do Programa Nacional de Ecoturismo (Proecotur), outro fato importante relacionado à construção da AHE Dardanelos é a importância ambiental da região, na qual vivem espécies endêmicas – que só existem naquele local do planeta – muitas das quais nunca catalogadas. Dentre essas, algumas têm sua sobrevivência totalmente interligada ao habitat formado pela vegetação existente nas rochas da região do jato da cachoeira.
Entre as espécies apontadas no Rima que terão seu habitat afetado ou até destruído pela alteração da vegetação associada às cachoeiras, estão populações migratórias de andorinhas e duas espécies de anfíbios cujos hábitos pressupõe estreita dependência das quedas d´água. Vivem também na região de influência da AHE algumas espécies ameaçadas de extinção – de acordo com a Lista Nacional do Ibama de 2003 – tais como: a Jaguatirica, o gato-do-mato-pequeno, suçuarana, onça pintada e o cachorro-do-mato-vinagre. A região de Aripuanã é habitat de cerca de 135 espécies entre anfíbios e répteis, 406 espécies de aves, 155 delas vivendo na área de influência da obra, além de 70 espécies de mamíferos de grande porte.
Em maio deste ano, o Ministério Público Federal, também entrou com uma ação visando o cancelamento da audiência Pública consultiva do empreendimento, o questionamento do MPF era relacionado à situação do rio Aripuanã, que segundo afirmações do MPF seria um rio federal, fato que passaria a responsabilidade de licenciamento do empreendimento ao Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Entretanto, a liminar conseguida pelo MPF para cancelar a audiência pública em maio deste ano foi derrubada pelo Tribunal de Justiça que entendeu que apesar do rio Aripuanã ser um rio federal, o impacto gerado pela construção da Usina será regional, sendo a responsabilidade de licenciamento da Sema, que também deverá administrar o investimento previsto no passivo ambiental, no qual serão pagos pelas empreendedoras entre 2% e 3% do valor total da obra – R$ 590 milhões – para a criação de medidas compensatórias do impacto ambiental.
Com uma população média de cerca de 30 mil pessoas, Aripuanã está localizada há mais de mil quilômetros da capital do Estado. A principal fonte de renda do município era a indústria madeireira, mas com a Operação Curupira, que investigou inúmeras fraudes entre as licenças de madeireiras expedidas pelo Ibama, grande parte desses empreendimentos foram paralisados o que gerou uma a estagnação da economia da cidade.
A falta de oferta de mão de obra e de outras perspectivas de negócio são fatores que poderão fazer com que a população local opte por abrir mão do patrimônio natural das cachoeiras, com a esperança de que a instalação da Usina traga perspectivas futuras de crescimento para o município, que apesar do gigantesco potencial carece de maiores investimentos para o desenvolvimento do turismo na região. (Estação Vida, 30/08)