Movimentos pedem que Lula não vá a inauguração de barragem (Candonga)
2005-08-30
O Movimento dos Atingidos Por Barragens (MAB) e organizações de defesa dos direitos humanos, como a ONG Justiça Global e a Comissão Pastoral da Terra (CPT), enviaram, no final da semana passada, duas cartas à Presidência da República exigindo que Lula não compareça à cerimônia de inauguração da hidrelétrica de Candonga, no município de Santa Cruz do Escalvado, Minas Gerais. Lula deveria participar da solenidade nesta terça (30), em companhia do governador mineiro, Aécio Neves, mas, segundo sua assessoria, desmarcou o compromisso.
Gerida pelo Consórcio Candonga, composto pelas empresas Vale do Rio Doce e Alcan Alumínios do Brasil, a barragem acabou conhecida internacionalmente como um caso emblemático de má gestão social e violação de direitos humanos, segundo denunciam as entidades.
O processo de construção, que teria sido marcado por uma série de quebras de acordo por parte do Consórcio e graves conflitos entre a polícia e os atingidos dos povoados de São Sebastião do Soberbo, Santana do Deserto e Rio Doce, foi documentado no relatório Atingidos e Barrados – As violações de direitos humanos na hidrelétrica Candonga, elaborado pela Justiça Global, CPT, MAB e Núcleo de Assessoria às Comunidades Atingidas por Barragens.
O documento foi apresentado à Comissão de Direitos Humanos da ONU em maio de 2005, o que acabou gerando uma publicidade internacional bastante negativa para as empresas Alcan (hoje Novellis) e Vale do Rio Doce.
— É por isso que a Consórcio fez questão de convidar o presidente. A sua presença ajudaria, de certa forma, a refazer a imagem desgastada das empresas -, avalia Gilberto Cervinski, coordenador nacional do MAB.
Nas cartas enviadas à Lula, o MAB solicita à Presidência da República que, além de não comparecer, o presidente não deve enviar ninguém que o represente nesse ato, uma verdadeira afronta às famílias que até hoje não tiveram seus direitos garantidos .
— Consideramos que a presença de Vossa Excelência na inauguração representará uma inversão de valores e fomentará a descrença das pessoas que tiveram seus direitos violados. Nesse sentido, solicitamos que não corrobore com as graves violações de direitos humanos que estão acontecendo no processo de implantação da referida hidrelétrica, não participando da inauguração -, diz trecho de uma das cartas.
— Os atingidos estão revoltados com a idéia da inauguração de Candonga, e nos sentimos na obrigação de comunicar a Lula que participar [da cerimônia] seria uma fria -, explica Cervinski. Segundo a assessoria do presidente, Lula estará em uma atividade em Uberlândia nesta terça (inauguração do aeroporto local), mas cancelou a ida ao município de Ponte Novo, onde ocorrerá a inauguração de Candonga.
Denúncias Os conflitos envolvendo a Hidrelétrica de Candoga ainda hoje não têm previsão de solução. De acordo com Cervinski, cerca de 300 famílias desalojadas pela barragem ainda não foram indenizadas, outras tantas não foram nem reconhecidas, e outras, que foram realocadas da barranca do rio para assentamentos do consórcio ficaram sem terra agriculturável para trabalhar. Agora, as casas construídas pelas empresas também estariam rachando.
— As famílias que foram reconhecidas como atingidas pela barragem viviam na roça e foram transferidas para casas urbanas separadas por muros e grades. Todos os moradores, sem exceção, perderam suas raízes e foram induzidos a uma falsa idéia de avanço, suas casas estão desabando em decorrência da péssima qualidade das construções; as famílias estão vivendo a iminência de terem mais uma vez sua esperança soterrada, não mais pela água, mas pela terra; são pessoas que tiveram suas plantações destruídas, seus meios de subsistência esgotados; o desemprego é uma realidade em todas as comunidades atingidas. Essas famílias viram a história de muitas gerações serem submersas nas águas que representam empreendimentos privados -, afirma trecho da carta à Presidência.
— Candonga é um caso emblemático de mau exemplo na construção de hidrelétricas. O processo de licenciamento ambiental e construção foi conturbado desde o início. Lideranças do Movimento dos Atingidos por Barragens/MAB dizem que as audiências públicas foram mais parecidas com festas, patrocinadas pelas empresas, do que com espaços de debate sobre os impactos ambientais e sociais do empreendimento. Além disso, a negociação com as famílias foi marcada por enganação e mentiras. É essa obra que as empresas pretendem inaugurar no dia 30 de agosto e convidam para o evento o Presidente da República – afirma o outro documento.
Independente da presença de Lua na inauguração de Canonga, o MAB prometeu grandes protestos, tanto contra o Consórcio quanto contra o governador Aécio Neves, cuja avó, Risoleta Neves, dará o nome à Usina. (Agência Carta Maior, 30/08)