Governo anuncia grande queda da devastação. Técnicos duvidam
2005-08-30
O governo divulgou ontem (26/08), em Brasília, estimativas de desmatamento da Amazônia com base em um novo sistema de monitoramento por satélite, o Deter, que indicam uma queda na taxa de retirada de árvores pela metade. Do fim de agosto de 2004 até o fim de julho deste ano, pouco mais de 9.102 km2 foram desmatados, enquanto, no período anterior correspondente, o número seria de 18.724 km2. O anúncio foi feito ontem pelas ministras da Casa Civil, Dilma Rousseff, e do Meio Ambiente, Marina Silva, no Palácio do Planalto. A cerimônia em nada se parecia com a divulgação das taxas oficiais de desmatamento do período 2003/2004, uma das maiores da história. Na ocasião, a divulgação foi feita numa sala do próprio Ministério do Meio Ambiente (MMA), num evento bem mais acanhado.
Outro estudo, que bebe da mesma fonte, também foi divulgado ontem, porém por um órgão independente, o Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Registra uma queda no desmatamento, mas bem mais leve. Entre o início de agosto de 2004 e o fim de julho de 2005, o Deter mostrou que 13.245 km2 de árvores da Amazônia caíram.
Diferenças nos métodos de análise não explicam uma lacuna tão grande entre as duas estimativas, dizem especialistas ouvidos pelo Estado. Uma das possíveis explicações é o fato de o ministério ter considerado períodos de 11 meses, enquanto o Imazon trabalhou com dados de 12 meses fechados.
— A disparidade não pode ser explicada porque o Deter não olha áreas menores do que 25 hectares -, afirma Roberto Smeraldi, da ONG Amigos da Terra.
O Deter não é o sistema oficial utilizado pelo governo federal para fornecer estatísticas de quanto é desmatado na Amazônia. Como passa com freqüência na região, ele é usado para indicar à equipe de fiscalização onde agir. Não consegue observar as áreas pequenas nem aquelas cobertas por nuvens. Em compensação, é rápido: a cada duas semanas, novos mapas são gerados.
Esta é a primeira vez que o Deter é usado para contabilizar quanto foi derrubado. Normalmente, o governo usa as informações geradas pelo Prodes, um sistema muito mais preciso, porém mais lento para fornecer estimativas - geralmente com um ano de atraso, fato que dificulta a tomada de decisões políticas e administrativas que evitem mais desmatamento. Também por esse motivo, o número de 18 mil km2 é bastante inferior ao divulgado em maio pelo mesmo ministério: pelo Prodes, foram 26 mil km2 para o período entre agosto de 2003 e agosto de 2004.
Segundo Carlos Souza Jr., principal autor do estudo do Imazon, tais confusões são consideradas, até certo ponto, esperadas, pois nunca houve tantos dados sobre a Amazônia.
— Estamos atolados de informações. Ou a gente se convence de que não é possível comparar os dois sistemas ou exploramos os dados para incluir o Deter na contagem. Do meu ponto de vista, científico, acho que a ciência é capaz sim de dar essa resposta – diz ele.
Previsão oficial
Segundo o Deter, Estados do Pará e Tocantins foram os que registraram maior redução de novas áreas devastadas: 81%. Mato Grosso teve o pior desempenho. Entre agosto de 2004 e julho de 2005, o Estado perdeu 6.091 quilômetros de floresta, quase dois terços do total registrado em toda a Amazônia. Mesmo assim, lá também houve redução de 33% no ritmo de devastação.
Apesar de ter em mãos apenas estimativas, tanto Marina quanto Dilma fizeram questão ontem de demonstrar a certeza da tendência de queda do desmatamento. Atribuíram a mudança ao Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia, política lançada em 2004 que envolve 11 ministérios.
— A tendência de queda de desmatamento reflete uma mudança de estratégia. Avisamos que não faríamos pirotecnia. Sabíamos que estávamos no caminho certo e os números mostram isso -, afirmou Marina.
Além das operações de fiscalização - que passaram a contar também com ações de inteligência da Polícia Federal -, Marina disse que mudanças na estrutura fundiária na Amazônia tiveram impacto positivo na redução do desmatamento. Como exemplo, ela citou a homologação de 93 mil km2 de terras indígenas e a criação de 84 mil km2 de unidades de conservação em zonas de conflito e frentes de expansão da fronteira agrícola.
O biólogo Paulo Moutinho, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), comemora não os números, mas o fato de um sistema ágil como o Deter ser usado para mapear a mudança na cobertura vegetal.
— Pela primeira vez o governo tem a capacidade de qualificar o desmatamento e sobrepor esse dado com outras informações, econômicas e sociais.
Mês atípico
Um ponto de convergência em ambos os resultados, do ministério e do Imazon, é a queda abrupta e inesperada em junho.
O mês costuma registrar taxas elevadas de desmatamento, pois há pouca chuva na Amazônia, facilitando o trabalho de corte e queimada de árvores. Em 2005, no entanto, o Deter detectou um índice bastante baixo: 697 km2, menos do que maio, com 1.613 km2. Nem a cobertura de nuvens explicaria tal redução.
Moutinho, assim como Smeraldi, lembram que a queda no preço da soja e do gado no mercado internacional impulsionaram a redução no desmatamento.
— Quando se olha o conjunto dos fatores que podem levar a uma queda da taxa, é possível ver uma coincidência com as commodities do setor agropecuário -, diz o representante da Amigos da Terra.
O secretário de Biodiversidade e Florestas, João Paulo Capobianco, admite que a queda do preço da soja teve um peso significativo na redução do ritmo do desmatamento em Mato Grosso, sobretudo em maio e junho.
Contudo, tanto ele quanto a ministra Marina garantiram que a Operação Curupira, que em junho desbaratou uma quadrilha que havia anos atuava na região, teve grande participação na redução dos números. O representante da ONG ambientalista Greenpeace na Amazônia Marcelo Marquesini concorda:
— Toda a indústria da madeira ficou parada com a operação. Quem não tinha licença para operar ficou sem. (O Estado de S. Paulo, 27/08)